Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Em algum momento da ociosa quarentena, o Chefinho foi alertado pelo seu pai sobre a necessidade de manter a equipe produzindo. Disse que era um meio de reafirmar sua liderança, posição e que não queria os funcionários encarando o tempo como férias. Sugeriu que pensasse estratégias para isso e, caso não conseguisse, o avisasse. Ele saberia exatamente o que fazer. Avisou também que haveria uma reunião com os diretores. O Chefinho fez que não ouviu para assim se manter atento ao seu jogo online. Após algumas horas, o pai mandou mensagem para saber o andamento do trabalho que o Chefinho não fazia:
– Eles estão online desde que horas? – indagou.
– Eles quem?
– Tem uma reunião te esperando? Você ouviu o que falei?
– Pai… a conexão tá muito ruim. Deve ser o computador.
– Te levo outro hoje à noite. Dê o seu melhor.
O Chefinho, irritado com o término de sua diversão, entrou na sala virtual. Estavam os diretores tratando de assuntos importantes para a empresa.
Chefinho – Gente… desculpe a demora. Choveu muito aqui.
Os diretores estranharam já que moravam na mesma região cara do Chefinho e não viram uma gota de chuva. Tão pouco de coerência.
Diretor – Tudo bem. Bom… vou te deixar informado do que conversamos. Já está tudo certo. Pensamos um plano de metas para que os funcionários recebam o salário cheio. Como cortamos 80%, fizemos uma campanha chamada “Pandemia Sem Crise”. Essa ideia consiste em oportunizar aos empregados a busca pela dignidade de pagar as contas e para isso fizemos metas abusivas para que possamos seguir lucrando e que eles possam não passar fome.
Diretor 2 – Estimamos aumentar em 237% os lucros dessa forma. E o melhor. Pagando a mesma coisa. Sempre achei que eles ganham muito para trabalhar pouco.
O Chefinho gostou.
Chefinho – Que legal, cara! Vou seguir rico!
Diretor 1 – Exato! Em caso de êxito, vamos fazer isso política da empresa. O salário deve ser conquistado. Do contrário, vagabundo fica enrolando na máquina de refrigerante. Tiraram a máquina de refrigerante?
Diretor 2 – Tiraram! Vamos fechar patrocínio com o refrigerante preto e vai ser só ele, implementando também o Diabete Card. Bebeu, pagou. Está certinho. Cotas mensais descontadas do salário e FGTS.
O Chefinho adorava a variedade de refrigerantes e se opôs.
Chefinho – Não. Espera aí. Como assim tirar a máquina?
Os diretores demoraram um pouco para falar qualquer coisa. Pensavam como falar e respiravam fundo para não mandar o Chefinho para aquele lugar.
Diretor 2 – Seu pai assinou. Adorou a ideia. É um contrato de exclusividade.
O Chefinho lembrou da parte que tem que ser chefe.
Chefinho – Não. Vocês não podem tirar meus refrigerantes sem me consultar. Que que é isso, rapaz? Bom… diante da não consulta, me digam uma coisa. O que sou aqui? Eu não “valo” nada?
Os diretores, confusos, tentaram contornar.
Diretor 1 – Não tiramos. Agora será só uma marca.
Diretor 2 – Sim. O mais gostoso e tira sono ainda, cara. – tranquilizando.
O Chefinho normalmente não ligava para ser chefe. Só pelo salário e status. Mas quando mexia com sua posição – vulgo privilégios – ele ficava de bico:
Chefinho – Acho que vocês têm que conduzir a empresa sozinhos então. Não contem comigo. Se não sou nada aqui dentro, que seja sempre assim. Por isso a coisa não anda.
Por mais que a ideia fosse incrível, não poderiam descartar o Chefinho.
Diretor 2 – vamos fazer o seguinte… – sem oportunidade de concluir.
Chefinho – vamos fazer! Vocês vão me entregar daqui duas horas um contrato assinado que ateste a expansão da nossa empresa para Turquia, Dinamarca, Noruega, Austrália e Honduras. Entenderam?
Diretor 1 – Senhor, vivemos uma pandemia! Todos contratos estão congelados! Não é possível!
Chefinho – É uma ordem! Esses países vão adorar nossos produtos! Imagina os turcos com… – o Chefinho não sabia o que a empresa que chefiava fazia – com isso aí! Façam! Também quero uma campanha de marketing e mudanças no logo da empresa. Adoro azul e branco.
Diretor 2 – Nosso logo já tem essas cores!
Chefinho – então pensei melhor. Amarelo e vermelho. Como o Ro, aquele boneco que adoro e como lanche na lanchonete dele. Outra coisa. Criem uma campanha para aumentar os lucros. Senão, demito vocês. Entenderam?
Diretor 1 – SIM SENHOR.
Diretor 2 – TÁ, SENHOR.
Chefinho – ÚLTIMA COISA! Vocês trabalham pouco! Produzem pouco! Quero mais produção de vocês! Me mostrem resultados. Agora grave um pronunciamento meu para todos os funcionários e tchau. Chega de vocês por hoje. Tô trabalhando 10 horas por dia. Me deixem!
Os diretores o gravaram e fizeram o procedimento como ordenado:
Amigos, amigas,
Quarentena não é férias e queremos lucros! Melhorem aí senão vão ficar sem salário, tá? Tchau.
À noite, o pai do Chefinho o entregou o computador novo, deu um longo abraço e justificou o não envio da mensagem por ser longa demais.
– Pode jogar seu game, menino! Eu faço isso!
O Chefinho em instantes estava no seu cafofo.
Gostou?
O Chefinho é igual salário. Uma vez por mês.
Até a próxima.
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.
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