O Caribe, região estratégica na América Latina

Por Elaine Tavares.

As Jornadas Bolivarianas, na sua oitava edição, em abril de 2012, discutiram o aparentemente desconhecido Caribe. E, nesse debate, houve espaço para os piratas, os vilões, os trabalhadores, as lutas, a cultura, a política. Tudo foi abordado dentro de uma proposta de se pensar criticamente essa região estratégica no meio das três Américas e, que, sistematicamente, tem sido palco de dominação, colonização e libertação. Ao longo das Jornadas, o Caribe foi aparecendo na sua extraordinária diversidade de línguas, culturas e modos de vida, mas ficou bastante claro o quanto também está unificado na busca de autonomia, soberania e liberdade.

O Caribe é um conjunto de ilhas ao lado da América Central que abarca na sua totalidade cerca de 233.098 quilômetros quadrados. A maior de todas as ilhas é Cuba, com mais de 11 mil metros quadrados e a menor é Monserrat, com apenas 83 quilômetros quadrados. Todas elas têm um alto índice de densidade populacional e exigem o uso cuidadoso dos recursos naturais, principalmente da terra. Mas, o Caribe ainda tem a sua área continental, com as três Guianas (uma é francesa, outra britânica e outra holandesa), ocupando também parte da Colômbia e parte da Venezuela. Ou até, como bem lembrou o professor Carlos Martínez, da Universidade Santo Tomás, da Colômbia, parte do Brasil. Segundo ele, regiões como a Bahia e o Maranhão contêm fortes elementos da cultura caribenha.  Então, isso já mostra o quanto o Caribe não é tão desconhecido assim, afinal, esses espaços geográficos estão todos os dias nas telas de TV, nos jornais e no rádio. Quem nunca ouviu falar de Cuba e sua revolução? Quem não sabe dos dramas do Haiti? Ou do dinheiro dos milionários que se esconde nas Ilhas Caimãs? Ou que a armada de Cristovam Colombo aportou na ilha de Dominica? Tudo isso é Caribe!

Pois essa região, mais do que tudo, é muito estratégica já que fica num dos mares mais importantes do mundo: o mar do Caribe. Por ali passam praticamente todas as rotas comerciais do Atlântico e do Pacífico, e, quem controla o Caribe, controla o canal do Panamá, outro espaço fundamental. Todas as ilhas estão muito próximas do centro do poder imperial hoje no mundo: os Estados Unidos, além de fazerem frente com seus mais importantes inimigos na região da América do Sul: Venezuela e Equador. O mar onde descansam as ilhas, justamente por sua posição, já foi até chamado de “mediterrâneo estadunidense”, como registrou Eric Willians, um escritor de Trinidad y Tobago, no seu livro “O negro no Caribe”. Hoje, os Estados Unidos têm várias bases na região, como as nove que garantiu na Colômbia, e quatro outras distribuídas nas ilhas de Curaçau, Cuba, Porto Rico e Aruba.

A disputa pelo Haiti também não é coisa isolada. O país também está de frente para a Venezuela além de ser importante reduto de mão de obra barata. Muitas são as empresas transnacionais que operam no país pagando salários de miséria. A professora Mari Ceci Mizoscky, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que tem trabalhado naquele país, vê com muito ceticismo a ação das chamadas “tropas de paz” e confessa que – atuando como médica sanitarista – por vezes sente-se impotente diante do caos, da violência e da miséria que assola o país, que já foi a maior referência da luta revolucionária das Américas, quando os negros escravos realizaram a revolução que os libertou da França.

O Caribe como espaço da invasão

A professora Digna Castañeda, da Universidade de Havana, trouxe os elementos históricos sobre esse lugar de tanta beleza e provação. Foi ali que chegaram os invasores em 1942 pensando aportarem nas Índias. E na ilha de Dominica, assim como nas outras mais próximas, encontraram povos vivendo em paz. Ou seja, já havia por aqui uma civilização. “Assim, como diz Germán Arsiniega, o Caribe é o nosso primeiro continente. Ele já existia antes que qualquer outro por aqui existisse. E foi desde ali que se desenvolveu todo esse hemisfério”. Digna lembrou que o Caribe é um espaço muito importante, não só pelas riquezas naturais, mas pelo fato de ter sido o motor de arranque do capitalismo nas terras novas. Segundo ela, foi o sistema de plantações da região do Caribe que inaugurou a ideia de uma economia mundial, consolidada na lógica da dicotomia metrópole/colônia (periferia). “No período colonial foram o açúcar, o tabaco e o café que fizeram a riqueza do capitalismo, amparada pelo braço do negro, escravo. Hoje, as potências seguem de olhos nas riquezas, como a bauxita, por exemplo, e ainda mantém a mesma relação metrópole/periferia”.

Com a explosão das riquezas no período colonial o Caribe tornou-se também espaço de migração. Para ali vieram os espanhóis, portugueses, ingleses, franceses, holandeses, suíços. Depois, para sustentar o sistema de plantações foram trazidos os negros, e mais tarde os chineses e os indianos. Por conta disso, o Caribe é hoje um mosaico extraordinário de gentes e línguas. “No tempo da escravidão os negros vinham para o Caribe, como se fossem combustíveis biológicos. Tinham vida útil de cinco a sete anos. Depois morriam, e outros eram colocados no seu lugar. Mas, esse combustível também semeou e deixou sua marca na cultura. Essa mistura é que faz a beleza do Caribe”.

Por outro lado, a ocupação das ilhas por países tão diversos, também deixou como herança uma profunda fragmentação, gestando uma sociedade dividida que muitas vezes não se comunica, seja por conta da língua ou do modo de vida, muito diverso.

O Caribe hoje: do açúcar à indústria do turismo

Nos últimos anos, o Caribe passou de exportador de açúcar e outros produtos agrícolas, para um centro de turismo. E mesmo aí enfrenta problemas, pois hoje em dia a criação de paraísos artificiais em qualquer lugar do mundo (alguns deles muito mais seguros para os turistas), acaba fazendo com que o turismo se perverta. No geral, a mesma dominação que havia no tempo das plantations segue igual. No passado, mandavam os donos das terras, e hoje são as transnacionais que dominam a área do turismo.

O tipo de turismo que vigora no Caribe é chamado de resort, com a instalação de complexos turísticos altamente sofisticados, que são totalmente dirigidos desde fora por empresas estadunidenses ou canadenses, tais como Hilton, Sheraton, Holiday Inn, entre outras marcas bastante conhecidas. Os países caribenhos acabam sendo só um receptor de gente, sem a devida correspondência no ganho financeiro. Mesmo que alguns donos de empreendimentos sejam locais, todo o financiamento, operações de reservas, agências de viagens, promotores de espetáculos e distribuidores de comida fazem parte de uma cadeia internacional. Segundo dados da Organização de Turismo do Caribe, de cada dólar que entra num negócio de turismo, apenas de 10 a 20 centavos fica no Caribe. Assim, apesar de passarem mais de 20 milhões de pessoas por ano nas ilhas, o que deixam aos locais é muito pouco.  E, no que diz respeito a empregos, sobram para os caribenhos os trabalhos mais modestos como, cozinheiros, camareiros e garçons. Como quase tudo o que a indústria turística utiliza é importado (inclusive a comida), não há desdobramentos na cadeia produtiva dos países. Não bastasse isso, os empreendimentos ainda gozam de uma série de incentivos fiscais e não pagam impostos. O país dá o que tem: areia, praia, e mão de obra barata, recebendo o mínimo de volta. É um negócio altamente lucrativo para as empresas.

Esse tipo de indústria também acaba criando o que os autores caribenhos chamam de “indústria do pecado”, que é onde os moradores locais conseguem de alguma forma se inserir. O tráfico de menores na região é muito comum, a prostituição grassa e não raro também acontece o tráfico de mulheres para outros países. O Caribe aparece na Europa como um grande centro de recreação sexual. Acompanhando tudo isso prolifera também o tráfico de drogas e os jogos de azar. Sabe-se que pelo menos 35% da droga que entra nos Estados Unidos passa pelo Caribe, o que faz da região um corredor “estratégico”. Na ilha de Belize, por exemplo, o luxo dos cassinos contrasta violentamente com a pobreza das ruas. A lavagem de dinheiro é outra febre no Caribe, com mais de 17 centros financeiros onde os bandidos de todo o mundo guardam suas fortunas.

As ilhas caribenhas são o que também era Cuba nos anos 50. Uma espécie de quintal paradisíaco, onde os ricos de todo mundo vão curtir a vida, embora muito pouco seja distribuído aos moradores. Assim, como afirma Emílio Pantojas García, da Universidade de Porto Rico, se no passado os caribenhos adoçavam a boca do mundo com o açúcar que com o suor e o sangue do trabalho escravo era produzido, hoje os ilhéus trabalham para alimentar a indústria da fantasia recreativa dos ricos em paraísos tropicais. O que mostra que praticamente nada mudou.

Não bastasse estar no centro de lucrativos negócios o Caribe também é área estratégica para os Estados Unidos no que diz respeito a sua posição como “polícia do mundo”, e principalmente da América Latina. Para os EUA é importante manter o controle sobre o Caribe já que nele há pontos estratégicos que servem como base de operações militares. Essa região está bastante integrada ao que o ex-presidente George W. Bush chamou, em 2005, de Aliança para a Segurança e Prosperidade da América do Norte (Aspan), tendo como parceiros o Canadá e o México. A tal aliança foi respaldada depois por Barak Obama que já realizou três conferências com os mandatários das ilhas no que ele chamou de “Confraternização das Américas”. Uma confraternização feita pela força das armas, é claro, seguindo a lógica do império: ou é meu amigo pelo bem , ou pelo mal.  No meio disso tudo, os EUA vão fechando acordos bilaterais de negócios, que de “bi” não têm nada.

Segundo o professor Norman Girvan, da University of West Indies, de Trinidad y Tobago, o que está hoje fazendo a diferença entre os pobres são os acordos com a Alba (Aliança Bolivariana para as Américas), criada pelo governo venezuelano. A partir desses convênios os países podem construir casas populares, fazer obras de infraestrutura. Da mesma forma a união dos países na Petrocaribe (também iniciativa da Venezuela), tem trazido benefícios para as gentes, ao contrário dos acordos de Livre Comércio com os EUA e Canadá nos quais só os grandes se beneficiam. Mas, ainda assim, tudo anda devagar por conta das retaliações que podem surgia. Basta vez o exemplo de Honduras. Quando o então presidente Mel Zelaya começou a atuar por dentro da Alba, foi deposto por um golpe militar apoiado pelos EUA.

Girvan também aponta o perigo que significam as áreas imperiais dentro do Caribe. Como se sabe, no arquipélago existem possessões britânicas, francesas, holandesas e estadunidenses. Isso joga um papel muito importante no tabuleiro das forças. Como as ilhas são muito pequenas, os movimentos de libertação ainda são fracos, o que não significa que não existam. Sempre houve resistência e rebeliões, mas nada com força suficiente para mudar a correlação de forças.

E assim é o Caribe, um mosaico de gentes, línguas, cores, ritmos, culturas. Um espaço de riqueza, um lugar estratégico no meio das Américas. Conhecê-lo, intercambiar informações e saberes, romper com as barreiras do idioma, é tarefa urgente para todos aqueles que sonham com uma Pátria Grande, livre e soberana.

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