O ataque das latinhas de cerveja e o menino no teto solar

Por Leonardo Sakamoto.

Fuinhas que defenestram latinhas de cerveja de carros em movimento me deixam possuído pelo capeta. Sim, sou do tipo mala sem alça que para ao lado do meliante a fim de ter um papo reto sobre o ocorrido, seja ele o feliz proprietário de um Fusca ou de uma BMW. O constrangimento, feito com educação, pode ser uma arma poderosa. Alguém vai protestar que isso é mais um passo da minha cruzada pessoal contra o incompreendido homem branco rico paulistano, mas o fato é que o motorista do Fusca não me xingou. O da BMW sim, com palavras de sabedoria. “Anda a pé, otário!”, disse ele, me banhando de alcoólicos perdigotos.

Quando era (mais) moloque, revoltei-me contra um Civic que brotou uma latinha de cerveja vazia na faixa de pedestres da avenida Henrique Schaumann com a rua Teodoro Sampaio. Eu sei que isso não é legal, mas foi mais forte que eu: joguei de volta para dentro do carrão. É claro que não fiquei para discutir a importância do respeito à cidadania nas grandes metrópoles a fim de garantir uma vida de qualidade a todos. Acho que o recado já estava dado e, além do mais, tenho amor à vida. Mas que bom seria se, como o mar, a cidade devolvesse tudo aquilo que o povo, motorizado ou não, joga fora de lugar.

E falando em babaquices motorizadas, outra coisa que me deixa possesso é ver alguém com o corpo para fora de um carro em movimento. Talvez porque já tenha feito uma idiotice parecida, com meus amigos, lá na transição para a maioridade, o que quase me custou a vida. Talvez porque isso seja só idiota mesmo, uma necessidade louca de aparecer e uma incapacidade crônica de pensar o impacto de nossas ações inconsequentes para as pessoas à nossa volta.

Presenciei a cena dantesca, abaixo, na avenida Sumaré:

O filho, empolgadíssimo, com metade do corpo para fora do teto solar, provavelmente apoiado pelo adulto (ir)responsável desceu a avenida sem ser incomodado. Um carro de polícia passou ao lado, olhou e nada fez. Se estivesse sem a cadeirinha obrigatória, teria levado uma multa. Mas como era só um garoto desafiando a Lei de Murphy, achando que era Leonardo Di Caprio, em Titanic, tudo bem.

O pobre motorista do carro em questão, como se vê, não deve ter dinheiro para levar o filho a um parque de diversão. Proponho, portanto, a campanha “Criança (no Teto Solar) Esperança”. Se ele entrar em contato com este blog e aceitar contar sua triste história, prometo dar dois ingressos para o Hopi Hari.

Tanto no caso da latinha, como no do garoto-voador, não me sai da cabeça o fato de que há gente que se sente invencível e dona do mundo quando entra nos seus carros (para quem se lembra, é a dicotomia Mr. Walker e Mr. Driver daquele antológico desenho animado que tem o Pateta como protagonista). Um lugar mágico onde todas as frustrações desaparecem e onde tudo é lindo e possível.

De um lado, campanhas e escolas tentam mostrar que as coisas não são bem assim. Do outro, propagandas reforçam a mensagem para vender mais carro, restando a nós uma vida de cada um por si e o sobrenatural por todos.

Ou como diria a Jeep, em sua bizarra campanha publicitária: “A cidade é uma selva. Seja um predador”.

Fonte: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/12/28/o-ataque-das-latinhas-de-cerveja-e-o-menino-no-teto-solar/

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