Todas as sondagens pré-eleitorais realizadas por institutos reconhecidos como sérios colocam Lula como o preferido dos eleitores para vencer a próxima eleição em 30 de outubro. Isto é algo que causa uma indisfarçável satisfação em gente que, como eu, gostaria muito de ver a vitória de Lula sacramentada nas urnas.
No entanto, a despeito de todos esses indicadores positivos, não dá para conter a indignação ao constatar que essas mesmas sondagens também atribuem ao candidato bolsonarista um percentual de aceitação que beira à casa dos 45%.
O que poderia explicar que, mesmo após ser submetido a quatro anos daquilo que poderíamos considerar como o governo mais tenebroso já vivenciado por nossa população, um percentual de tal magnitude permaneça disposto a dar ao bolsonarismo o aval para seguir adiante com seu projeto de erosão nacional?
Desde a chegada do bolsonarismo ao comando do país, pudemos observar uma inegável deterioração do nível de vida de nossa população, em especial das maiorias trabalhadoras. Pioramos em termos de escolaridade; retrocedemos em questões de saúde; decaímos em relação à habitação; nossos problemas de desemprego foram agravados; o custo de vida se elevou; etc. Dificilmente, alguém poderia apontar algum aspecto da vida de nosso povo em que tenha havido alguma melhoria a partir de 2018. Tudo, ou quase tudo, piorou, e piorou muito, desde que o bolsonarismo assumiu o poder.
É certo que nem mesmo aqueles que se dispõem a renovar seu voto no atual governante conseguem encontrar explicações coerentes para justificar seu posicionamento. Não é fácil negar que as maiorias populares viviam bem melhor durante os anos em que o país esteve sob os governos do PT, seja com Lula, ou com Dilma.
Porém, apesar disto, o principal argumento que escutamos da boca daqueles que dizem preferir votar no candidato bolsonarista é seu desejo de impedir a volta do PT ao governo. Esta é uma característica generalizada entre os grupos que se propõem a referendar novamente o capitão bolsonarista neste segundo turno. Dentre essas pessoas, encontramos aqueles que colocam o cristianismo, a moralidade e as tradições familiares como os principais itens de sua agenda de vida. Contudo, isto não impede que eles estejam dispostos a sufragar nas urnas um candidato que se confronta inteiramente com tudo o que Jesus demonstrava defender em sua passagem pela humanidade, alguém que serviria muito mais como paradigma de um depravado do que como exemplo de moralidade, uma pessoa que dá mostras de total desapego ao respeito da boa tradição familiar que eles dizem cultivar.
Se Jesus pregava a paz, a concórdia e a solidariedade, o candidato bolsonarista prega o ódio, a guerra e o egoísmo. Mas, dizem eles, tudo bem! Se for para impedir a volta do PT ao governo, está valendo.
O expoente maior do bolsonarismo vem comprovadamente acumulando fortuna por meio de trambiques e falcatruas há mais de 30 anos; ele e sua família acumularam um patrimônio que ultrapassa uma centena de imóveis de elevado padrão, tendo pagado por quase a metade deles em dinheiro vivo; o governo bolsonarista pôs em andamento o conhecido “orçamento secreto”, que é considerado por muitos estudiosos como o maior esquema de corrupção já visto em nossa história; seu comportamento indecoroso, homofóbico, misógino e suas declarações de cunho pedófilo são conhecidas por todos. Mas, se seu adversário é do PT, eles engolem a seco o desgosto e aceitam votar no dito cujo.
Em muitos casos, existe uma evidente contradição entre os interesses materiais concretos de certos grupos de pessoas e o posicionamento que eles assumem. No caso de setores de classe média, este fenômeno pode ser percebido sem grandes dificuldades. Tomemos, para exemplificar, o caso dos profissionais médicos e suas entidades de classe. Muitos deles têm estado na linha de frente da oposição furiosa contra tudo o que se relaciona com o PT. Por que vem sendo assim se as políticas dos governos petistas na área de saúde pública serviram para melhorar as condições socioeconômicas da categoria médica?
A principal justificativa para esta contradição é o profundo ódio que foi inoculado em boa parte de nossa população ao longo de mais de uma década de martelação constante de uma gigantesca campanha dedicada a difundir o antipetismo. Não é preciso ser psicólogo ou psicanalista para compreender a força que o ódio exerce no comportamento dos seres humanos. Quem não conhece exemplos de gente que não titubeou em enfrentar até riscos de morte em função do profundo ódio que nutriam por outras pessoas?
Portanto, é o ódio vertido diuturnamente, de modo constante e abundante, sobre nossa população através dos grandes meios de comunicação (televisão, rádio, jornais, revistas, etc.) o responsável por sedimentar na mente de boa parte de nossa sociedade um sentimento anti-PT tão profundo que leva muita gente a não tomar em conta nem mesmo seus interesses materiais concretos. Aquele painel de fundo com um duto jorrando dinheiro que a rede Globo exibia a cada menção de Lula e do Partido dos Trabalhadores não teve sua influência sobre a formação mental de nossa população limitada ao período de tempo em que as imagens apareceram em cena. Seus efeitos permaneceram, e vão permanecer, por muito mais tempo.
A força do ódio tem a capacidade de incitar os seres humanos a passar por cima de sua própria racionalidade e levá-los a abdicar de interesses lógicos para concentrar-se em seu objetivo de destruir aquilo que é odiado. Não é nada fácil eliminar as consequências maléficas do ódio quando este penetra profundamente na mente humana. O ódio a Lula e ao PT foi produto dessa monstruosa campanha de demonização propalada por nossa mídia corporativa por longos anos.
O fascismo, em suas várias versões (nazismo e bolsonarismo, entre elas) tem no ódio a determinados grupos da sociedade o combustível principal para seu funcionamento. Sem ódio de classe em larga escala, o fascismo brasileiro, ou seja o bolsonarismo, não tem condições de subsistir.
*Economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ