O Chefinho – O Brasil Não Pode Parar. Por Guigo Ribeiro

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

O Chefinho descia as longas escadas rumo à cozinha. Ainda com sono, levou grande
susto ao ouvir uma conversa de seu pai ao telefone:

– Olha… caso as pessoas não sigam trabalhando, nosso faturamento vai ser muito menor.
Mas muito menor mesmo. Se estão preocupados com uma gripezinha… só porque um
monte de gente pegou, imaginem o colapso econômico. Então vamos nos concentrar em
convencer o povo a seguir trabalhando. Não quero sair da lista da Forbes…

A atenção do Chefinho ficou no termo “gripezinha”. Apavorado, lembrou das vacinas
da infância em que era necessária a mobilização de muitas pessoas para alcançar o êxito
ao impedir doenças futuras. O Cheinho passava mal em lembrar do Zé Gotinha ainda
hoje! Até então, não tinha qualquer ideia sobre o que se passava no Brasil e no mundo.
Dedicou os últimos tempos aos jogos online e se manteve quieto diante da não cobrança
de seu pai para que fosse fazer jus ao cargo que gentil e estrategicamente a ele foi
concedido:

– Papai… vamos morrer?

Desligando na cara da pessoa, o pai respondeu:

– Calma, meu menino. Não se apavore. Papai tá aqui. Isso tudo é terror da mídia,
pressão dos pobres. Querem acabar com nosso império criando medos. Isso é culpa da
China comunista também.

O Chefinho, próximo ao choro, perguntou:

– Mas o que tá acontecendo, papai? Levantei todos esses dias para trabalhar… e… e
parece que o mundo parou.
– Por pouco tempo. Você vai ficar de férias, tá? Direi isso ou que tá conduzindo um
importante projeto aqui comigo, trabalhando até altas horas da noite. Toma. Pega isso.

O Chefinho perdeu momentaneamente a vontade do choro:

– Você sempre sabe me agradar, papai. Um presente!
– Mais ou menos, filho. É para sua proteção.

O Chefinho colocou a caixa na mesa e abriu desesperado. Também não ouviu a parte da
proteção, ficando só com a utopia do presente. Rasga papel, corta laço e fura caixa.
Enfim, sim. O presente-proteção: uma roupa de plástico bolha com o leve descuido da
não retirada do adesivo escrito “Frágil”. O Chefinho, imaginando-se um herói, se
apressou em vestir:

– Você não é super-herói, tá? Se proteja!
– Obrigado, papai. Precisa de algo aqui… sobre a empresa? – torcendo pela resposta
negativa.
– Não, filho. Tô pensando como colocar o povo pra trabalhar… do contrário, vamos
perder muito faturamento…

O Chefinho ficou confuso:

– O que é faturamento?

O pai um tanto perplexo:

– Filho… é o dinheiro que ganhamos após pagar mal e porcamente os fornecedores, os
empregados, as contas e impostos. Impostos não que a gente não paga.
– Ah… o dinheiro que faz a gente ser rico?
– Isso!
– O dinheiro que me faz poder viajar o mundo todo e você pagar a conta?
– Isso!
– A grana que dou um trato no meu carro e festas?
– Isso!
– Então vou perder o dinheiro que faz a gente ser rico, não vou poder viajar o mundo e
nem trocar de carros e ir nas festas?
– Filho… calma! – preocupado.

O Chefinho chorou.

– Por isso meu esforço. A indústria não pode parar. E não vai! Não vai! Te garanto!

O Chefinho, chorando em desespero, foi consolado pelo abraço de seu pai. De súbito,
teve uma grande ideia:

– Papai… manda todo mundo trabalhar! Manda todo mundo trabalhar. Vou falar com
minha equipe para dobrem as metas. É urgente!
– Não! Você não vai! Você vai para o seu quarto e vai ficar lá até eu mandar. Nossos
empregados estão aqui ainda e vão seguir te servindo em absolutamente tudo que
quiser. Feito?

O Chefinho subiu correndo as escadas. A roupa feita de plástico bolha dificultava o
movimento, contudo, chegou ao seu quarto no tempo previsto, batendo a porta com
força diante da possibilidade de ficar pobre. Chegava a tremer de medo. Tinha ainda
mais ao lembrar de ter que tomar a picadinha. Pensou que o Brasil tinha que mudar.
Que não poderia parar. E teve esperança ao ouvir um som diferente dos que vinha
ouvindo todo dia à noite. Buzinas, gritos de gente que também não quer perder o voo
para New York. Com o rosto banhado em lágrimas, meteu a cara na janela e viu que o
sonho não estava perdido:

– O Brasil não pode parar! – gritava um.
– O Brasil não pode parar! – gritava outro.
– Meu faturamento não pode parar! – um terceiro.

O Chefinho fez o sinal da cruz, pensou que Paris pela décima vez é logo ali e entrou no
jogo com um grito forte na janela:

– Parar não pode, Brasil. Para não! Só eu. Vocês não!

_

Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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