O governo Lula está sendo tão pressionado, que até um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é criticado pela mídia comercial e pelos economistas que representam a posição do grande capital no país. Na semana passada foram divulgados os dados do PIB de 2024, um crescimento razoável de 3,4%, acima até do crescimento mundial no ano passado. Esse desempenho superou todas as expectativas do mercado e representou a maior expansão desde a recuperação pós-pandemia. Desempenho impulsionado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por investimentos e pelo consumo das famílias, este favorecido por políticas governamentais que aumentaram a renda disponível.
Ao contrário do que se poderia esperar em condições normais, parte dos jornalistas econômicos criticaram o governo pelo resultado. Alguns “analistas” expressaram preocupações sobre o desempenho do PIB, atribuindo-o a estímulos governamentais “excessivos” que poderiam no futuro levar a desequilíbrios econômicos. Inclusive com o risco de a dívida pública atingir níveis insustentáveis, afetando negativamente a inflação, as taxas de juros e o crescimento econômico. A solução para esses economistas seriam ações fiscais mais rigorosas, o que, traduzido em bom português, significa corte de gastos públicos e sociais, aqueles gastos destinados a atender a população mais pobre.
Esses analistas acusam o governo de – ao manter gastos sociais de caráter “populista” (Bolsa Família, BPC, Previdência Social) – provocar uma crise de confiança no chamado mercado (que, obviamente, é muito delicado). Fator que teria, inclusive, levado a uma baixa taxa de investimentos (taxa de Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF) em 2024. A taxa de FBCF é um indicador que reflete os investimentos realizados em ativos fixos, como máquinas, equipamentos e infraestrutura, sendo fundamental para o crescimento econômico de um país. Essa constatação é ridícula, porque a taxa de investimentos no Brasil é baixa já há muito tempo, justamente porque (entre outros motivos) os juros são muito altos. São poucos os que arriscam em investimentos produtivos, com uma taxa de mais de 8% obtida na especulação “limpinha”, ou seja, já descontada a inflação. No ano passado, inclusive, a taxa de investimentos cresceu um pouco em relação ao ano anterior, chegando a 17,0% do PIB, contra 16,4% do ano anterior.
O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo, 8,16% real (ou seja, descontada a inflação) e isso não tem nada a ver com crise de confiança. Aliás, um dado que chama a atenção é que o ranking dos 10 países com as maiores taxas reais de juros, é formado exclusivamente por subdesenvolvidos, como pode-se observar: Brasil (8,16); México (5,39); Chile (4,66); Hong Kong (3,12); Colômbia (2,39); Filipinas (2,21); Indonésia (2,09); África do Sul (1,73); Índia (1,13); Israel (0,74). Esse dado, por si só, revela que a taxa de juros funciona também como um mecanismo de dominação e extração de riqueza, dos países subdesenvolvidos, pelos países ricos. Nos EUA a taxa de juros real estimada (subtraindo a inflação de 2% da taxa nominal média de 4,375%) é de aproximadamente 2,37% ao ano. Na União Europeia, subtraindo a inflação projetada de 2,3% da taxa de juros nominal de 2,5%, a taxa de juros está em aproximadamente 0,2%.
Para os “analistas” ligados aos bancos, a maior taxa de juros do planeta, definida por um banco central chamado “independente”, seria culpa do governo e não do Banco Central. A mídia brasileira, que provavelmente é a mais farsante do mundo, na área da economia extrapola todos os limites. Ela aponta que o déficit nominal do Brasil, mais que dobrou, para 9,5%, desde que Lula assumiu. O déficit nominal é a diferença negativa entre as receitas totais e as despesas totais de um governo, incluindo os gastos com juros nominais sobre as dívidas interna e externa, em um determinado período. Porém toda a construção analítica que fazem é de que o déficit nominal seria culpa dos gastos sociais: bolsa família, previdência, saúde e educação. Os juros altos e a dívida, seriam uma consequência do “descontrole fiscal” e não sua causa. Como o governo, nessa interpretação, gasta demais com “medidas populistas”, o Banco Central é forçado a manter juros nas alturas e cresce a dívida pública em relação ao PIB (hoje em 78,6%).
Ou seja, por mais que Fernando Haddad tente agradar o mercado, nessa área não tem saída para o governo. Se a economia cresce a imprensa crítica, porque pode levar ao aumento da inflação, em função do crescimento do consumo. Se não cresce, e aumenta o desemprego, a crítica é devastadora. Se os juros estão altos é por culpa do governo que não controla gastos, se a inflação sobe, é culpa também do governo, cuja política causaria insegurança no mercado. Pressionado, o governo Lula, que era crítico dos juros escorchantes do Banco Central, a partir de uma determinada altura, parou de criticar.
De acordo com informações do Banco Central, cada aumento de 1 ponto percentual na taxa Selic resulta em um acréscimo de aproximadamente R$ 55 bilhões nos gastos anuais com juros da dívida pública brasileira. O principal pretexto para o aumento dos juros é a inflação. O Brasil encerrou 2024 com uma inflação de 4,83%, puxada por “Alimentação e Bebidas”, item que apresentou o maior impacto no índice anual, acumulando alta de 7,69% e a gasolina, com o maior impacto individual sobre a inflação do ano, com alta de 9,71% e contribuição de 0,48 pontos percentuais no índice geral.
Segundo o Dieese, em fevereiro último o preço do café em pó subiu em todas as capitais abrangidas pela pesquisa de preços da Cesta Básica Alimentar. As altas deste produto variaram entre 6,66%, em São Paulo, e 23,81%, em Florianópolis. O problema está relacionado com baixos estoques, consequência da menor produção do produto no Brasil e no Vietnã, e a firme demanda internacional, pressionaram os preços do grão. Cabe perguntar que influência poderia ter a taxa de juros sobre esses preços? Quem vai consumir menos café, tomate ou laranja, por conta do aumento da taxa Selic?
A pressão exercida pelo Sistema Financeiro Internacional, e por todos os seus numerosos e influentes tentáculos na sociedade, impede o governo de enfrentar as questões macroeconômicas fundamentais, como é o problema da dívida pública. Em 2024, o Governo Central registrou um déficit primário de aproximadamente R$ 43 bilhões, equivalente a 0,36% do PIB. Excluindo R$ 32 bilhões em despesas relacionadas a enchentes, o déficit se reduz para 0,09% do PIB, alinhando-se com a meta fiscal de déficit primário zero, considerando a margem de tolerância de 0,25%. Apesar do governo ter cumprido essa meta, os chamados “especialistas” do mercado, criticaram o governo, porque acham necessárias medidas fiscais adicionais, em função das incertezas globais. Resumo da ópera: os gastos primários não provocam déficit: 0,09% do PIB é praticamente zero.
O setor público consolidado – formado por União, Estados, municípios e estatais– registrou déficit nominal de R$ 998,0 bilhões em 2024. Esse foi o maior valor nominal anual da série histórica, iniciada em 2002 (segundo o relatório Estatísticas Fiscais do BC, divulgado em 31 de janeiro de 2025). Essa cifra inclui tanto o resultado primário quanto os encargos com a dívida pública. Esse déficit nominal representa aproximadamente 9,2% do PIB nacional. Isso significa que o cerne do problema fiscal no Brasil são os juros da dívida pública. Em 2024, a arrecadação federal totalizou R$ 2,71 trilhões. O resultado representa uma alta real (descontada a inflação) de 9,62% ante 2023, que é recorde na história do Brasil. Desse valor, quase um trilhão foi para o pagamento dos juros da dívida.
A DBGG (Dívida Bruta do Governo Geral) fechou 2024 aos 76,1% do PIB. O levantamento considera o endividamento do governo federal, do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), dos Estados e dos municípios. Em dezembro de 2024, a dívida era de R$ 9 trilhões em valores nominais. A Auditoria Cidadã da Dívida, usando dados oficiais do governo, estima que os gastos com juros e amortizações da dívida pública, em 2024, tenham chegado a R$ 1,99 trilhão de reais (1 trilhão e 996 bilhões, praticamente 2 trilhões). Esses R$ 2 trilhões foram destinados aos “serviços” da dívida, portanto, incluindo pagamento de juros e amortização da dívida. Amortização da dívida deveria ser o pagamento gradual não apenas dos juros incidentes, mas também do pagamento gradual ou imediato, do principal da dívida. A amortização da dívida permitiria, ao fim de determinado período, a quitação da dívida. Mas isso não acontece no Brasil. O estoque da dívida só cresce, apesar do país pagar o maior volume de juros em proporção do PIB, do mundo.
A previsão do setor financeiro e de outros, é que a taxa Selic deverá atingir algo em torno dos 15% até o final de 2025. A inflação de fevereiro, inclusive, levantou a bola para o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentar os juros na reunião da semana que vem, nos dias 18 e 19. Em fevereiro de 2025, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação no Brasil, registrou uma alta de 1,31%, maior aumento para o mês de fevereiro em 22 anos, desde 2003. O detalhe é que a aceleração da inflação no mês passado, decorreu principalmente pelo aumento de 16,8% nas tarifas de energia elétrica residencial, que teve um impacto de 0,56 ponto percentual no índice geral do IPCA. Mas este é apenas um detalhe, que ao que tudo indica, será desconsiderado pelo Copom na reunião da semana que vem.
A condição do Brasil, de maior taxa de juros do planeta, se refere a taxa básica de juros na economia. No varejo, para as transações do dia a dia, os juros cobrados no país são, de longe, os mais elevados do mundo. Segundo o Banco Central, o juro médio total cobrado pelos bancos no rotativo do cartão de crédito estava, em novembro, em 445,8% ao ano. A taxa do parcelado estava em 183,3% ao ano, no mesmo mês. Não há nada parecido em todo o mundo. A taxa máxima de juros no rotativo, ao ano, em alguns países é: EUA (17,03%); Turquia (24,27%); Rússia (27,9%); Índia (30%). Mesmo na Argentina, cuja economia está sendo arrebentada pela motoserra de “El Loco”, essa taxa é menor que a do Brasil: 53,2% ao ano.
O raciocínio básico da defesa dos juros altos para controle da inflação é o de que juros altos encarecem o custo do dinheiro, o custo do crédito. Isso estimularia empresas e famílias a adiarem o consumo e investimentos, reduzindo a demanda por bens e serviços, esfriando um pouco a economia. Mas a maioria da população brasileira, ou pelo menos uma parte expressiva, estaria consumindo em excesso, a ponto de a elevação dos juros ter o efeito de reduzir substancialmente o consumo? Será que esse diagnóstico é verdadeiro para o Brasil nesse momento? Teria problemas de excesso de demanda um país no qual quase 30% da população tem seu rendimento referenciado no salário-mínimo e cerca de 54 milhões de pessoas (acima de 1/4 da população) dependem do Bolsa Família para não passar fome?
José Álvaro Cardoso é economista do DIEESE e colunista do Portal Desacato.
A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.