Por Urda Klueger.
Primeiro vamos entender o que significa a palavra “Armação”, já que o litoral brasileiro está cheio de praias que se chamam “Armação”. Armação era um empreendimento industrial português onde se caçava (ou pescava) baleia, lá pelos séculos XVIII e XIX , e onde se aproveitava o óleo e outros sub-produtos desses grandes mamíferos.
O tempo passou, e temos algumas Armações aqui no litoral de Santa Catarina. Quis o destino que eu me aproximasse muito de uma delas, a Armação do Sul, também conhecida como Armação do Pântano do Sul, no sul da Ilha de Santa Catarina. Acabei batendo lá, quase por acaso, devido a pesquisas arqueológicas lá acontecidas anteriormente, na década de 1970, e não larguei mais pé de lá. E queria falar, hoje, justamente sobre a boa gente que habita aquela Armação onde parece que vieram encalhar todos os bichos-grilos do sul do continente americano, além dos eventuais visitantes de outras plagas, como um suíço, um sueco e um casal de espanhóis que estão faz semanas, no camping que freqüento por lá. Pois é, fazendo banana para o estresse, ando dormindo todas as semanas uma noite num paradisíaco camping que tem lá. Durmo sob árvores, a 5 cm da grama do chão, separada das ondas que quebram na praia apenas por uma duna cheia de pés de pitanga, onde, preferencialmente, os europeus montam suas barracas enfiadas sob as pitangueiras, coisa assim que eles nem julgavam mais que existisse no mundo antes de atravessarem o oceano. E, de uma forma geral, a língua que se fala lá naquela Armação encantada é um portunhol que se mistura um pouco com francês e outras coisas, que levam a gente até a conseguir entender algo quando um sueco fala.
Nesta semana, porém, encontrei uma turma que falava o mais legítimo português. Já escurecera, e eu vinha andando descalça pela rua, depois de ter andado dentro do mar para lavar o cansaço do dia, quando me deparo com a turminha, todos de bicicleta: quatro de pé, observando, e dois no chão, quase se matando. Mas era coisa feia mesmo, um dos meninos (teriam 8, 9 anos) estava totalmente rendido, e o outro lhe enfiava pontapé na cabeça, pontapé na coluna, coisa assim que podia acabar até em morte. No meu variado curriculum consta até um breve período como professora, onde aprendi que meninos brigam mesmo, e que nestas brigas costuma dar dente quebrado, etc. Interferi.
– Ei, separem eles, vão acabar se matando!
Os sádicos amigos que acompanhavam a briga na maior imobilidade tiveram que reagir – separaram os dois, seguraram um para cada lado. Ficou aquela conversa assim, totalmente brasileira:
– Tu só bates em quem é menor que tu!
– Quero ver quando meu irmão te pegar!
– Nunca mais que tu vais ver vídeo-game lá em casa!
– Frouxo! Frouxo! Nem pentelho tu tens ainda! – vocês conhecem como meninos se xingam. Tentei chamá-los à razão:
– Aonde é que já se viu, meninos de família, como vocês, rapazes estudiosos, brigando deste jeito! O que aconteceu?
– Estudioso, ele? Ah! Ah! Ah!
Acabei descobrindo, porém. Um dos meninos tinha uma caneta a laser, dessas proibidas, e andara colocando o laser em algum cachorro por ali.
– Foi só na perna! Não tinha perigo de cegar!
E briga de cá e briga de lá, e lá pelas tantas apareceu um baita cachorrão por ali. Cheirou e lambeu os meninos todos, todo o mundo fez carinho nele. Era o tal cachorro que dera origem à briga. Perguntei:
– Ele é amigo de quem de vocês?
Era amigo de todos. Gostavam tanto dele que por causa do cachorro corriam o risco de matarem-se, quando os encontrei. Meninos que gostam tanto de cachorro só podem ser meninos de grande coração. É assim a boa gente da Armação do Sul!
Blumenau, 19 de Março de 2004.