Um Jesus gordo, que fala gírias, abusa de palavrões, gosta de vinho vagabundo e fuma maconha.
Ah, sim, e negro.
“Black Jesus” estreou nos EUA causando barulho. No primeiro episódio, o messias transforma água em conhaque para alegrar a turma que o adotou.
Organizações religiosas já pedem o cancelamento da série. Abaixos assinados pipocam. Os produtores responderam protocolarmente: “Não é nossa intenção ofender qualquer raça ou grupo religioso”.
Todas as entidades reclamam do modo como Cristo é retratado: um beberrão que fuma erva e utiliza o nome de seu pai em vão. Blasfêmia pura. Passeatas foram organizadas e há movimentos organizados de boicote.
Na série, não fica claro que se o protagonista é, de fato, Jesus ou acha que é Jesus. Ele vive num bairro barra pesada em Compton, na Califórnia, e se junta a um bando de desgarrados que passam a segui-lo.
Qualquer coincidência com a Bíblia é mera semelhança. Na Última Ceia, seguindo a tradição judaica, todos foram obrigados a tomar quatro cálices de vinho. No evangelho de Lucas, os fariseus condenam JC e a seus colegas por beber e comer com “coletores de impostos e pecadores”.
No de Mateus, lê-se que ele era acusado de ser “um bêbado e um glutão”. Sua entourage incluía, além dos apóstolos, mulheres como Maria Madalena, Joana e Susana.
“Black Jesus” é uma bomba porque mexe com racismo e religião. Para fanáticos, é fundamental acreditar que a perfeição de Jesus é inapelavelmente divina. E que, se ele era também um homem, era branco.
Há alguns meses uma jornalista da Fox, Megyn Kelly, se sentiu ultrajada com um artigo no site da Slate em que a autora contava como a representação de Papai Noel com um velhinho branco a confundiu na juventude.
Depois de defender Santa Claus, ela cravou que “Jesus era branco, também. Ele era uma figura histórica, isso é um fato verificável”.
Na verdade, há uma corrente de historiadores que acredita que, como JC era um judeu do Oriente Médio de 2 mil anos atrás, ele tinha, provavelmente, compleição escura.
Em 2001, a BBC produziu o documentário “Filho de Deus”, baseado na descoberta, na Palestina, de um crânio do século I. “As representações artísticas ao longo dos séculos têm uma variação total de Jesus e nenhuma é acurada”, disse Mark Goodacre, estudioso do Novo Testamento. “Na linguagem contemporânea, é mais seguro falar de Jesus como um ‘homem de cor’, o que significa cor de ‘azeitona’”.
As primeiras pinturas retratando judeus, que datam do século III, mostram pessoas de pele escura. Com o passar do tempo, surgiu a imagem de JC como um homo europeus. Leonardo da Vinci, Michelangelo e outros consagraram aquela figura atlética, sensual e ariana. Ganharia até olhos azuis. Faz diferença?
Não que o “Black Jesus” seja biblicamente acurado ou tenha qualquer pretensão nesse sentido. Não é e não tem. Só deixa claro que para lidar com a estupidez nem fazendo milagre.
Fonte: Diário do Centro do Mundo.