Por Rita Coitinho, para Desacato.info.
Após os ataques à Síria, os presidentes dos EUA, Donaldo Trump e da França, Emmanuel Macron, articulam um discurso comum em relação ao acordo nuclear assinado pelo Irã, em 2015, junto aos EUA, França, Reino Unido, Alemanha, Rússia e China. Como se sabe, apesar de o Irã declarar que seu programa nuclear tem fins pacíficos, os EUA e seus aliados acusavam Teerã de ter o objetivo de fabricar armas nucleares e impunham sanções sistemáticas ao país com o objetivo de forçá-lo a interromper o programa. Com o acordo de 2015, o Irã aceitou tomar medidas de regulação do programa em troca da suspensão das sanções, que vinham prejudicando sua economia.
Trump tem criticado o acordo nuclear com o Irã e anuncia que vai deixá-lo nos próximos dias. Todos os movimentos da política externa estadunidense até aqui mostram que o bloco neoconservador que a conduz articula uma nova escalada das tensões com o Irã, donde os recentes ataques à Síria cumprem um papel central. A embaixadora estadunidense na ONU, Nikki Haley, não tem poupado palavras ameaçadoras à nação persa. Haley, que é filiada ao Partido Republicano e já foi governadora da Carolina do Sul, é um quadro da corrente ultraconservadora Tea Party. Sua atuação nas Nações Unidas tem sido marcada por sistemáticas provocações aos adversários dos EUA. Particularmente em relação à Síria e ao Irã, Nikki Haley não esconde as pretensões dos EUA, porém sua performance pouco diplomática não é do interesse da falsimidía, demonstrando, uma vez mais, que as notícias sobre política internacional precisam ser lidas com lupa. Tal como Haley, o novo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, ex-diretor da CIA, conhecido adepto das teses dos neocons e, diz-se, de métodos pouco usuais para solução de controvérsias, é um entusiasta de uma ação ofensiva em relação ao Irã.
A novidade neste cenário parece ser, portanto, a posição francesa. Embora Macron busque diferenciar-se de Trump em relação à retórica deste frente aos acordos climáticos, tem conduzido a França a uma situação de alinhamento militar com os EUA que vai um pouco além do que já vinha ocorrendo sob Hollande – que já adotara uma postura ameaçadora em relação à Síria. Na visita que fez a Trump na semana passada, Macron admitiu a revisão dos termos dos acordos com o Irã, mesmo sabendo que a ruptura do acordo pode levar a uma escalada das tensões. Poucas semanas antes, a França apoiou os bombardeios à Síria, ainda que não tenha enviado aviões seus nem encerrado os canais de diálogo com a Rússia – como já fizera o Reino Unido desde o episódio do espião envenenado.
É preciso acompanhar de perto os desdobramentos das declarações recentes para se ter uma interpretação completa das motivações da posição francesa. Mas a resposta parece residir, principalmente, nas corporações que dominam a política do país europeu, com amplos interesses no Oriente Médio e na África, em suas dificuldades em manter-se na liderança do bloco europeu – claramente liderado, hoje em dia, pela Alemanha – e nos vínculos que remontam à formatação da Comissão Trilateral, em 1973.
Como monstram Sist e Iriarte, em um excelente artigo que consta no livro organizado por Noam Chomsky, Theotônio dos Santos e Hugo Assman (A trilateral: nova fase do capitalismo mundial), o primeiro impulsionador da Comissão “foi David Rockfeller, presidente do Chase Manhattan Bank e representante de uma das mais fabulosas fortunas do mundo. A comissão atualmente inclui os principais empresários, banqueiros e políticos dos três blocos econômicos mais importantes do mundo capitalista: EUA, Europa Ocidental e Japão. O seu principal objetivo é elaborar uma estratégia político-econômica comum para os três blocos (…)” (SIST & IRIARTE, 1978, página 171). Conforme os autores, reuniam-se na comissão os presidentes dos maiores bancos do mundo e conselheiros dos presidentes, inclusive do presidente dos EUA, Jimmy Carter. Dentre seus teóricos mais influentes, estava Brzezinsky, o mesmo que concebeu a estratégia de cerco e desestabilização da URSS dos anos 1980. A comissão trilateral não existe mais – ao menos não se houve mais falar dela. Porém o discurso ideológico de um mundo “interdependente”, “globalizado”, “sem fronteiras” – onde o modelo econômico neoliberal é a regra a ser imposta às periferias – permanece, bem com a articulação permanente entre as corporações financeiras e governos dos países centrais que hoje vemos reunir-se em Davos.
A articulação interimperialista é, portanto, uma realidade que não pode ser ignorada quando se olha para os movimentos dos EUA, da França, do Reino Unido e demais “aliados” – não casualmente, todos membros da OTAN. Se em alguns momentos seus interesses se mostram divergentes, em regra têm estado articulados em todos os momentos de escalada das tensões no Oriente Médio, na Eurásia e na África, espaços onde dividem interesses e poder – na América Latina é um pouco diferente, visto que é área exclusiva dos interesses dos EUA. No momento atual, as atenções estão voltadas para o Irã, único país de peso na região do Oriente Médio que tem condições de fazer frente aos interesses do bloco imperialista e recusa-se a aderir aos receituários das organizações internacionais, uma vez que a Síria, imersa na guerra, já parece estar sem condições de reação e a Líbia, outrora um importante ator na política regional, está completamente destruída – pela ação dos “aliados” da OTAN. Certamente, nos próximos meses, muito se ouvirá falar na mídia corporativa das “armas de destruição em massa” iranianas. Já vimos este filme antes, sob a direção dos neocons de Bush… e pelo visto não se darão nem ao trabalho de atualizar o roteiro.
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Rita Coitinho é socióloga, Dra. em Geografia e membro do Conselho Consultivo do Cebrapaz.