Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info
O Chefinho enfrentava certo grau de insônia desde o início da pandemia. Triste demais
com o isolamento social, impedido dos voos rumo ao States, com saudade dos brothers,
dos flertes. De pilotar a nave como os atores daquele filme atualmente no número 14.
Ou 15. Enfim, a vida do Chefinho era um mar de lamentos sem o barco check-in.
Em uma dessas noites em que o vídeo game enjoou, a tv não tinha nada e o flerte online não rendeu, o Chefinho abraçou seu grande amigo de infância (e de todas as horas) o ursinho de pelúcia Lulu. Queria desabafar e, quem sabe, encontrar de novo um sentido para a vida.
– Lulu, tô com medo! Não quero ser pobre! Papai dizia que se eu não comesse direito, ia
ficar doente e ia me castigar me levando no SUS. Cresci com medo disso. Deve ser uma
cadeia ou algo assim…
O ursinho era velho, apesar de bem cuidado. E não havia santo no mundo que fizesse o
Chefinho entender que ele não escutava:
– Só você me entende, Lulu. Mais ninguém! O que que eu faço?
No silêncio do amigo, as palavras da vida. A memória dos ensinamentos do pai: a felicidade é você que faz! O Chefinho fez. Ainda de pijama de bolinhas e em plena madrugada, anunciou por e-mail aos funcionários que estava promovido. Sim. Dando asi mesmo aumento de salário, um cargo maior e mais poderes.
Pela manhã, foi um auê danado. O Chefinho só viu à tarde. A quarentena era uma oportunidade para sonos maiores quando este resolvia chegar.
– Filho, como assim você subiu de cargo? – questionou o pai pela manhã e com calma
para não provocar mágoas no seu menino.
– Ah… tava triste! E achei que isso ia me fazer bem.
– Fez?
– Caso você antecipe meu salário, sim.
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.