“O Brasil é vanguarda do atraso nesse debate” – Entrevista com Altamiro Borges

IMG_0625-1024x680Entrevista e fotos: Bruna Andrade.

Jornalista, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, militante do PCdoB e autor do livro “A ditadura da mídia”, Altamiro Borges é um dos mais destacados ativistas da democratização da mídia no Brasil. Ele esteve em Porto Alegre para participar de um seminário, e concedeu essa entrevista exclusiva ao Jornalismo B.

Jornalismo B – Como tu vês o cenário midiático brasileiro hoje? Há um avanço da mídia alternativa?

Altamiro Borges – O cenário midiático hoje é o pior dos mundos, estamos tendo um processo de concentração cada vez maior desse setor. Esse setor não está se desconcentrando, ao contrário, você pega na rádio difusão a Globo é hegemônica sozinha, não existe concorrência nessa área. Apesar de eles falarem tanto em concorrência, livre mercado, não existe. Se pegar o mercado publicitário, é tudo concentrado na Globo. Recentemente, inclusive, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República falou que diminuiu a verba da Globo. Diminuiu no canal aberto, mas aumentou no canal fechado, quem tá controlando a TV por assinatura é a Globo. Então o cenário é de cada vez maior concentração, várias empresas estão falindo, e conforme vão falindo vai se concentrando mais ainda, então você pega São Paulo, Rio de Janeiro, Jornal da Tarde, Jornal do Brasil. todos os jornais falindo, e vai concentrando cada vez mais. Isso é altamente perigoso para a democracia, porque fica um pensamento único emburrecedor. Por exemplo, vai pro Rio de Janeiro. O carioca, coitado, é obrigado a ouvir o Merval Pereira de manhã na rádio, depois ler no jornal, depois assistir na TV aberta, depois assistir na TV fechada, ler na revista, e ainda vê na internet. Quer dizer, é uma coisa autoritária. Então acho que o cenário midiático brasileiro é muito ruim, muito ruim. Estão havendo muitas mudanças nessa área, mas, em geral, um processo de concentração maior. Com mais disputa em outras áreas. Disputa em tecnologia de informação, com Google, disputa com teles, mas essas famílias, esses latifundiários estão cada vez mais reduzidos. Acho que a mídia alternativa é entendida em um sentido bastante amplo. Da rádio comunitária, da TV comunitária, à blogosfera, aos sites progressistas, às revistas e jornais, cumpre um papel fundamental que é quase um papel de guerrilha. Tem um exército regular que são esses monopólios e você faz a guerrilha. Isso é fundamental, precisa ser fortalecido. Sou partidário de que floresçam mil flores, que muita gente escreva, que muita gente tenha rádio, muita gente tenha TV nas comunidades, pra que se tenha mais opiniões, pra se criar realmente essa concorrência de informações, de cultura, de entretenimento. Agora, isso é uma guerrilha. São movimentos simultâneos. Tem que fortalecer essa mídia alternativa, mas ela sozinha não resolve o problema comunicacional no Brasil. É preciso quebrar o monopólio. São duas batalhas que precisam ser travadas, é uma lei pela regulação democrática da mídia e uma batalha pelo fortalecimento das mídias alternativas que cumprem um papel fundamental.

Como podemos avançar nesse processo?

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, o FNDC, elaborou um projeto, com 33 artigos, um projeto que no meu entender é muito interessante, ele pega nas questões nodais, nas questões centrais, no sentido de respeitar a Constituição quebrando o monopólio, quebrando propriedade cruzada, garantindo no espectro um espaço para a comunidade, para iniciativas públicas e comunitárias. Esse projeto é uma forma de quebrar com o monopólio da mídia, e por outro lado também fortalece a diversidade e a pluralidade. Acho que hoje a grande batalha é coletar assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. Nós precisamos coletar um milhão e quatrocentas mil assinaturas pra que isso entre direto no Congresso Nacional para ser debatido. E eu acho que esse é o grande desafio da atualidade, como que a gente faz pra esse debate ir pra dentro do Congresso Nacional, que a gente force esse debate no Congresso Nacional. Se depender do governo federal, infelizmente esse debate não vai vir. A presidente Dilma, por n razões, algumas compreensíveis, outras não, decidiu não enfrentar essa batalha. Se depender do Congresso Nacional por si só também não vai sair, até porque muitos parlamentares, deputados e senadores são concessionários, ou com laranjas, ou com familiares, são concessionários, além do que morrem de medo dessa mídia. Porque essa mídia, desrespeitando a Constituição, estabeleceu a presunção da culpa. A Constituição Brasileira fala em presunção da inocência, a mídia trabalha com presunção da culpa. Se ela decidir acabar com a tua vida, ela acaba com a tua vida. Te espinafra. Depois, quando demonstrou-se que não, ela dá uma notinha pra dizer que não, mas aí você já está destruída, sua reputação já foi pro ralo, já foi pro lixo. Então no Congresso não vai rolar, porque há um medo, também. Se não for pressão da sociedade, não sai. E a bola da vez é esse projeto.

Qual o papel da internet nesse sentido?

A internet é uma brecha tecnológica que a gente deve explorar ao máximo. Se os milicos que começaram a desenvolver a internet no Departamento de Estado dos Estados Unidos na Guerra Fria com a União Soviética imaginassem no que ia dar a internet eles não começavam. A internet se generalizou, um papel importantíssimo dos hackers, do compartilhamento, do software livre…e hoje é uma brecha tecnológica que devemos utilizar ao máximo. Inclusive fazendo movimentos pra evitar retrocessos que já estão em curso. Têm vários projetos hoje no mundo, e no Brasil, pra restringir a liberdade na internet, quebrar a chamada neutralidade de rede. Então temos que utilizar ao máximo e evitar retrocessos. E utilizar ao máximo significa, na minha opinião, três coisas: primeiro, fazer com que mais gente produza conteúdo, a internet permite isso, não é unidirecional, é diferente de uma rádio, de uma revista, de um jornal, de uma televisão, que são unidirecionais, você só lê, ouve ou assiste, a internet permite que você produza mais conteúdo, que compartilhe conteúdo, que se relacione. Temos que criar o máximo de páginas, blogs, explorar ao máximo as redes sociais. Um segundo aspecto é aperfeiçoar esses instrumentos. Temos que aperfeiçoar ao máximo, utilizar toda a tecnologia existente, utilizar todo o talento de toda essa molecada que mexe com internet pra que esses instrumentos sejam cada vez mais interativos, que esses instrumentos valorizem as pessoas, deem espaço pras pessoas, então temos que crescer em quantidade e em qualidade, ser multimídia, várias plataformas… e o terceiro grande movimento é criar sinergia entre as pessoas que mexem com a internet no sentido contra-hegemônica. Criar sinergia significa ter ações mais conjuntas, tentar fechar pautas comuns, sabendo que esse mundo virtual é extremamente diversificado. É um esforço de unidade na diversidade, respeitando as opiniões diversificadas que existem. Na internet nós temos muita unidade quando se trata de defender a democratização da comunicação e a liberdade de expressão. O restante não nos unifica. Tudo bem, vamos batalhar por essas duas questões. Quantidade, qualidade e sinergia.

Até que ponto tu achas que os protestos de junho e julho respingaram na credibilidade da grande mídia?

Respingaram muito, tanto é que ela escondeu. Os protestos de rua não gritavam só “sem partido”, contra os partidos. Talvez a palavra de ordem mais gritada no Brasil inteiro tenha sido “fora Globo”, pelo que ela representa. Chegou ao ponto, inclusive, que essas grandes emissoras tiveram que esconder as suas marcas, tiveram que fazer de cima de prédio, de cima de helicóptero, porque a situação lá embaixo estava meio bravinha. As manifestações de junho, os protestos, mostraram uma crise de instituições, entre essas instituições a mídia. A mídia está sendo muito desgastada. Essa semana a Globo resolveu mudar seu estúdio em São Paulo, e por uma razão simples: é que está tendo muito protesto em frente à Globo e na criatividade, na genialidade dessa juventude, inventaram um laserzinho verde que bate na cara do apresentador. Eles vão mudar todo o estúdio da Globo em São Paulo por causa do laserzinho. Ele não machuca ninguém, mas mostra o seguinte: está tendo denúncia. A mídia hegemônica saiu machucada desse episódio. Chego a dizer que o próprio editorial de O Globo, reconhecendo o erro de ter apoiado o Golpe de 64, tem a ver com essa situação.

Como essas mudanças no setor da mídia que vêm ocorrendo na América Latina podem ajudar a que aconteça uma transformação aqui no Brasil?

Eu infelizmente acho que o Brasil é a vanguarda do atraso nesse debate. A América Latina está se mexendo nesse debate. A legislação do Uruguai, muito avançada na questão de rádio difusão comunitária. Pega a Ley de Medios na Argentina, é, segundo o próprio relator da ONU, a legislação mais avançada de mídia no mundo, dividir o espectro – um terço, um terço, um terço –, favorecendo a produção independente. A Venezuela, o Equador. Avançou muito. O Brasil avançou muito pouco. O Brasil é a vanguarda do atraso. É o único que não está se mexendo. Isso tem a ver com a complexidade da sociedade brasileira, tem a ver com o poder da mídia brasileira, que é muito habilidosa, sabe fazer muito jogo. É diferente de uma mídia venezuelana, que é muito amalucada, que já vai logo pra um golpismo escancarado, diferente da Argentina, onde é só um grupo, que é o Clarin. Tem a ver características brasileiras, mas tem a ver também com uma postura de governo, que é uma postura de não enfrentar o debate. O governo tem vários saldos positivos, o governo Lula e o governo Dilma. Tem vários saldos positivos na política externa, na relação democrática com a sociedade, os programas sociais… tem muita coisa boa. Como escreveu agora um livro o João Sicsú, são dez anos que abalaram o Brasil. Agora, tem alguns defeitos, e temos que ser tranquilos pra apontar os defeitos. Um dos defeitos é achar que se faz omelete sem quebrar ovo, sem enfrentar problemas estruturais. E outro defeito é achar que a sociedade não precisa participar, que não precisa mobilizar a sociedade, politizar a sociedade. E politizar a sociedade hoje significa enfrentar o debate de mídia. Isso não foi enfrentado. Por isso eu acho que estamos muito atrasados, muito atrasados mesmo. E isso talvez seja um dos fatores de desespero para o futuro. Eu vou falar o crime sem falar o criminoso. Eu conversei por acaso, encontrei duas semanas antes dos protestos de junho uma autoridade política de São Paulo que me disse o seguinte: “não, a mídia afeta em mais nada”. Aí no decorrer dos protestos de junho eu fui brincar com ele, “não afeta mesmo? Como não afeta, olha o que está fazendo”. Então existe uma ilusão, um pragmatismo muito grande, e isso vai cobrar preço.

Fonte: Jornalismo B.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.