Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.
O campo popular e progressista tem uma caminhada muito dura em Santa Catarina. Não é novidade mas é bom lembrar o retrato institucional. Um número inexpressivo de prefeituras, pouquíssimos vereadores e vereadoras e apenas 6 deputados estaduais fotografam uma frágil existência institucional no estado. A isso agreguem-se apenas 2 deputados federais.
Não há soluções fáceis para isso. Não se trata de simplesmente “voltar às bases”. Mesmo voltando ao chão do cotidiano isso não seria suficiente. Depois de um bom desempenho na década de 90 do século passado, que fez pensar em tempos melhores, quando o PT e seus aliados obtiveram importantes vitórias municipais em cidades polo do estado, na capital, no norte, sul e oeste, no presente século, as derrotas eleitorais se acumularam e o crescimento da direita e da ultradireita, historicamente presente, foi avassalador.
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Além de voltar às bases, o campo progressista talvez precisaria revisitar sua construção histórica em solo catarinense e a própria história do estado. Santa Catarina tem raízes conservadoras e reacionárias desde os primórdios republicanos e com uma marca muito forte nas primeiras décadas do século 20. O nazismo e o fascismo, hoje tão presentes, fazem parte da composição ideológica e europeia da província que nega os povos originários e quilombolas na construção do estado. Beneficiada por uma saga de golpes de estado federais, interminável no país, a direita ultraconservadora, fora algum tropeço pontual, como a mencionada década de 90, sempre pintou e bordou à vontade. Só que agora está mais radical, mais violenta e mais decidida a mostrar sua cara sem vergonhas nem remorsos.
O cenário do campo progressista no estado
Nas eleições municipais de 2020 o campo progressista foi vitorioso em Anchieta, Angelina, Bandeirante, Campo Erê, Caxambu do Sul, Descanso, Guarujá do Sul, Lebon Régis, Matos Costa, Saltinho, Santa Helena e São Pedro de Alcântara. Nesses pequenos municípios o PT e o PDT, únicas siglas triunfantes da centro-esquerda, somaram parquíssimos 23.377 votos em total. As cidades polo, maiores colégios eleitorais, tiveram triunfos dos partidos conservadores de direita e ultradireita.
A situação não melhorou muito quando, dois anos depois, em 2022, foi a hora de escolher deputados/as estaduais e federais. Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina a direita deu seu tradicional banho encima do campo popular que apenas manteve os deputados que já tinha: Luciane Carminatti, Pedro Baldissera, Neodi Saretta, Fabiano da Luz e acrescentou, e foi uma grande novidade regional, a eleição de Marcos José de Abreu, Marquito, do PSOL de Florianópolis. Já o PDT elegeu Rodrigo Minotto. De novo, a bancada progressista é majoritariamente do oeste do estado e fica lá entrincheirada.
Ana Campagnolo é o modelo da ultradireita que a esquerda precisaria combater
Em um cenário desses não é de surpreender que a legisladora mais votada, para seu segundo mandato, tenha sido Ana Caroline Campagnolo. A jovem deputada do PL representa a nata, o puro suco das ideias conservadoras em Santa Catarina. Mais, Campagnolo é a imagem de uma ultradireita radical, agressiva e provocadora. Sabe ir além do bolsonarismo raiz, tem uma grande capilaridade e dialoga de forma fácil e vertical com seu eleitorado crescente. Campagnolo é a imagem mais definida do que o campo progressista precisa buscar no baú da história constitutiva do estado e tentar entender. Branca, conservadora, patriarcal, armamentista, Campagnolo é defensora dos privilégios dos que inventaram o disparate de que este estado foi obra exclusiva de imigrantes, como se ninguém morasse aqui antes da chegada dos europeus. A deputada é a musa do retrocesso civilizatório. Ela é autora da CPI para apurar o aborto de uma menina estuprada de 11 anos. Defensora da Lei da Mordaça também é quem indicou o olavista e monarquista Rafael Nogueira para a Fundação Catarinense de Cultura. Como chegou um personagem assim ao espaço e ao poder que ostenta?
A história anunciava o momento que hoje vive Santa Catarina
Isso demora décadas em ser construído, não é apenas um momento determinado da história que cria as condições oportunas para um mapa nazifascista tão sólido na composição sóciopolítica do estado. O livro de comemoração dos 100 anos do PCB, “História de comunistas em Santa Catarina”, organizado por Bernardete Wrublewski e João Carlos Cichaczewski e editado pela Insular, na página 169 lembra que: “A partir da década de 1930, núcleos da AIB (Associação Integralista Brasileira*), são criados em Santa Catarina. Em Nova Veneza e em Joinville, em 1937. Alemães e italianos impulsionam o fascismo integralista por decisão do próprio partido nazista (NSDAP) e também por recomendações da Embaixada Alemã. Nazismo e fascismo tomam como inimigo comum os comunistas.”. A obra traz uma quantidade importante de dados e citas a respeito da construção de um estado reacionário e da “competência” e solidez com que foram sentadas as bases desse pensamento. Sua leitura contribui muito com quem queira visitar a história política catarinense.
Não será da noite para o dia que mudará o cenário
Portanto, não é num estalar de dedos que se derrota eleitoralmente e, sobretudo, no imaginário social, uma construção que tem mais de 100 anos e que beneficiou especialmente às elites locais e ainda as beneficia. Um estado vendido para fora como rico, evoluído, com um presente e um futuro brilhantes, tem se especializado em jogar para baixo do tapete suas imensas desigualdades, os focos de racismo, machismo e xenofobia, a situação de exploração e miserabilidade e sua impronta conservadora, branca e excludente, destruidora da natureza e dos sentimentos fraternos necessários à construção de uma outra sociedade possível e justa.
Mas, talvez seja nesse rosário de males que esteja a resposta para o campo popular e progressista. Sem assumir de cara a batalha cultural e civilizatória escondida no porão da indiferença e da descrença em tempos melhores, não será possível, só pela via eleitoral buscar a construção de outro futuro para Santa Catarina.
É preciso voltar a falar corpo a corpo, informar, educar e ensinar, mostrar a foto estarrecedora das diferenças brutais que vive a sociedade catarinense. E é necessário que seja continuamente, todos os dias, nas escolas, nas lavouras, nas igrejas, nas universidades, nas fábricas. Há que fazer essa briga no campo cultural, no campo comunicacional, no campo educativo, no social. Terão, esquerda e a centro-esquerda, de recorrer o estado na busca de ganhar a batalha das ideias nas mentes e nos corações. Mas, para isso deverão elas mesmo entender que o estado atual não é uma fatalidade, é uma construção histórica que precisa ser mudada. Falta pouco para as eleições municipais e está claro que as armas usadas até agora só garantem a derrota. O campo popular e progressista está disposto a mudar?
*Grifo nosso.
Edição e Publicação: Tali Feld Gleiser
Raul Fitipaldi é jornalista e cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.