Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
O Chefinho andou o último mês se lascando. De tropeço em tropeço, ralou diversas
vezes o queixo no chão da incompetência frente às atividades realizadas no cotidiano da
empresa. E seguia assim. Não era exigido já que era filho do dono. Mas exigia como
quem quer ser o homem do ano. As ordens eram patéticas, mas num contexto de forte
desemprego e sem qualquer perspectiva de melhora, os funcionários seguravam firmes
seus postos e aceitavam com mais tranqüilidade o maior investimento feito com terapia.
Pelo menos a maioria. Outros, menos dispostos ao ridículo que era ser chefiado pelo
Chefinho, optaram pelo desemprego. Nos corredores argumentavam que mesmo a
ausência dos números na conta no começo do mês era mais fácil do que conviver com
alguém que simplesmente dava ordens:
– O tempo é difícil, mas vai saber. O que não dá é pra seguir com esse cara. Outro dia
ele me chamou pra perguntar como ia o andamento do novo projeto. Expliquei. E ele
perguntou quando sairá a nova linha de sapatos. Sapatos! Gente… desde quando
fabricamos sapatos? Sorte pra quem fica! – ex-funcionário indignado.
Diante da redução no quadro de funcionários, nada mais natural que a abertura do
processo seletivo. Mas seria contratada apenas uma pessoa para a função e atribuições
de todos que saíram. Crise econômica bastante econômica. E assim foi feito. Para fins
de menos estresse (além de não precisar se alongar no contato direto com ele), o R.H
encaminhou para o e-mail o anúncio da vaga e detalhes. Além de e-mail, deixou
algumas cópias por sua sala. Isso incluindo cadeira, máquina de café e vaso sanitário.
Caso contrário, o Chefinho não ia ver. Ele nunca via e-mail. Sempre esquecia a senha.
Sobre o anúncio da vaga, a estratégia foi eficaz e o Chefinho entendeu. E telefonou para
o R.H:
– Lucia… me diz uma coisa. Quando será este processo?
– É Ângela, chefe. Eita que o senhor não decora, né?! – rindo na impossibilidade de
matá-lo.
– Desculpa, Angélica. Quando é o processo?
– É… bom… vamos lá. É amanhã. Já estamos preparados para a dinâmica e demais
atividades para a escolha do melhor candidato.
– Tá bom. Me lembra amanhã cedo? Assim vou para o processo.
– Chefe, não se preocupe. Aqui na empresa é o R.H que faz a seleção. Temos uma
equipe pronta para isso, equipe esta atenta ao perfil desejado de acordo com a política e
diretrizes da empresa.
– Eu vou fazer! Me avise amanhã cedo. – desligando.
A funcionária do R.H desligou e comunicou aos demais que a seleção seria feita pelo
Chefinho. Todos foram unânimes quanto à decisão:
– Oh cara escroto da desgraça.
No dia seguinte haviam diversos comunicados espalhados pela sala. O Chefinho achou
e leu justamente o que estava no vaso sanitário:
PROCESSO SELETIVO HOJE ÀS 9:00 NA SALA 8.
E lá foi ele.
Ao entrar, o Chefinho parou num breve susto dado o elevado número de candidatos
enquanto coçava o saco:
– Bom dia…
Se fez um silêncio instantâneo entre os candidatos que outrora falam das dificuldades,
tempo desempregados e como precisavam do emprego. O Chefinho sentou e folheou os
currículos. Todos com muitas páginas o que despertou alguma inveja. Como dito em
outra oportunidade, aquele era o primeiro emprego dele. E se sentiu ameaçado pela
competência presente. Além, se lembrou que não fazia a menor ideia de como era fazer
um processo seletivo. Olhou para as pessoas e elas olhavam para ele sentados de
maneira ereta e com as mãos nas pernas. Tudo conforme ordena o manual do candidato.
Começou:
– Bom dia pra todos. Sou o chefe aqui e vim saber quem são vocês. São muitas
pessoas… muitas. Vamos começar.
O Chefinho pegou um papel que detalhava os benefícios. Salário, carga horária e etc.
– Bom… esta vaga oferece o salário de um aluguel barato, uma compra básica, abdicar
de vida social, guardar religiosamente os cupons de caixa de pizza para futura
gratuidade, sem convênio médico, tão pouco perdão pra faltas em decorrência de um
câncer ou gripe, além de só passagem de vinda. Pra ir pra casa, apostamos na força de
vontade de vocês, acreditamos em um planeta sustentável, logo, menos um ônibus e
nosso banco dá desconto nas bicicletas. Além de suas habilidades e experiência, falar
inglês, francês, alemão, mandarim e russo serão diferenciais. Todos de acordo?
Todos disseram sorridentes “sim”. E o Chefinho começou. Olhou atentamente os
presentes e sentiu fome. Proporcional aos presentes, o processo seria longo. Então
trabalhou com o que chamaria posteriormente de “extinção natural”. O Chefinho era um
macho. E de tão macho, achou interessante ser chefe de mulheres. Pensou isso porque
acreditou em possíveis envolvimentos sexuais. Dispensou todos os candidatos homens.
– O R.H errou numa informação. Essa vaga tem como preferência mulheres. Desculpem.
Boa sorte.
Houve uma indignação velada por partes dos candidatos homens presentes. Mas, de
acordo com o manual do candidato, é necessário aceitar tudo, isso até de empresas que
não se trabalha, para deixar futuras portas abertas. Saíram. Restaram 4 candidatas e o
Chefinho as achou lindas. Para fins de sequência em seu projeto de chefe envolvido
com funcionária, trouxe mais uma pauta. E não por questões morais. Apenas pela
memória de uma surra que tomou outrora de um marido furioso com seus constantes
assédios a sua companheira. Na ocasião, a moça também ajudou:
– Esse R.H…só faz cagada! Bom… vocês 4 candidatas. Vamos começar. Nomes?
Disseram os nomes.
– idade?
Disseram a idade.
– profissão?
Elas se olharam. O Chefinho riu.
– Verdade… desculpem.
Seguiu.
– Me falem mais da vida de vocês. Moram com quem.
As candidatas informaram. 2 casadas. Outra querendo a vaga para, além dos boletos,
concretizar matrimônio. E a última, solteira e universitária. O Chefinho decidiu partir
para a entrevista individual.
– Legal… farei um papo individual com cada uma. Vou começar por você e chamo
vocês daqui a pouco, tá?
Concordaram e ficou a sós com a candidata, não sem antes telefonar e falar bem
baixinho.
– Dispense essas que saíram. Acho que a candidata é a que está aqui.
Feito, começou a entrevista.
– Me diz uma coisa. O que costuma fazer.
– Bom… atualmente estou procurando emprego pois estou bem próxima à conclusão do
meu curso. Após, a ideia é entrar no mestrado. Desenvolvo alguns projetos e me dedico
bastante à pesquisa acadêmica.
– Esquerdista?
– Não… não necessariamente. É só o caminho que sigo e…
– Esquerdista! Mas tudo bem. Aqui aceitamos esquerdistas. Me diz. E quais são seus
sonhos?
– Ah… eu penso em… – interrompida.
– Hmmmm… que interessante. E quando sai, pra onde costuma ir?
– Sair? Como assim? – estranhando.
– Balada, bar… geral.
– Ah… na verdade isso é muito pessoal e prefi… – interrompida.
– Posso ler sua mão? Eu fiz um curso online.
– Não. Podemos falar da vaga? – constrangida.
– Ah… por favor… me dê aqui. – tentando agarrar a mão da candidata.
Numa esquiva sublime, a moça recolheu sua mão e educadamente pediu:
– Podemos seguir com o processo?
O Chefinho:
– Só se me mostrar a mão.
A moça atendeu. Tacou-lhe a mão bem tacado na cara e saiu da sala. No caminho para o
ponto de ônibus, falava nervosa no celular:
– O tempo é difícil, mas vai saber. O que não dá é pra trabalhar com esse cara. Me
chamou pra um monte de bosta? Expliquei. E ele pediu pra ler minha mão. Mão?
Gente… desde quando avaliador lê mão? Mostrei na cara dele. Sorte pra quem fica! –
indignada.
Já o Chefinho chorou o não que não era acostumado a ter. Um pouco depois recebeu
uma ligação do R.H visto que ninguém foi encaminhado para contratação.
– Chefe, deu certo o processo?
– Faz aí vocês o processo seletivo. Essa merda. – fazendo bico de choro.
Gostou?
Na primeira semana do mês que vem tem mais,
Até lá.
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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