O Brasil precisa enfrentar o sistema de drenagem da dívida pública. Por José Álvaro Cardoso.

Por José Álvaro Cardoso.

No dia 22 de julho os ministérios da Fazenda e Planejamento oficializaram o bloqueio de R$ 15 bilhões no Orçamento federal, conforme consta no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Públicas (RARDP), do terceiro bimestre de 2024. No dia 30 de julho sairá um decreto que trará o detalhamento dos ministérios que sofrerão os cortes, em nome do equilíbrio fiscal. Pelo que foi divulgado até o momento, o corte orçamentário será feito da seguinte forma: R$ 11,2 bilhões do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e benefícios previdenciários; e R$ 3,8 bilhões de contingenciamento, em virtude da arrecadação insuficiente para alcançar a meta de déficit zero. O contingenciamento é o retardamento do gasto em função da insuficiência de arrecadação das receitas previstas. Se a arrecadação melhorar ao longo do ano, o contingenciamento pode ser desfeito.

 O corte orçamentário é para garantir o objetivo do governo, que é zerar o déficit fiscal nesse ano, com tolerância de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), para cima ou para baixo. O governo está sendo duramente criticado por economistas ortodoxos, pelas projeções realizadas, de crescimento da receita (10,5% pelo relatório bimestral de maio), que estariam sendo superestimadas. Para os críticos, o governo estaria também, por outro lado, subestimando os gastos. Algumas estimativas preveem que, se o governo quiser atingir a meta de déficit zero, terá que cortar mais R$ 11 bilhões. Os economistas ortodoxos falam em “credibilidade fiscal”, “segurança fiscal”, necessidade de “controlar o risco Brasil” etc.

O teto total de gastos sujeitos à limitação neste ano é R$ 2,1 trilhões em decorrência da nova regra fiscal, votada no ano passado. O bloqueio que o governo está fazendo é para que esse limite não seja ultrapassado. Segundo a equipe econômica do governo, o bloqueio de R$ 11,2 bilhões foi feito por dois fatores principais: 1.o gasto com o BPC terá um acréscimo de R$ 6,4 bilhões; 2. Houve um aumento de R$ 4,9 bilhões nos benefícios previdenciários, devido ao Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social, do governo federal.

É preciso entender. O BPC é um benefício de 1 salário-mínimo por mês (R$ 1.412) concedido ao idoso com 65 anos ou mais, além de pessoas com deficiência. Nos dois casos, pessoas muito pobres, com renda familiar per capita de um quarto do salário-mínimo. No caso da Previdência, que foi também atingida pelo bloqueio de recursos, quase 70% dos benefícios concedidos são também de um salário-mínimo. O bizarro de todo esse debate sobre o corte orçamentário, é que ninguém menciona que a renúncia fiscal da União, neste ano, chegará a quase R$ 790 bilhões, segundo levantamento da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). Segundo o estudo, entre janeiro de 2012 e dezembro de 2023, as isenções cresceram 212,44%.

Como na questão do bloqueio orçamentário recém anunciado, uma boa parte das renúncias fiscais corresponde a impostos que financiam a Previdência Social. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) em 2023 as isenções subtraíram da previdência R$ 274 bilhões em receitas. Considerando PIS/Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a renúncia fiscal chegou a R$ 274 bilhões no ano passado.

A Seguridade Social brasileira impacta a vida de cerca de 150 milhões de compatriotas, ou mais, direta e indiretamente. Seguridade Social não é só Previdência, mas abrange também Saúde e Assistência Social, áreas vitais para a sobrevivência da população, especialmente a mais pobre. O sistema previdenciário brasileiro paga todo mês cerca de 39,5 milhões de benefícios e injeta de mais de R$ 70 bilhões mensais na economia do país, o que é fundamental, inclusive, para o mercado consumidor interno. Quase 70% dos municípios brasileiros tem como principal renda, os benefícios pagos pelo INSS.

Já está se falando em realizar nova “reforma” da previdência dentro de dois ou três anos, supostamente para “garantir a sustentabilidade” do sistema. Ou seja, ao mesmo tempo em que se retira recursos da previdência, por isenção fiscal ou cortes puro e simples, vai se intensificando uma campanha contra o suposto “déficit” da previdência social, feito com diagnóstico totalmente falacioso, e contra os gastos sociais em geral. Estão questionando inclusive a vinculação do reajuste do salário-mínimo com benefícios como BPC, abono salarial e seguro-desemprego, direitos históricos da população brasileira.

A Lei Orçamentária (LOA) prevê despesas de R$ 5,5 trilhões para 2024. No entanto, a parte do leão irá para o refinanciamento da dívida pública. Nessa rubrica, a previsão da LOA é que sejam gastos com a rolagem da dívida R$ 2,4 trilhões neste ano. Enquanto com a previdência social, segundo maior gasto do governo federal, deverão ser investidos R$ 935 bilhões neste ano, com a rolagem da dívida serão comprometidos nada menos que o valor mencionado, que representa 44% do orçamento federal. Os juros nominais do setor público consolidado, no acumulado em doze meses até maio, chegaram a R$781,6 bilhões (7,04% do PIB). Fala-se em pagamento de juros e amortizações, porém, apesar de ser destinado 6% ou 7% do PIB todo ano para pagamento de juros, a dívida só cresce. Ou seja, a amortização da dívida não passa de uma fantasia.

A Dívida Bruta – que abrange Governo Federal, INSS e governos estaduais e municipais – atingiu 76,8% do PIB, e equivalente a R$8,5 trilhões. Os credores preservam esse estoque de dívida porque ele representa uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro”. Não lhes interessa que a dívida seja paga, ou seja, não querem matar a galinha. Os gastos com juros da dívida em 12 meses, de R$781,6 bilhões, equivalem a mais de 83% dos investimentos previstos com a Previdência para 2024. Mas com uma diferença crucial: os gastos com a previdência social são fundamentais para cerca de 150 milhões de brasileiros (direta e indiretamente); os gastos com a dívida pública, é dinheiro jogado fora: vai para o bolso de especuladores que não agregam nada à geração de valor no país.

O pagamento dos especuladores no Brasil é sacrossanto, com ele não se mexe. Entra governo, sai governo, e os banqueiros seguem levando todo ano, quase metade do orçamento público federal. Em nome do interesse dos banqueiros – em ações que vêm travestidas de equilíbrio fiscal e outras falácias – se retira benefícios dos pobres, não se concede aumento para o salário-mínimo, o SUS é sucateado, e miseráveis, que dependem de auxílio público para não morrer de fome, são tratados como criminosos.

O Brasil é o país mais industrializado da América do Sul, apesar do processo de desindustrialização que sofre nas últimas décadas. É o terceiro maior produtor agrícola do planeta e o maior exportador de alimentos. Há cálculos de que o país disponha de recursos naturais que valem US$ 21,8 trilhões, ocupando a sexta posição nesse quesito, no mundo. Possui algumas das principais commodities como urânio, ouro, ferro e petróleo. No setor de mineração é uma potência com elevada extração de bauxita, ferro, estanho, cobre e ouro. Possui as maiores reservas de urânio e ouro do planeta, e é a segunda potência na produção de ferro. Além disso, é o segundo maior produtor florestal do mundo, com 496 milhões de hectares plantados, fornecendo quase 13% da madeira consumida no planeta.

Apesar de todos estes recursos, 20,8 milhões de famílias precisam receber bolsa família, com valor médio de R$ 682, para não morrer de fome. Enquanto os banqueiros levam todo ano, quase um trilhão de reais em nome de juros da dívida, cerca de um quarto da população brasileira depende de ajuda governamental para sobreviver. Se o Brasil quiser se desenvolver em termos socioeconômicos, mais cedo ou mais tarde terá que enfrentar esse parasita monstruoso.

José Álvaro Cardoso é economista do DIEESE em Santa Catarina.
A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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