Theodomiro Romeiro dos Santos foi o único condenado à morte no Brasil republicano. Tinha 18 anos de idade. Hoje juiz federal aposentado, conta como se livrou de ser executado e o que pensa dos fuzilamentos dos brasileiros Rodrigo Gularte e Marco Archer na Indonésia
Muito antes das execuções de Rodrigo Gularte e Marco Archer – ambos fuzilados na Indonésia -, um brasileiro foi condenado à pena de morte aqui mesmo no Brasil aos 18 anos de idade.
Com a condenação ao fuzilamento em primeira instância, Theodomiro, hoje aposentado como juiz federal, fez história ao se tornar o único brasileiro a ser condenado à pena capital no Brasil no período republicano.
A última execução do tipo havia sido registrada em 1876. Atualmente, a pena capital ainda é prevista na Constituição brasileira, mas somente para crimes militares cometidos em tempos de guerra.
Três meses depois, sua pena seria transformada em prisão perpétua. Às vésperas da Lei de Anistia, em 1979, Theodomiro protagonizaria uma fuga espetacular para a Europa.
A história da condenação
Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR, Theodomiro foi preso por disparar contra os agentes da ditadura militar que o haviam capturado momentos antes, matando um sargento da Aeronáutica em Salvador-BA.
Preso, foi torturado e levado para a prisão Lemos Brito, na capital baiana. O julgamento aconteceria em março de 1971 pelo Conselho Especial de Justiça da Aeronática, que evocou a Lei de Segurança Nacional para aplicar a pena capital. Theodomiro foi então sentenciado ao fuzilamento e Paulo Dantas à prisão perpétua. A decisão aumentou o apetite do arremedo de Justiça Militar.
Nem a ferocidade de uma ditadura militar raivosa por ter um de seus agentes mortos foi capaz de fazer com que a pena de morte fosse aplicada. Com o recente desaparecimento do deputado Rubens Paiva uma pena de morte só pioraria a repercussão negativa que a repressão violenta causava na imagem do regime. Três meses após a condenação, o Superior Tribunal Militar (STM) julgaria o recurso da defesa a de Theodomiro e reformaria a sentença, convertendo-a para a prisão perpétua. A justificativa: o fato de o réu, apesar de culpado, ser menor de 18 anos à época do crime que cometera. O STM acolheu o voto do relator, o ministro Amarildo Lopes Salgado:
“… sua confissão é minuciosa, sem objetivo de inocência. Nem mesmo o advogado põe em dúvida isso. Entretanto, minha consciência jurídica não aceita que a um menor de 18 anos, à época do crime, sem antecedentes criminais, no período de imputabilidade incompleta, seja aplicada a pena máxima…”
Em 1975, o Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena perpétua para 30 anos. Quatro anos depois, às vésperas da promulgação da Lei da Anistia, Theodomiro fugiria para o exterior e só retornaria ao Brasil em 1985, quando o país voltou ao regime democrático.
‘Reagi à prisão e fugi para não ser morto’
Theodomiro conta que, à época, reagiu à prisão porque os homens que foram prendê-lo estavam sem qualquer identificação.
“Eu reagi à prisão quando o DOI-CODI (órgão de repressão subordinado ao Exército) foi me prender. A prisão foi absolutamente ilegal e irregular. Eu não estava fazendo nada errado, não havia ordem de prisão. As pessoas estavam à paisana, não tinham qualquer identificação que fossem autoridades policiais nem militares. O carro também era comum. Reagi à prisão depois que verifiquei que era um grupo de agentes do DOI-CODI que estava me prendendo para me levar a uma penitenciária e me torturar”, disse em entrevista ao jornal A Tarde, em 2013.
Ao falar sobre sua fuga, mesmo em um período de afrouxamento do regime e com a iminência de uma anistia, Theodomiro revelou que ainda havia a possibilidade de ser assassinado na prisão.
“Uma notícia que Fernando Escariz (jornalista, autor do livro Porque Theodomiro fugiu) me deu numa das vezes que foi à penitenciária. Um dia, já depois da anistia, da redução das minhas penas, ele relatou que numa entrevista com Antonio Carlos Magalhães (então governador da Bahia), quando ele já falava em off com os jornalistas, um dos repórteres disse: governador, Theodomiro vai sair agora, não é? Ele respondeu: não sei, porque Theodomiro agora vai ficar sozinho na penitenciária e você sabe que penitenciária acontece muita briga de preso…. Eu tinha pedido a liberdade condicional, mas o juiz-auditor não autorizou, apesar de eu ter cumprido muito mais pena do que era necessário. Eu ia de fato ficar sozinho na prisão, porque os outros dois presos políticos que tinha na época – Paulinho Vieira, do Partidão (PCB), e Haroldo Lima, do PCdoB – iam sair com a anistia, com certeza”, disse.
Execuções de Marco Archer e Rodrigo Gularte
Em entrevista à BBC Brasil, Theodomiro se posicionou contra as execuções dos brasileiros Marco Archer e Rodrigo Gularte na Indonésia.
“Minha discordância fundamental contra a pena de morte em nada tem a ver com a minha condenação, mas decorre das minhas posições humanistas. Sou um defensor da vida e, em segundo lugar, tenho profunda preocupação com a irreversibilidade da punição. Se uma pessoa for executada por um crime que não cometeu, como haverá reparação? Não há como corrigir um erro judiciário numa condenação à pena de morte consumada”, enfatiza.
Santos diz ainda que vê com “tristeza” o forte apoio demonstrado por muitos no país à pena capital.
“É errado pensar que o agravamento das sanções possa consertar o estado das coisas. Defender a pena de morte é uma demonstração da nossa incapacidade de fazer com que as pessoas compreendam que essas medidas não vão resolver os problemas de segurança, todos os problemas que elas gostariam de ver resolvidos”, diz.
Fonte: Pragmatismo Político