Por José Álvaro de Lima Cardoso.*
Apesar dos tênues sinais de melhoria em um ou outro indicador, a situação da indústria é extremamente adversa. Muitos segmentos industriais continuam recuando pelo menos desde 2014, quando a crise na indústria se agravou. Os dados são eloquentes: a produção total da indústria recuou 3,0% em 2014, caiu 8,2%, em 2015, e, neste primeiro semestre, recuou 9,1%. No setor de bens de consumo duráveis a produção recuou 18,2% em 2015 e 22,2% no primeiro semestre de 2016. No setor de bens de capital a queda foi de 25,4% em 2015 e de 20,1% no primeiro semestre de 2016. Há uma desaceleração da deterioração desses macrossetores da indústria, mas isso é muito pouco, dado o nível de queda desde 2014 e a centralidade do setor em uma eventual retomada do crescimento.
Somente a indústria de transformação torrou quase 600 mil postos de trabalhos nos últimos 12 meses, segundo o CAGED. O nível médio de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação é de 73,9%, pelos dados da FGV, um dos mais baixos da história (a média histórica é de 81%). É possível verificar alguns sinais de recuperação, quando se analisam os dados em um período mais longo, já que a desaceleração tem sido menos intensa neste ano. Há outros sinais de pequena melhoria também, como o nível de estoques, a taxa média de utilização da capacidade instalada e o índice de confiança dos empresários industriais (texto de conjuntura de julho/16, do DIEESE). Destaque para as exportações de manufaturados, que aumentam em quantidade, em função da desvalorização cambial nos últimos meses (recentemente a taxa de câmbio voltou a cair, o que preocupa).
O que se pode dizer é que, apesar da estabilização recente dos seus indicadores, o quadro da indústria é extremamente preocupante. Além da estabilização ter ocorrido em um patamar muito baixo, a recente trajetória de valorização do real, pode interromper a discreta recuperação. Recordo que em certo debate sindical alguém provocou: um país precisa mesmo de indústria? Porque não importar todos os produtos industriais que o Brasil necessita, da Ásia, que pretende ser a fábrica do mundo? Se os produtos industriais importados são mais baratos que os produzidos internamente qual a necessidade de o país manter a indústria? Bem, há alguns bons motivos para a defesa do setor industrial do país, os quais listo alguns:
1º) Não há registro na história de nenhuma nação que tenha chegado ao desenvolvimento econômico e social, sem uma generalizada industrialização e um forte e ativo Estado Nacional. Mesmo economias que utilizaram mais as exportações de produtos primários para elevar a sua renda per capita (como Austrália e Canadá), antes atravessaram por períodos de elevada diversificação industrial, elemento essencial das suas estratégias de desenvolvimento;
2º) Existe uma relação empírica entre o grau de industrialização e a renda per capita, tanto nos países ricos, quanto nos países em desenvolvimento;
3º) Há uma associação estreita entre o crescimento do PIB e o crescimento da indústria manufatureira. A dinâmica da economia brasileira, neste momento, ilustra o fenômeno. O produto apresentou queda, em boa parte, porque a indústria de transformação recuou drasticamente;
4º) A produtividade é mais dinâmica no setor industrial do que nos demais setores da economia, é o setor industrial que puxa o crescimento da produtividade da economia;
5º) O avanço tecnológico que se concentra no setor manufatureiro tende a se difundir para outros setores econômicos, como o de serviços ou mesmo a agricultura. Os bens com maior valor adicionado, produzidos pela indústria, incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia.
Nos países desenvolvidos, que em alguns casos se desindustrializaram, a indústria nacional já cumpriu o seu papel no desenvolvimento econômico, colocando a renda per capita da população em elevado patamar. Ao se desindustrializar, o Brasil está perdendo a sua maior conquista econômica do século XX. Entre 1930 e 1980, a economia brasileira cresceu a elevadas taxas (6,8% entre 1932-1980) com base no chamado “processo de substituição de importações”, com fortes incentivos estatais à industrialização através das políticas cambial, tarifária e fiscal. Será que vamos colocar todo esse esforço a perder e regredir à economia primário-exportadora do século XIX?
Caberia neste momento um vigoroso projeto nacional, que possibilitasse a retomada da indústria do país. Ou seja, seria fundamental realizar exatamente o oposto do que está fazendo o governo interino. O conjunto de medidas encaminhadas ou anunciadas pelo governo tendem a debilitar muito a indústria. Venda de estatais estratégicas sem política de valorização dos ativos, entrega vergonhosa do pré-sal e de outros recursos naturais, achatamento do mercado consumidor interno via arrocho salarial, regressão em décadas na regulamentação do trabalho, esvaziamento do BRICS, fragilização do Mercosul, destinação de somas fabulosas aos rentistas, tudo isso, enfraquece ou dificulta muito a possibilidade de crescimento de uma indústria robusta no país. Nenhuma surpresa, vindo de um grupo que veio disposto a liquidar com qualquer vestígio de desenvolvimento e soberania nacional.
*Economista.