Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Este texto já foi publicado com outro título, mas achei importante fazer uma releitura ampliando a discussão para os/as leitores/as do Portal Desacato, dada a importância que esta temática comporta nestes tempos em que a mídia empresarial idiotiza a sociedade esvaziando as consciências sociais e a possibilidade de sensibilização coletiva imprimindo a ideia de que o agro é pop e que ele é tudo.
Patrocinada pelos empresários da agroindústria e por outras esferas comerciais conservadoras, ao longo dos últimos anos, a mídia hegemônica vendeu e vende a imagem positiva do agronegócio e da agropecuária interferindo diretamente nos imaginários sociais acerca da noção de que sem eles é impossível alimentar a população brasileira. Através desta lógica, implanta perspectivas analíticas sociais parciais e fragmentadas sobre o real papel desempenhado pelos grandes empresários do ramo agropecuário e do agronegócio, impedindo posicionamentos críticos no que concerne aos estragos ambientais que estas atividades têm causado em todo o país.
Diante dos esvaziamentos projetados pela mídia tradicional irresponsável, os/as brasileiros/as não conseguem compreender que para alargar as fronteiras agrícolas, a produção de alimentos em nosso país seguiu uma linha predatória de exploração dos ecossistemas e da biodiversidade. Tudo isso ancorada em vertentes clássicas econômicas sem levar em consideração o bem estar das gerações presentes e futuras, a partir de uma via de insustentabilidades que descamba em insegurança alimentar, infertilidade dos solos, uso indiscriminado de inseticidas, pesticidas e fertilizantes, desmatamentos, extermínio de animais endêmicos, enriquecimento de poucos e empobrecimento da maioria, em especial, das comunidades no entorno das produções nos latifúndios da exclusão e da exploração da terra.
As concepções, modos de operação e lógicas em torno da agricultura e da agropecuária na atualidade, infelizmente, sustentam-se em perspectivas cartesianas de exploração sem preocupação com o meio ambiente, ainda que muitos tentem vender a imagem de agricultores verdes para milhões de stakeholders por meio dos diversos meios de comunicação a serviço dos capitalistas dizimadores da vida.
Pensando nestas questões, há algum tempo, estudo as temáticas ligadas às pegadas ecológicas e, hoje, em especial, retomarei discussões sobre a necessidade de congelar essas pegadas no âmbito da agricultura, a partir das reflexões de Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams, no livro “Capital Natural, como as empresas e a sociedade podem prosperar ao investir no meio ambiente”. Para aprofundar o tema, além do livro citado na introdução, recorrerei a mais duas obras para trazer luz à questão, dado que, por sua complexidade e importância, demanda análise em vertentes amplas, “Comendo o Planeta, impactos ambientais da criação e consumo de animais” e “Canibais com garfo e faca”.
Ao valer-me da obra “Comendo o Planeta, impactos ambientais da criação e consumo de animais”, o faço para uma historicidade em relação ao objeto aqui em análise, a agricultura. Nesse livro, as autoras pontuam o seguinte: “há aproximadamente 10 mil anos, no final da última era glacial, o planeta tinha cerca de dois milhões de pessoas vivendo, predominantemente, da caça e da coleta de uma grande diversidade de plantas. Até essa época, nossos ancestrais viviam e se deslocavam em pequenos grupos cuja densidade permaneceu baixa por centenas de milênios. Foi nesse período, no entanto, que aprendemos a cultivar algumas espécies de plantas e a domesticar animais em regiões com condições climáticas favoráveis. Iniciava-se aí o processo de produção de alimentos que transformaria nossa história. O fim da necessidade de locomoção constante em busca de alimento permitiu a expansão de nossa população ancestral. Mais pessoas passaram a viver numa determinada área, as práticas agrícolas se difundiram, o número de vilarejos cresceu, as sociedades se tornaram progressivamente mais complexas. Hoje, praticamente 40% da superfície da Terra são usados na agricultura. Embora em seus primórdios a agricultura tenha restringido a dieta humana a poucos cultivos, a revolução agrícola subsequente permitiu ao homem ocupar praticamente todos os ambientes terrestres, já que, com a possibilidade de estocar alimentos, nos tornamos mais resistentes às intempéries e às variações ambientais.”.
Em “Canibais com garfo e faca”, de John Elkington, são apresentadas as ideias centrais, a saber, que também são importantes para aprofundar conhecimentos sobre as consequências e déficits ambientais provocados por uma agricultura extensiva e intensiva com o uso descontrolado de elementos químicos nocivos ao meio ambiente: a pauta da sustentabilidade engloba um resultado final triplo com foco no crescimento econômico, na qualidade do meio ambiente e, em especial, na justiça social plena; o campo financeiro, ou seja, dos negócios, cada vez mais, impulsionará e movimentará a agenda de produção sustentável como resposta às empirias negativas e tristes, em decorrência de modos insustentáveis de produção, para práticas sustentáveis sempre partindo do pressuposto de que a sustentabilidade além de todo o bem que faz ao planeta, traz oportunidades comerciais; o resultado positivo, em algum ou mais aspectos do tripé, não basta para assegurar a sustentabilidade ao longo de anos e, por isso, há a necessidade de práticas e abordagens sustentáveis e, por fim e como critério mais importante, deve haver o envolvimento e o comprometimento dos elementos principais na transformação do planeta, os atores sociais envolvidos em todo o processo, pois eles são fundamentais para que as organizações detectem potenciais riscos e oportunidades sociais, econômicas e ambientais no exercício das atividades na matriz de produção.
Cynthia Schuck e Raquel Ribeiro, no livro “Comendo o planeta”, para explicarem algumas causas geradoras de crises ambientais, utilizam-se do documento “Food and Agriculture Organization, Statistics Division (FAOSTAT). 2013. Live stock Primary data.” para afirmarem algo importantíssimo que serve para que repensemos nossa arquitetura mental de produzir alimentos.
Segundo as referidas autoras, “a crise ambiental em que vivemos é, no entanto, profundamente ampliada por nossos hábitos de consumo, principalmente, os alimentares. Somos sete bilhões de seres humanos, mas, todos os anos, criamos e abatemos mais de setenta bilhões de animais terrestres e uma quantidade muito maior de animais aquáticos para nosso consumo. Somente no Brasil, são quase seis bilhões de animais terrestres abatidos por ano. Cada um desses animais precisa de determinada quantidade de terra, água, alimento e energia, produz quantidade expressiva de dejetos e emite, direta e indiretamente, poluentes que serão dispersados pelo solo, ar e água.”.
Feitas as observações acima, a partir desta parte, serão apresentadas questões pontuais sobre as pegadas na agricultura e, acerca dessa atividade, Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams colocam o seguinte: “um recurso que está escasseando são as terras cultiváveis. A experiência brasileira de obter uma produção maior em terras cultiváveis existentes pode nos dar uma ideia do futuro. Com uma agricultura mais eficiente e geograficamente menos extensiva, o Brasil está conseguindo produzir mais com menos. Assim, demonstra como a ciência, a inovação e a parceria têm condições de criar um sistema mais inteligente de alimentação mundial.”.
Infelizmente, alguns anos já se passaram desde a escrita de “Capital Natural”, ainda que não seja um livro antigo e, no que tange à citação acima, ainda que concorde com o fato de que uma agricultura menos extensiva e tecnologia ambiental começaram a se concretizar no Brasil, na prática, isso não tem se efetivado, pois o desmatamento de áreas naturais segue em ritmo acelerado no país com a criação de novas fronteiras agrícolas. Claro que o Brasil avançou em muitos aspectos na agricultura, mas, de forma insustentável, em muitas partes do território, todavia, existem práticas e ações que inviabilizam a resiliência das terras, seja pelo desmatamento, seja pelo próprio uso sem controle da terra. Nesse sentido, também não se pode esquecer que no Brasil, em algumas regiões, terras indígenas são violadas com o assassinato de povos indígenas em Mato Grosso do Sul, Amazônia e em outras partes do país. Diante dessa realidade, pode-se afirmar que uma agricultura que se constrói a partir da morte não pode ser e nunca será sustentável.
Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams continuam a discussão no subcapítulo “Congelar as pegadas da agricultura”, do livro “Capital Natural”, mostrando que frear esse processo é viável, afirmando que uma nova agricultura que não deixe tantas pegadas envolve produzir mais em menos terras, usar menos água e uma quantidade menor de produtos químicos. Segundo eles, os agricultores não podem usar mais terras para produzir porque não há terra de sobra, que fazendas e plantações ocupam quase 40 por cento da superfície do planeta e quase todos os terrenos que são adequados à agricultura. Os 60% restantes estão ou em lugares que não podem ser cultivados, como a Amazônia e Yellowstone, ou em lugares que não servem para o cultivo, como Mollicy Bayou, o Saara, os Andes ou Paris. Também não está sobrando água e a agricultura, principalmente, por meio da irrigação, responde por 70 por cento do consumo mundial de água. O problema é ainda mais grave, pois a agricultura não consome somente a água, mas, também, e principalmente, é vetor de poluição com a utilização de fertilizantes, herbicidas e pesticidas.
Por conta desses fatores, Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams acreditam que a agricultura tem que congelar sua pegada e duplicar a produção de alimentos em terras que já existem com o uso da água e de outros recursos naturais de forma eficaz e eficiente. Para explicarem como isso seria possível, recorrem a Jonathan Foley, um importante conhecedor do tema, da universidade de Minnesota, que diz que é preciso e necessário impulsionar a produtividade nas grandes e pequenas fazendas.
No que concerne à opção apresentada por Jonathan Foley, por tudo que demonstram Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams, fica evidente que impulsionar a produtividade não significa expandir a área de plantio, mas melhorar a produtividade. Esse fator é imprescindível para a preservação de nossas áreas vegetais naturais, ou seja, para a manutenção de nossos ecossistemas e, ao mesmo tempo, ponto crucial para alimentar a população mundial, que cresce de forma exponencial e demanda cada vez mais alimentos.
Em meio à preocupação por combater a agricultura extensiva, com a ampliação das fronteiras agrícolas, também é preciso ter muito cuidado com a agricultura do tipo intensiva, para não se cair no equívoco de que impulsionar a produtividade seria produzir de qualquer jeito. No tocante a esse quesito, Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams chamam a atenção para o fato de que a agricultura intensiva envolve mais fertilizantes químicos e água, portanto, equilibrar custos e benefícios em várias escalas é urgente e importante. Ainda conforme informam os pesquisadores acima, intensificar a agricultura em um local para que outro seja poupado tende a dividir a terra em duas porções, fazendas aqui, florestas ali e isso dá certo, especialmente, em áreas sensíveis onde a produtividade agrícola incentiva a conversão de habitats em terras de cultivo. Nesse caso, a solução mais simples talvez seja a melhor, proteger áreas próximas das fronteiras agrícolas.
Conforme Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams, uma alternativa à agricultura intensiva é uma cultura que respeite os animais domésticos e selvagens. Essas táticas, que são conhecidas por vários nomes, como cultura favorável à vida silvestre e agrossilvicultura, costumam seguir os mesmos princípios: reduzir a agricultura intensiva limitando a limpeza e a arada do terreno, manter manchas de vegetação nativa espalhadas pela paisagem e usar menos fertilizantes para que as espécies nativas sobrevivam.
Essas são algumas das alternativas apresentadas por Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams para o congelamento das pegadas na agricultura, mas nós sabemos que para soluções nesse campo, as discussões precisam ser feitas em esferas políticas, econômicas e ecológicas e nisso reside o grande entrave, pois, infelizmente, nas vertentes políticas e econômicas, quase sempre, quem está no poder é inescrupuloso, irresponsável ambientalmente e financia a mídia que informa no país. No caso do Brasil, com bancadas conservadoras como as do Boi, da Bíblia e da Bala, frente às ânsias da maior parte das casas legislativas e do executivo pela exploração não somente da terra, mas da própria existência do ser humano, mudar esse quadro é quase que impossível diante de uma sociedade idiotizada pela mídia tradicional comercial golpista. A mass media, desde os primeiros momentos da TV e do Rádio, implantou um projeto de lavagem das consciências e, partindo-se do pressuposto de que a maior parte da sociedade brasileira só se informa por meio da mídia comercial filha e gestora da ditadura, a mudança se transforma em sonho distante.
Sinceramente e honestamente, gostaria de pensar como Lipovetsky em Sociedade da decepção e A era do vazio, de que a necessidade de mudança fará com que o homem acorde para o mal que alimenta e retroalimenta nesse grande jogo de exploração da terra e da vida em todos os âmbitos, mas, diferente do filósofo da esperança, abraço, ainda que sem querer, o pessimismo de Schopenhauer, partindo da ideia de que o bicho homem, a cada nascer de sol, só se revela cada vez mais comprometido com o aqui e com o agora, com o gozo individual presente, afundado no egoísmo absoluto, sem tempo para pensar a sustentabilidade e outra lógica de relação com a Terra.
Por fim, é importante iterar que o agro não é pop, nem é tudo – é um canibal de ecossistemas e ao refletir sobre o que o homem tem feito com a Terra, a partir da agricultura e pecuária da morte, além de outras atividades daninhas para o Planeta, retomo algumas leituras em torno da “Vingança de Gaia”, de James Lovelock, e tento imaginar quais serão as respostas da grande Mãe Terra, além das que já estão sendo dadas ao longo de anos, para tantos séculos de exploração e abuso em nossa Casa Comum.
Referências para a construção do texto
Arthur Schopenhauer
Capital Natural, como as empresas e a sociedade podem prosperar ao investir no meio ambiente, de Mark R. Tercek e Jonathans S. Adams
Comendo o Planeta, impactos ambientais da criação e consumo de animais, de Cynthia Schuck e Raquel Ribeiro
Canibais com garfo e faca, de John Elkington
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Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.