Por José Álvaro de Lima Cardoso.*
As turbulências políticas da Venezuela, país que enfrenta verdadeiro cerco de fogo liderado pelos EUA, têm raízes na situação econômica, que é permanentemente sabotada. O imperialismo precisa promover o desgaste do governo, para atingir seu objetivo principal que é se apropriar do petróleo da Venezuela. Mas não é só petróleo. Além das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela tem muita água, a biodiversidade da Amazônia, ouro, etc. O país tem também uma das maiores reservas de coltan[1] do mundo, bastante cobiçado pelas multinacionais. A estratégia de sabotagens e mentiras usada na Venezuela é a mesma dos países do Oriente Médio: iludir a opinião pública mundial com táticas de contra informação e mentiras, se apropriar das riquezas e arruinar o país.
A crise econômica é muito eficiente nessa tarefa, a desorganização da economia sempre foi central nos golpes de estado. As cenas de violência que têm ocorrido no país, em boa parte, são planejadas como parte do processo de desestabilização, que é, inclusive, superdimensionado pela mídia internacional, gerando um ambiente de medo e intranquilidade. Como o governo venezuelano tem o apoio da maioria da população e conta com a lealdade dos militares, os golpistas tentam criar o caos, através da sabotagem econômica, o que acaba prejudicando principalmente a população mais pobre.
No aspecto macroeconômico, um dos problemas centrais é o câmbio. A cotação oficial da moeda é 10 bolívares por dólar, mas a cotação no câmbio paralelo chega a 12 mi bolívares por dólar. Um dos graves efeitos do problema cambial é a elevada inflação, que deve atingir mais de 700% neste ano, segundo previsão do FMI. A escassez de mercadores essenciais nas gondolas dos supermercados, em boa parte se relaciona com o problema do câmbio. É comum comerciantes importarem produtos pelo câmbio oficial e venderem no mercado clandestino, com margens de lucros absurdas. Segundo informações da imprensa venezuelana, nos últimos cinco anos, os depósitos em dólares no exterior, de empresas venezuelanas, aumentaram 233%. Outro problema é o contrabando de produtos, especialmente de alimentos, que são vendidos em países vizinhos, preferencialmente na Colômbia.
A crise cambial está diretamente ligada à profunda dependência do país do petróleo, praticamente o único bem exportável pela economia venezuelana. O financiamento do Estado é dramaticamente dependente da renda do petróleo. Dentre outras razões, porque a carga tributária é baixa (em torno dos 13,5%). A prosperidade econômica acaba sendo muito dependente do preço do petróleo, que, por sua vez, sofre os efeitos de um número elevado de fatores, boa parte especulativos. Por exemplo, se unilateralmente a Arábia Saudita anunciar um aumento da produção de petróleo em 10% ou 20%, o preço do produto despenca, atingindo severamente a receita pública da Venezuela. O que vale, claro, para todos os países exportadores.
A Venezuela é dona da maior reserva provada de petróleo do mundo, com 298,3 bilhões de barris. Quando os preços do petróleo estão elevados, os petrodólares financiam com folga o Estado e os investimentos públicos. Os salários crescem, aumenta a oferta de empregos, e o mercado interno é dinamizado. Nessa fase não há maiores e imediatas motivações para realizar as transformações macroeconômicas necessárias, como a reforma tributária ou a industrialização do país. Além disso, com o ingresso maciço de dólares, as importações ficam baratas, inibindo completamente os investimentos na produção local. Quando o preço do petróleo cai, diminui muito a capacidade de investimentos públicos visando as mudanças estruturais que a economia necessita.
Romper o círculo vicioso da dependência do petróleo não é tarefa fácil. No governo Chávez, inclusive, houve tentativas de construção de uma estrutura da indústria de base, com investimentos, por exemplo, em siderurgia. Chávez buscou também internalizar a etapa de processamento de produtos agrícolas, mas sem sucesso. A Venezuela aumentou muito, inclusive, a dependência das importações de alimentos. Em 2014 havia comprado no exterior US$ 7,5 bilhões, um aumento de 257% em relação aos US$ 2,1 gastos com importação de alimentos em 2004. Na área de medicamentos o aumento, no período indicado, foi ainda maior: 309% (passou de US$ 608 milhões para US$ 2,4 bilhões). Claro, num contexto de ampliação do acesso da população à alimentos e remédios.
A queda drástica dos preços do petróleo acertou em cheio a economia da Venezuela, assim como aos demais países que dependem muito da renda petrolífera, como é o caso da Rússia. Após um período em que o preço do barril chegou a custar mais de US$ 120, recuou até US$ 25,00 no auge da crise do petróleo em 2012. Nos últimos tempos recuperou parte do valor, e está na casa dos US$ 44, ainda aquém da cotação que permita estabilidade econômica e política na Venezuela. A perda de receita do país, decorrente da queda do preço do petróleo, construiu o ambiente econômico para a instabilidade política na Venezuela.
Os setores extremamente prejudicados com a inversão de prioridades dos governos bolivarianos, há muito aguardavam a oportunidade de realizar a chamada “guerra econômica”, forçando o desabastecimento de produtos essenciais, tática que desgasta qualquer governo. No caso da Venezuela faltam produtos como alimentos, remédios e outros, cuja escassez provocam imediata reação na sociedade, em função de sua essencialidade. Escassez de produtos essenciais, com consequente elevação de preços, constroem as condições para a desestabilização econômica e para um clima de desespero, especialmente dos mais pobres. Que é exatamente o objetivo dos movimentos golpistas.
A situação só não é mais grave porque o governo montou, ao longo dos últimos 20 anos, uma estrutura estatal de atendimento à população que atende a cerca de 20 milhões de pessoas (num país que tem população total de 32 milhões de habitantes). Atualmente 2,1 milhões de idosos recebem pensão ou aposentadoria, o que representa, 66% da população da chamada terceira idade. Isso explica em boa parte o apoio da população mais pobre ao governo, apesar da extrema gravidade da crise.
A economia venezuelana sofre o efeito combinado de alguns fenômenos graves e interligados: 1) brutal crise mundial com preço do petróleo abaixo do padrão histórico; 2) sabotagem da burguesia do país para causar desabastecimento e inflação de preços; 3) embargo comercial e bloqueio financeiro ao país. O bloqueio financeiro torna cada vez mais difícil o governo e as empresas venezuelanas obter créditos no mercado internacional. Ademais, as próprias agências de risco, que são ligadas aos interesses do capital financeiro internacional, colocam seus índices de risco (que a rigor só servem para enganar os incautos) lá em cima, prejudicando ainda mais a economia nacional.
Se o golpe triunfar na Venezuela, toda a América Latina será impactada, com retrocesso na democracia e no campo dos direitos da cidadania. A principal força do golpe que está sendo desferido contra a soberania da Venezuela, é a mesma do golpe no Brasil: o imperialismo norte-americano. As razões do golpe, lá e aqui, também são muito semelhantes: petróleo, água, biodiversidade, Amazônia, nióbio e outros minerais. O que está em jogo no país vizinho, essencialmente, é uma luta de vida ou morte, entre a direita fascista da Venezuela, apoiada pelo Império, contra o governo Venezuelano, que tem o apoio da maioria do povo pobre do país.
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*Economista.
[1] Mineral composto principalmente por outros dois minerais, columbite e tantalite. Da columbite é possível extrair o nióbio, e da tantalite extrai-se o tântalo. O coltan é muito utilizado na maioria dos eletrônicos portáteis, fundamentais para o avanço de todos os tipos de tecnologias.
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