Por Bosco Carvalho.
Com o intuito de oferecer a visão local, publicamos na íntegra a réplica à matéria “Biodiesel é pior que petróleo, afirmam ambientalistas” recebida com o título “O biodiesel brasileiro não é o europeu“.
Artigo publicado em sites da Europa em abril deste ano suscitou manifestação imediata do European Biodiesel Board . Nela, o Secretário Geral do EBB,Rafaello Garofalo afirmou:
“Estamos surpresos com o fato que a T&E (organização Transporte & Ambiente na sigla em inglês) foca em estudos pouco confiáveis, como GLOBIOM, mas ignora o estudo sobre ILUC (Indirect Land Use Change – efeitos indiretos da mudança no uso da terra) feito pela CARB (mesma entidade que revelou o caso de fraude da Volkswagen na medição de emissões de gases em seus veículos), que indicou o biodiesel como o biocombustível com melhor desempenho na redução de Gases de Efeito Estufa. A T&E também ignora estudos destacando o desempenho extremamente ruim de GEE para um hipotético combustível de algas, que eles propõem como substituto ao biodiesel.”
Com o propósito de esclarecer os leitores do site Revista Ecológica, a Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil – APROBIO – traz algumas observações sobre o biodiesel brasileiro e seus impactos econômicos, sociais e ambientais.
As afirmações da organização Transporte & Ambiente (T&E) referem-se a um estudo que modela supostas emissões de GEE indiretas decorrentes da política de biocombustíveis da Europa. Cabe esclarecer aos leitores que as críticas ao biocombustível europeu não se aplicam ao brasileiro, em nenhuma circunstância.
A Transporte & Ambiente sustenta que o biodiesel europeu, por promover o desmatamento para plantar oleaginosas que servem de matéria prima para seu processamento, acaba emitindo mais gás carbônico que os combustíveis fósseis. Tais afirmações são apenas parte de um estudo realizado sob encomenda do Parlamento Europeu.
O estudo parte da premissa que o aumento da demanda de um produto agrícola causa um efeito sobre a demanda por terras cultivadas que só poderia ser estimado por meio de modelagem. Contudo, ela não foi divulgada de forma a ser avaliada por outros pesquisadores e especialistas. O texto também inclui pressupostos, no mínimo, questionáveis.
O relatório indica que a política de biocombustíveis da comunidade europeia aumentaria em 8 milhões de hectares as novas áreas de plantações de Palma, Canola e Soja e apresenta o resultado considerando que a expansão ocorrerá em áreas pantanosas ou de florestas.
Gostaríamos de salientar que o estudo considera, mas a divulgação não, a recuperação de áreas desmatadas como uma estratégia eficiente para reduzir ou até mesmo eliminar as emissões indiretas. Além disso, são apresentados valores únicos de uma variável fortemente influenciada pela produtividade, pela cadeia de suprimento e pelas condições locais específicas, que alteram em muito os resultados.
É importante considerar este aspecto, pois a produtividade não só altera o indicador do ciclo de GEE, mas também possui um impacto econômico que pode dificultar a expansão de novas culturas no Brasil.
Outro ponto não levado em conta é o plantio direto, onde a mesma terra é utilizada para duas safras ou mais. Esta técnica é uma prática recorrente no país e reduz a demanda por terras justificando o aumento da produção agrícola brasileira muito maior do que o aumento da área cultivada.
Estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) indica que o Brasil possuía 7 milhões de hectares de área desmatada antes de 2008 e aptos para a produção de palma. Considerando a elevada produtividade em óleo vegetal da palmeira, é uma área muito maior que a necessária para atender a demanda adicional de biocombustível pela Europa. Toda a expansão da cultura no país segue rigorosos requisitos ambientais e controle por parte das agências de controle e fomento.
Certamente os desafios para a cultura atingir tal patamar, respeitando toda a legislação do país, em especial a ambiental e trabalhista, obtendo também viabilidade econômica são enormes. Ressalta-se que Indonésia e Malásia respondem por mais de 80% da produção mundial do óleo de Palma, conforme Figura 1, em uma área de aproximadamente 13,8 milhões de hectares.
Aqui no Brasil, o biodiesel é produzido basicamente de óleo de soja (73,7%, segundo o Ministério das Minas e Energia), um produto do chamado “complexo soja”, que produz do grão, farelo, óleo de soja e, desde 2005, quando foi criado o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, o óleo combustível renovável. O próprio biodiesel também é, portanto, um produto desta cadeia.
) em 58,5 milhões de hectares, uma extensão que supera, de longe, os territórios da Espanha, ou da Alemanha, da França, da Inglaterra, da Polônia, enfim, dos maiores países da Europa individualmente. É natural que lá o plantio de qualquer cultura agrícola possa demandar alguma parcela de desmatamento. No Brasil não.
Outro ponto colocado no estudo objeto do artigo leva a uma conclusão interessante. Ao ser avaliado sobre uma ótica puramente de redução dos GEE, o relatório chega a mencionar que é melhor manter terras agrícolas inativas na Europa, que sequestrariam carbono pelo crescimento de vegetação rasteira, a reutilizá-la para a plantação de alimentos.
Esta afirmação diverge da lógica econômica do programa europeu de biocombustíveis, que fez a produção agrícola do continente voltar a ser atrativa, gerando matéria-prima para a produção de biodiesel, óleo vegetal, e farelo proteico para a alimentação dos rebanhos.
Tal movimento reduziu a dependência dos países da Europa em relação à importação de farelos e movimentou toda uma cadeia econômica. No fundo, o estudo indica de maneira indireta que é melhor não plantar e aumentar a dependência de alimentos no continente, ainda que isso também gere conversão de terras em outras regiões para a plantação de oleaginosas e fornecimento de farelo proteico ou proteína animal para a Europa.
O biodiesel brasileiro é feito também à base de sebo bovino (gordura animal), atualmente na proporção de 18,9%. Mas a indústria pecuária não abate gado para produzir o biocombustível, que acaba aproveitando o que antes, em boa parte, era um refugo dos frigoríficos.
Estamos falando de muito mais de meio milhão de toneladas de gordura animal, que antes poderiam poluir os solos das áreas de descarte. Apesar do estudo reconhecer que esta também é uma fonte, não se discute tal matéria-prima.
Cerca de 1%, 1,3% para ser exato, do biodiesel processado no país vem de óleo de algodão, planta que também não exige desmatamento para seu plantio, por entrar em sistema de rodízio de culturas, dependendo da região e da época do ano.
Por fim, entre outras fontes que completam os 6% restantes da origem do nosso biodiesel está o óleo de cozinha reutilizado, que responde com algo em torno de 1%. Pode parecer pouco, mas são cerca de 40 milhões de litros de óleo reaproveitado. Segundo a Sabesp, a empresa de tratamento de água do estado de São Paulo, um litro de óleo descartado na pia da cozinha das residências polui em torno de 25 mil litros de água de rios e outros cursos d’água.
A Câmara Setorial de Oleaginosas e Biodiesel do Ministério da Agricultura publicou estudo sobre os impactos ambientais do biocombustível, mostrando que a cada 1% de biodiesel adicionado ao litro do diesel – hoje a lei determina a mistura de 7% -, corresponde ao plantio de 7 milhões de árvores por ano.
Ainda sobre os benefícios ambientais do biocombustível, pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo, apurou uma redução de 11 milhões de toneladas equivalentes de CO2 no período de 2008 a 2010, com o uso mais intensivo de biodiesel. Foi quando a presença do óleo renovável no primo fóssil mais aumentou, passando de 2% para 5% por litro.
Em 2010 a Fundação Getúlio Vargas divulgou estudo mostrando que o biocombustível emite 57% menos gás carbônico que o óleo diesel derivado de petróleo. A consultoria ambiental Delta CO2 também calculou as emissões dos gases de efeito estufa do biodiesel. O trabalho considerou sua distribuição nacional e observou que a redução quando comparado ao diesel europeu fica entre 68% e 72%.
Outra consultoria, a Control Union, concluiu em trabalho realizado em 2015 que a redução do gás em toda a cadeia produtiva do biodiesel supera os 70%, desde o plantio das oleaginosas que servem de matéria prima até a sua combustão nos motores.
Da mesma forma para o cenário de exportação do biocombustível, a redução, entre 68% e 72%, está bem acima do limite mínimo imposto pela Diretiva de Fontes de Energia Renovável da Comunidade Europeia divulgada em 2009, que previa reduzir as emissões em 35% a partir do ano seguinte.
Estes estudos todos estão baseados em metodologias consagradas e mundialmente aceitas, além de conterem informações precisas da cadeia produtiva do Brasil e com os cálculos devidamente explicitados. Os dados qualificam o Brasil como exportador de biodiesel para a Europa, o que já vem acontecendo de forma pontual desde 2013.
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Fonte: Revista Ecológica.