O Brasil, os caminhoneiros e a política

Foto: Thiago Gomes / Agência Pará

Por Elaine Tavares. 

Quando em 2013 a direita foi às ruas houve uma surpresa geral. Havia muito tempo que esse campo não travava batalhas no campo aberto. Sua tática, desde o golpe de 1964, era a das salas acarpetadas, dos acordinhos espúrios, da pressão via dinheiro. Mas, tampouco o país tivera na direção alguém identificado  com os trabalhadores. Lula e depois Dilma vinham de um partido de trabalhadores e ainda que seguissem a cartilha liberal, o nome “trabalhadores” na sigla que os representava parecia perigoso demais. O período de vacas gordas na economia passara e a realidade de país dependente assomava outra vez. À classe dominante já não interessava mais o PT no governo e ela decidia que queria de volta o poder político.

Naqueles dias de 2013 a faísca que se acendera com a batalha contra o aumento da tarifa de ônibus deu vazão a uma série de outras demandas. E, de repente, as ruas, que eram território da esquerda e dos trabalhadores, passaram a se vestir de um verde-amarelo reacionário, com a classe média e até algumas socialites realizando passeatas e manifestações. O grito de Fora PT começou a aparecer e no meio da luta pelo transporte público surgiu a pauta da PEC-37 que tomou conta do país, com as pessoas defendendo seu arquivamento sem sequer saber o que ela significava. E nas ruas travou-se a batalha contra os partidos políticos, os sindicatos e os movimentos sociais. Ali já se pronunciava a semente do que estaria por vir. O arquivamento da PEC 37 deixava o Ministério Público com poderes de investigação tal qual a polícia e a operação Lava-Jato que nasceria mais tarde mostraria o quanto servira aquele arquivamento.

Naqueles dias as forças de esquerda também ficaram em estado de perplexidade, mas resistiram e enfrentaram os raivosos verde-amarelinhos em todos os campos. E quando tudo acabou, acreditava-se que aquele episódio não se repetiria. Mas, não foi assim. O nascimento de uma série de movimentos de direita e sua ação nas redes sociais deu volume aos gritos de “fora PT” e a situação econômica foi abrindo brechas na sociedade que não queria mais perder o que pensava que havia conquistado: a segurança financeira. O segundo mandato de Dilma que começava com promessas de manutenção dos programas sociais e de vida boa para todos fez água e ela decidiu aplicar um ajuste que cortava na carne da maioria. Virou inimiga, e com razão.

A operação Lava-Jato e o jogo das delações premiadas começaram a mostrar um quadro de corrupção dentro da Petrobras, a maior estatal brasileira. Políticos do PT foram caindo um a um, até que chegou à presidenta. Como um rastilho de pólvora a pauta do combate à corrupção foi se espalhando capilarmente, com o engajamento ferrenho das mídias comerciais. Dilma estava com a cabeça à prêmio e, de novo, as forças da direita conseguiram empurrar para as ruas milhões de pessoas pedindo o impedimento da presidenta. Não havia crime, não havia provas, mas havia um frisson alucinante que exigia a punição, a queda, o desaparecimento do PT. E Dilma foi derrubada por conta das pedaladas fiscais, coisa que todo governante praticava. Tanto que logo depois da assunção de Temer, as pedaladas foram legalizadas pelo Congresso.

Com Dilma fora do caminho, o vice, Temer, assumiu e a próxima jogada no tabuleiro da política brasileira era derrubar Lula, apagá-lo da história, tirá-lo de cena como um reles ladrão, capaz de vender-se por um apartamentinho furreca. E tudo foi feito conforme o script. Lula foi envolvido nos esquemas de corrupção e hoje está preso em Curitiba por conta de uma acusação que envolve o recebimento de um apartamento como propina.

Enquanto essa novela palaciana se desenrolava, os movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos seguiam com suas mesmas velhas práticas, sem perceber que algo havia mudado radicalmente nas entranhas do país. As redes sociais, misturadas de forma capilar na vida das gentes, viraram tanques de guerra a disparar notícias falsas e a constituir um consenso generalizado sobre a esquerda brasileira. Qualquer luta de trabalhadores virava coisa de “comunista” e até mesmo o PT foi acusado como tal. “Minha bandeira jamais será vermelha”, gritavam os verde-amarelos, possuídos pela sanha anti-comunista. E as ruas iam se mesclando de gente que misturava esse ódio ao comunismo a própria perda de vantagens econômicas, visto que a economia ia se desmilinguindo, sempre contra a maioria. Com Temer no comando o país foi sendo entregue em todas as áreas: riquezas naturais, estatais, soberania.

Um campo dos trabalhadores abraçou a batalha pela defesa do Lula. E, em todo o processo, que foi da acusação até a prisão, a vida se desenrolou por ali. Mesmo depois da prisão, que já leva quase 50 dias, esse grupo seguiu atuando no sentido de batalhar pela liberdade do líder. As demais pautas ficaram em segundo plano e mesmo a Reforma Trabalhista, que tirou direitos fundamentais dos trabalhadores não encontrou combate. Poucas foram as ações contra a reforma e ela passou no Congresso sem maiores atropelos. As centrais outrora combativas chegaram a suspender greves gerais marcadas, desmobilizando e enfraquecendo a luta dos trabalhadores.

A direita, que vinha se reorganizando desde 2013, com a construção de novos mecanismos de batalha, não deixou que o vácuo na política demorasse. Atuou com competência e venceu a batalha das ideias, tendo nas mãos os meios de comunicação e as redes sociais. Assim, a luta contra os “comunistas” continuou ganhando fôlego e incitando muitos grupos a exigirem até a intervenção militar. Assim, enquanto o país ia sendo entregue e a economia despencava, ia se criando o caldo de descontentamento totalmente vinculado ao campo da esquerda. Tudo de ruim que Temer provocava era culpa do PT. E ainda que houvesse sim responsabilidades do PT, o negócio não era tão simples assim.

Na última semana um movimento de caminhoneiros contra o preço do diesel surpreendeu outra vez o campo da esquerda. Das entranhas do país, pelas estradas carcomidas e perigosas que constituem a malha rodoviária do gigante brasileiro, homens e mulheres decidiram parar a circulação das mercadorias. E tudo parou. Sem gasolina os carros ficaram nas garagens, a comida sumiu das prateleiras, o gás desapareceu. Houve correria e as pessoas começaram a estocar coisas. Nas estradas, os caminhoneiros exigiam a queda do preço do diesel e agregavam outras pautas, como a intervenção militar, de cunho reacionário.

Identificados com o grupo de “paneleiros” como ficaram conhecidas as pessoas que bateram panela pelo impedimento da presidenta Dilma, foram vistos com ódio e rancor pelas forças de esquerda, que demoraram dias para perceber que ali, naquele grupo heterogêneo expressava-se todo o tipo de vozes, inclusive as de “Lula Livre”. Mas, os empresários e políticos da direita logo se somaram ao movimento, apresentando-se como lideranças e apoiadores, deixando a esquerda de fora. Somente passados alguns dias começaram a aparecer as notas de apoio por parte de centrais, sindicatos e movimentos.

Nas redes sociais as páginas de notícias falsas seguem a todo vapor e reproduzem à exaustão a desinformação, dificultando ainda mais a compreensão sobre o que de fato acontece. Enquanto a esquerda busca, lentamente, potencializar o movimento com a chamada de “Fora Temer” os empresários tentam encerrar a paralisação que já causou grandes problemas na economia. Os caminhoneiros, animados com o apoio popular, agora não querem aceitar o acordo feito por cima, entre empresários e governo, e exigem mais do que a queda do preço do diesel. Querem que baixe a gasolina e o preço do gás, atendendo assim a maioria e não apenas a categoria. Isso provoca mais apoio ainda por parte da população que vive o arrocho provocado pelo ajuste.

Nas ruas é o sanatório geral. Há quem queria que caia o preço da gasolina, que venha a intervenção militar, os que são contra a democracia, os que pedem o Fora Parente (presidente da Petrobras), o que pedem foram Temer, eleições já. É uma algaravia. O governo agora endurece contra as entidades que assinaram o acordo, porque não há cumprimento, e ameaça cobrar multa das associações. Também exige que a Polícia Federal prenda os líderes das manifestações. É uma confusão generalizada. E, na semana mais quente do país, com tudo parado, o Congresso Nacional vota regras para eleição indireta em caso de vacância de presidente, o que aponta articulação já amarrada caso Temer despenque do poder. Não há vácuo, as peças se movem e têm comando certo.

Infelizmente para os trabalhadores, as entidades sindicais e populares ainda não conseguiram definir o que fazer no contexto do movimento dos caminhoneiros e diante do aprofundamento do descontentamento popular. Domesticados por tantos anos de governo petista, poucos são os que conseguem atuar com consequência. No geral, estão descolados das demandas populares e, enfrentados com elas, acabam sendo rechaçados pela população que não os reconhece como parceiros no diálogo. Resta o choro nas redes sociais e a ausência nas ruas.

Nessa quarta-feira (30) começa a greve dos petroleiros que procurará debater a questão da Petrobras, do petróleo brasileiro, das refinarias e a política entreguista que vem sendo praticada pelo governo Temer. O caldo pode engrossar, ou não. Se os caminhoneiros levantarem a greve, os petroleiros ficam sozinhos e podem não ter o mesmo apoio popular, até porque suas fileiras não comportam pautas reacionárias como intervenção militar, por exemplo.

Esse é o cenário. A considerar como as forças caminham é provável que a greve dos caminhoneiros vá enfraquecendo e a vida volte ao “normal”, com os partidos políticos preocupados com os candidatos das próximas eleições. Em Curitiba segue o acampamento que saúda Lula todos os dias, sem qualquer chance de ver a sua mais importante liderança fora da prisão. Esse assunto inclusive sumiu da pauta nacional em função da paralisação dos caminhoneiros.

Mas, caso a greve nas estradas não terminar e os caminhoneiros se unirem ao movimento dos petroleiros, novos cenários poderão se abrir, com o aprofundamento da crise e a possibilidade de uma saída comandada pelos trabalhadores. Resta acompanhar.

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Elaine Tavares é jornalista.

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