Artigo publicado originalmente no Monitor do Oriente.
Na quarta-feira, 02 de junho de 2021, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional aprovou, em sua maioria, um acordo na área de defesa entre Brasil e o apartheid colonial promovido pela entidade sionista nos territórios ocupados em 1948 e 1967. A vergonha teve votação nominal e contou com os posicionamentos expostos a seguir. A Mensagem 371/2019 teve votos a favor do colonialismo e da perda de soberania brasileira ao aceitar a cooperação com uma economia de guerra e, sem pudor algum, de espionar até seus aliados. Foram 27 votos referentes a essa matéria na sessão, dos quais 22 a favor e cinco contrários, além do voto separado e contrário ao acordo por parte do PSOL.
Os seguintes deputados votaram a favor da mensagem originada da visita do presidente Jair Bolsonaro ao Estado de Israel, em março de 2019 (quando o ex-capitão, que por pouco não foi expulso do exército brasileiro por indisciplina, apoiou a transferência da embaixada brasileira para a cidade de Jerusalém, a Al Quds ocupada):
Do PSL, foram Coronel Armando (SC), General Girão (PSL), Luiz P. O. Bragança (SP) e Vitor Hugo (GO). Pelo PP, Claudio Cajado (BA) e Eduardo da Fonte (PE). O PSD aprovou a linha do sionismo com Stefano Aguiar (MG) e Cezinha Madureira (SP). Mais um veio do DEM, com Fernando Coelho (PE). O MDB aprovou com um voto, de Hildo Rocha (MA). Os votos do PSDB foram de Bruna Furlan (SP) e Pedro Vilela (AL). Do Republicanos veio um voto, Márcio Marinho (BA). Do PSC outro, com André Ferreira (PE). Tal e qual o PTB, com Pedro Lucas Fernan (MA). Pelo Patriota, o Pastor Eurico (PE) aprovou. O Podemos aportou com mais um, Roberto de Lucena (SP). Vindo do PROS mais um, Eros Biondini (MG). Reforça a votação da extrema-direita o Novo, com Marcel Van Hattem (RS). Também contribuíram para mais esse absurdo entreguista e anti-árabe os votos de “centro” um pouco mais à esquerda, com os dois do PSB paulista, Jefferson Campos (SP) e Rodrigo Agostinho (SP); além do PDT, com o Subtenente Gonzaga (MG).
Já os votos contrários ao acordo militar com o Apartheid foram cinco. Um veio do PCdoB, com a deputada Perpétua Almeida (AC), que também apresentou voto em separado. Os quatro votos do PT foram contrários também, Arlindo Chinaglia (SP), Henrique Fontana (RS), Odair Cunha (MG) e Paulão (AL). O PSOL se posicionou igualmente contrário à mensagem, mas optou pela obstrução, apresentando voto em separado, através de David Miranda (RJ).
A sessão pode ser assistida de forma completa neste link. É interessante observar a nota publicada pela assessoria de comunicação e imprensa da CREDN, difundindo também o parecer do relator Aroldo Martins (Republicanos-PR). Observa-se a desinformação já no primeiro enunciado:
“…o texto foi alvo de um amplo debate que incluiu os recentes conflitos entre Israel e o Hamas, movimento de resistência islâmica que controla a Faixa de Gaza”. Não aborda a condenação da entidade sionista como promotora do apartheid, atribui todo emprego militar da Operação Espada de Jerusalém apenas ao Hamas (algo que é fato, já que houve uma coordenação conjunta das forças político-militares palestinas) e, menos ainda, cita que o último “conflito” (combate anticolonial absolutamente assimétrico) se deu pela defesa da Esplanada das Mesquitas e de Al-Aqsa além de evitar a limpeza étnica de Sheikh Jarrah, na Jerusalém Oriental ocupada.
E tem mais. O texto acima consta no primeiro parágrafo, assim como no subtítulo ampliado, uma linha de apoio alargada. Técnica clássica de manipulação jornalística, como cada vez mais temos menos tempo de leitura, supostamente a narrativa reforça a desinformação, normalizando a ocupação em dois momentos. Pois, segundo o direito internacional, não existe “uma Jerusalém” e sim no mínimo duas. A cidade era para ser ou internacionalizada ou então ter sua parcela oriental plenamente administrada pelo povo palestino. Não ocorre nada disso e a nota da assessoria da Comissão de Relações Exteriores amplia isso:
“A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados aprovou o Acordo de Cooperação em Questões Relacionadas à Defesa, assinado em Jerusalém, em 31 de março de 2019”. Como o próprio relator coloca, a presença no Brasil da indústria sensível do Estado promotor do apartheid e cuja política expansionista está no seu nascedouro, só faz aumentar.
A estatal israelense Rafael Advanced Defense Systems tem origem nos corpos científico-militares das Forças de “Defesa” de Israel (IDF). Sua presença no Brasil implica em dois escritórios no país (São Paulo e Brasília), e 40% de participação na Gespi Aeronáutica (São José dos Campos). Na metade do ano de 2016, estabelece “joint venture” para segurança cibernética com a empresa brasileira Stefanini.
Com origem na instituição governamental de aviação, ou Bedek Aviação, a Israel Aerospace Industries (IAI) nasce em 1953 e já debuta na Guerra do Sinai, três anos depois. Nos últimos 12 anos investe diretamente no Brasil e conta com um escritório. AIAI do Brasil comprou duas importantes empresas de defesa brasileiras: a IACIT (São José dos Campos) e a Avionics Systems (São Paulo).
Já a Elbit Systems já comprou duas empresas brasileiras de segurança e defesa. A comprou a AEL Sistemas (RS), e, em 2010, a Ares Aeroespacial e Defesa. A relevância desse grupo econômico para as políticas de apartheid e invasão de territórios alheios é fundamental. O reconhecimento se dá desde a área core do inimigo colonialista. Como afirma o governo do estado do Rio Grande do Sul, “A Elbit Systems é uma empresa integrada ao sistema de defesa de Israel, desenvolvendo de maneira vertical – do design inicial à construção e operação – soluções de segurança e vigilância sob medida para o país” . Tal integração vertical já rendeu para o conglomerado privado, mas sob controle compartilhado do Ministério da Defesa da entidade sionista, “já foi alvo de sanções de França, Noruega, Dinamarca e Suécia por envolvimento em violações de direitos humanos”. Como era de se esperar, sobram denúncias de violações de direitos humanos contra a IAI e a Elbit, sendo que esta última faz companhia a Israeli Military Industries (IMI) na lista do BDS .
Por tudo que foi dito pelo relator e consta tanto em matérias de investigação jornalística como nos próprios sites oficias das subsidiárias do capital do apartheid no Brasil, a presença da indústria da morte oriunda de entidade sionista é muito forte no Brasil. É, no mínimo, uma temeridade este tipo de acordo, vindo a ratificar oficialmente aquilo que soa como uma agressão aos mais de 16 milhões de descendentes de árabes vivendo no Brasil.
A mensagem aprovada na CREDN ainda tem de passar pela Comissão de Constituição e Justiça e ir a plenário. Ainda há muita luta para ser travada neste tema e precisamos ampliar as capacidades como grupo de pressão. Que nos sirva de lição a epopeia de nossos países de origem (Palestina, Síria e Líbano) e os avanços da resistência em todos os níveis em defesa da terra e do povo. Denúncias e apoio das forças de esquerda e centro-esquerda são importantes, mas não substituem nossa própria organização. A maior contribuição para aliados e interlocutores é podermos expressar, de forma concreta e contundente, a vontade política da diáspora em defesa da libertação da Palestina. O mais poderoso arsenal de morte dos racistas não poderá derrotar nossa unidade.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
Bruno Beaklini (Bruno Lima Rocha Beaklini) é cientista político e professor de relações internacionais de origem árabe-brasileira, editor dos canais do Estratégia & Aná[email protected] | facebook.com/blimarocha
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