Por Ivan Longo.
Considerado “exuberante” pelo jornal The New York Times, o discurso feito pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Clima, a COP 27, realizada no Egito, foi marcado, principalmente, pela frase “O Brasil está de volta”.
“Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome (…) Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade. Voltamos para propor uma nova governança global”, declarou o ex-líder sindical que se prepara para governar o Brasil pela terceira vez a partir de janeiro de 2023.
Em sua fala, Lula se comprometeu a não medir esforços para zerar o desmatamento no Brasil até 2030 e fez questão de dizer, por mais de uma vez, que a luta contra o aquecimento global e as mudanças climáticas está diretamente associada ao combate à pobreza e à fome. O presidente eleito ainda foi além, ultrapassando a questão ambiental e propondo uma reforma no Conselho de Segurança da ONU para a construção de uma nova “governança pacífica global”.
Com a experiência de chefe de Estado respeitado em todo mundo, o ex e futuro presidente, como poucos podem fazer, ainda cobrou a dívida que os países mais desenvolvidos têm com as nações mais pobres.
“Em 2009, na COP15, em Copenhague, os países ricos se comprometeram a mobilizar US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 – portanto já se passaram dois anos – para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem as mudanças climáticas. Não sei quantos representantes de países ricos tem aqui. Mas eu gostaria de dizer que a minha volta também é para cobrar o que foi prometido na COP15”, disse, sendo interrompido por aplausos e gritos de “o Brasil voltou” da plateia.
Por que o Brasil voltou
Na opinião de especialistas em relações internacionais e meio ambiente ouvidos pela Fórum, de fato, o Brasil, com a presença e discurso de Lula na COP27, voltou para a posição de protagonismo no cenário global após os 4 anos de obscurantismo diplomático exercido por Jair Bolsonaro.
Para Diego Azzi, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), “dizer que o Brasil voltou é bastante simbólico em se tratando de um discurso na conferência do clima, que foi alvo de posicionamentos negacionistas e antiglobalistas por parte da diplomacia de Jair Bolsonaro. Mas o discurso afirma mais do que isso”.
“Afirma também a volta do Brasil como mediador de interesses entre grandes potências e países em desenvolvimento, principalmente os mais pobres. Afirma o Brasil como voz ativa em um mundo complexo e multipolar, cujas estruturas de poder, como o Conselho de Segurança da ONU, remetem a um equilíbrio de poder do pós Segunda Guerra que já não reflete mais a atualidade econômica e política em que vivemos”, analisa o acadêmico.
“Assim, Lula articulou a o desafio de resolver a questão ambiental com os desafios de democratização do próprio sistema internacional. É o Brasil voltando a expressar um pensamento autônomo e próprio, voltando a aspirar a construção de um mundo multipolar no qual prevaleça a cooperação e não a rivalidade e a guerra”, emenda.
Rodrigo Gallo, coordenador da pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), considera que “o fato de o Lula ter sido convidado para ir à COP, ainda que a posse seja apenas em janeiro, é significativo. Indica que os líderes mundiais esperam alguma mudança por parte do Brasil no que diz respeito à pauta ambiental. É uma temática que a União Europeia vinha pressionando o governo Bolsonaro, que flexibilizou uma série de instrumentos de fiscalização”.
“É importante verificar que, no discurso, Lula enfatizou que o Brasil está de volta. É uma forma de indicar à comunidade internacional, em um evento ambiental, que o país vai reconstruir sua posição no mundo. Cabe lembrar que neste ano de 2022 celebramos os 50 anos da conferência de Estocolmo, o primeiro evento de meio ambiente promovido pelas Nações Unidas – e que teve o Brasil como um dos maiores protagonistas”, pontuou Gallo em entrevista à Fórum.
“Isso criou uma tradição de que o Brasil é um país ligado aos grandes esforços globais no setor, inclusive por conta da nossa biodiversidade. Foi justamente esse histórico que nos garantiu o direito de sediar a Rio92 e a Rio+20, que trouxeram centenas de lideranças mundiais para o Brasil. Foram dois eventos que, a despeito das críticas, trouxeram prestígio internacional ao país, além de permitir que fizéssemos acordos nos encontros paralelos aos eventos”, prossegue o professor.
Protagonismo do Brasil com Lula trará benefícios ao país e ao mundo
Em entrevista à Fórum, Marcos Sorrentino, que é coordenador do laboratório de Educação e Política Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente do conselho deliberativo do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA), o discurso de Lula na COP27 “foi de um estadista experiente, ‘o cara’, como disse Obama, anos atrás”.
“Ele demonstrou clareza sobre a importância da ONU para a governança de questões planetárias, como as mudanças climáticas, mas não deixou de apontar caminhos a serem trilhados para o seu aprimoramento”, pontua Sorrentino, que foi diretor de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente de abril de 2003 a junho de 2008.
Para o especialista, o discurso de Lula apontando para a retomada do protagonismo do Brasil na questão ambiental diante do mundo deve trazer uma série benefícios não só para o país como para todo o planeta.
“Para além de benefícios imediatos em termos de recursos para projetos de sustentabilidade socioambiental com geração de trabalho e renda e melhoria das condições existenciais com a floresta em pé e para todos os terráqueos, há inúmeros benefícios para o clima no planeta e no Brasil para além da Amazônia. Clima real e metafórico, pois também deve ‘pintar um clima’ propício às mudanças culturais que incorporem valores do bem viver não consumista, mas pautado na valorização da vida, da bio e sociodiversidade e da amizade, do conhecimento da democracia, da ciência, e da simplicidade voluntária”, assegura Sorrentino.
O ambientalista pondera, contudo, que o cumprimento dos pontos levantados por Lula em sua fala na COP27 “dependerá da pressão da sociedade e dos acordos e pressão internacional”. “O Brasil pode jogar de forma importante neste sentido se a nossa diplomacia voltar a assumir o papel que teve nos dois primeiros governos de Lula”, aponta.
O professor Diego Azzi, da UFABC, avalia que Lula “fez um discurso amplo, de estadista”, e que ao sinalizar a reestruturação da fiscalização e monitoramento ambiental no Brasil e colocar o combate às mudanças climáticas como uma das prioridades de seu futuro governo, “recolocou o Brasil como país disposto a trabalhar pela construção de soluções multilaterais para o meio ambiente e o clima, tirando o país da posição de simples demandante de financiamento que não está disposto a cooperar que vigorou nos últimos quatro anos”.
Azzi também aponta para os benefícios que a retomada de uma posição de centralidade do Brasil nas relações globais podem trazer ao país, principalmente pelo fato de Lula ter mencionado a necessidade da criação de uma nova governança global e climática que torne os acordos nesta área vinculantes, ou seja, de cumprimento obrigatório.
“Esse argumento coloca o Brasil numa posição de força muito grande, uma vez que até hoje as negociações nas Cúpulas do Clima do clima são apenas compromissos voluntários. Com tamanho compromisso político, Lula coloca o Brasil em condições de buscar investimento externo direto para projetos de desenvolvimento sustentável, sem precisar chantagear a comunidade internacional com a queima das florestas”, destaca.
“O país precisará mostrar resultados concretos, é claro, mas a impressão que passou o discurso no Egito foi a de que de fato, temos novamente o país como um ator de peso sentado à mesa das negociações internacionais”, afirma ainda o professor de Relações Internacionais.
COP no Brasil?
O discurso de Lula na Conferência para o Clima ainda contou com anúncios. Além de abrir à comunidade internacional sua promessa de criar o Ministério dos Povos Originários, a ser comandando por uma pessoa indígena, o presidente eleito informou que pleiteará, junto à ONU, para que o Brasil seja a sede da COP30, em 2025, reforçando que, caso a proposta seja aceita, o evento deverá ocorrer em um estado amazônico.
Para o professor Rodrigo Gallo, da FESPSP, “pedir para que a COP25 seja sediada na Amazônia é, também, um modo de mostrar que voltamos a ser um país preocupado com o meio ambiente em nível mundial”. “Creio que, considerando o histórico do Brasil, essa possibilidade é real”, diz.
Marcos Sorrentino considera, por sua vez, “excelente” a possibilidade do Brasil sediar uma COP. Ele anunciou, inclusive, que após o discurso de Lula o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) recebeu da Associação Portuguesa de Educação Ambiental a proposta para fazer, antes de 2025, na Amazônia brasileira, o VIII Congresso Lusófono de Educação Ambiental, reunindo os países de língua portuguesa e a Galícia.
“Certamente a oferta do presidente para sediar a COP30 expressa uma outra realidade no Brasil, que recupera em patamar superior o compromisso do Brasil com o campo ambiental”, avalia.
Já Diego Azzi, da UFABC, afirma que “a candidatura do Brasil para a COP30 se enquadra nessa volta da disposição da diplomacia brasileira em cooperar com a construção de soluções multilaterais. Tem seu simbolismo ainda maior pelo fato de Bolsonaro ter recusado sediar a COP no Brasil durante seu governo e por Lula ter proposto um estado amazônico como sede”.
O governo Lula ainda não começou mas o mundo todo, após um único discurso, já admite de forma unânime: o Brasil voltou e isso é bom para todos.