O Brasil enfrenta uma feroz guerra econômica. Por José Álvaro Cardoso

O problema atual do Brasil não é um mero problema no ciclo de crescimento, de baixa na atividade econômica.

Foto: Marcelo Casal Jr. / Agência Brasil.

Por José Álvaro Cardoso.

Com a expansão da economia brasileira no primeiro trimestre, de 1,9% em relação ao trimestre anterior, melhoraram as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), para este ano. Foi um crescimento limitado, é certo, puxado pela agropecuária (expansão de 21,6%), no qual a indústria apresentou leve recuo (0,1%). A retomada do crescimento de forma consistente é política fundamental e urgente. Mesmo com todos os limites colocados pela conjuntura mundial, se bem-sucedida, ela pode recuperar a indústria, diminuir a pobreza e a fome e gerar empregos de carteira assinada (observamos esse fenômeno em um período de cerca de dez anos, entre 2004 e 2014).


Mas, crescimento no Brasil – talvez mais do que em qualquer outra parte do mundo – não é um problema meramente técnico, depende de decisões políticas e da chamada correlação de forças. O problema atual do Brasil não é um mero problema no ciclo de crescimento, de baixa na atividade econômica.

O problema do país – e dos demais subdesenvolvidos – é ele que enfrenta uma verdadeira guerra econômica, extremamente feroz, com origem nos países imperialistas. Não fosse uma guerra contra o Brasil, como se explicaria a política do banco central dito “independente”, que mantém a maior taxa de juros reais do planeta, contra toda a racionalidade econômica e contra, praticamente, todas as correntes de pensamento econômico em atividade?

Essa é uma guerra econômica, uma política deliberada de liquidação da economia de alguns países, visando inclusive, reduzir parte das forças produtivas e o “excesso” de mercadorias ao nível internacional. Excesso, bem entendido, em relação àquilo que as pessoas podem comprar, que é o que interessa ao funcionamento da engrenagem capitalista. É o conhecido problema de sobre produção de mercadorias. Estamos nos referindo aqui a uma sobre produção relativa, decorrente do fato de que uma parte da produção não é absorvida, porque a população não consegue comprar, seja por renda insuficiente, seja por falta de renda, mesmo.

Como é conhecido, o Brasil tem uma população muito pobre, com quase 10 milhões de desempregados, e mais 3,9 milhões de desalentados, que nem mesmo entram nas estatísticas de desemprego. Esses brasileiros conseguem consumir apenas o mínimo para sobreviver, gerando o gargalo do subconsumo na sociedade. Como esse problema é antigo, as empresas adotam algumas técnicas de compensação, como a produção just in time e outras, evitando estoques de mercadorias. Mas tais medidas apenas aliviam o problema, sem resolvê-lo.

Como o Brasil, entre os países atrasados, é um dos mais industrializados ainda, apesar de todo o processo de recuo da indústria nos últimos anos, ele é atacado com muita ferocidade. Esse processo de desmonte da economia brasileira vem de longe. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o processo de privatizações brasileiro ficou conhecido como “privataria”, ou seja, uma junção privatização com pirataria, que é o mesmo que roubo. Existe uma razoável quantidade de publicações, relatando com detalhes os processos totalmente ilegais de entrega de empresas estratégicas, construídas com o suor da população brasileira, para grandes grupos empresariais estrangeiros.

O sonho das quadrilhas que promoveram as privatizações na década de 1990 no Brasil foi, basicamente, o mesmo das existentes hoje: transformar o  país em definitivo em um exportador de matérias primas e em um local onde as companhias estrangeiras possam explorar seus negócios, aproveitando a abundância de recursos naturais, como petróleo e água, e uma população super explorada, acostumada a baixos salários, na qual uma parcela significativa depende de auxílio Bolsa Família para poder se alimentar (cerca de 50 milhões de pessoas).

O impedimento do Brasil se desenvolver tem várias dimensões, uma delas é o aprisionamento do orçamento. Uma das primeiras medidas do governo golpista de Michel Temer foi votar a Emenda Constitucional 95 (Emenda da Morte), que congelou gastos primários por 20 anos, política única no mundo. A dominação do orçamento se dá também pelo mecanismo de extorsão, chamado de dívida pública, cujos pagamentos, somente no ano passado chegaram a R$ 780 bilhões de reais. Esse valor possibilitaria multiplicar por 4,4 os gastos previstos com o Bolsa Família, que neste ano serão de R$ 176 bilhões. Daria para pagar, à título de Bolsa Família, R$ 3.102,00 para cada um dos brasileiros que recebe o benefício.

Nenhum país do mundo gasta tanto com juros quanto o Brasil. Esse que é, de longe, o maior gasto do orçamento federal, como vem denunciando há anos a Auditoria Cidadã da Dívida, não passa de um mecanismo cruel de aprisionamento do orçamento nacional e extorsão de recursos públicos fundamentais, entregues para os bancos. Mecanismo esse que explica, em parte, o fato de que o país não consegue crescer e nem resolver seus
problemas fundamentais.

Uma outra dimensão da guerra econômica que o Brasil sofre, é a tentativa de destruição da indústria nacional. Nesse sentido, a Lava Jato, operação diretamente comandada pelos Estados Unidos, é extremamente pedagógica. A investida foi inicialmente contra a Petrobrás, maior empresa nacional, chamada pelos desenvolvimentistas de “nação amiga” do Brasil. Porém, quando os norte-americanos perceberam que podiam também liquidar o entorno da companhia, as indústrias de construção e engenharia, que disputavam mercados com empresas americanas em toda a América Latina, não tiveram dúvidas.

A intenção desse ataque à indústria nacional é aprofundar a desnacionalização da economia brasileira e transformar o país em um grande mercado consumidor de produtos industrializados, preferencialmente importados dos EUA, e transformá-lo cada vez mais, em grande exportador de minérios, petróleo bruto, soja e alimentos em geral. Relativamente à essa intenção, recordemos os ataques dos governos golpistas (Temer e Bolsonaro) às refinarias nacionais. Michel Temer, em obediência canina às orientações externas, mal assumiu e tratou de liquidar logo a Lei de Partilha, idealizada para reter, em maior grau, a renda petroleira no Brasil.

O golpe foi operado por “necessidade”, ou seja, a profundidade da crise atual requer maior transferência de riqueza da periferia para o centro, o que significa a necessidade de destruição de direitos, além de outras ações, como a entrega da Eletrobrás e as refinarias da Petrobrás. Neste momento de grande crise mundial, não é mais possível a existência de  governos nacionalistas na periferia capitalista, sem que entrem em rota de confrontação  com os interesses do imperalismo.

José Álvaro Cardoso é coordenador técnico do DIEESE/SC e colunista do Portal Desacato.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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