Por Cícero Pedrosa Neto, para Amazônia Real.
Novo Progresso (PA) – Com duas mochilas nas mãos, a dona de casa Maria Margareth Silva, de 67 anos, e eleitora de Jair Bolsonaro (PL), aguardava a hora da partida na rodoviária de Novo Progresso. Era 3 de setembro, por volta das 9 horas, mas poucos seriam capazes de adivinhar o horário apenas pela luz do dia. Sufocado por uma densa névoa de fumaça e fuligem, resultado da poluição das queimadas nas florestas do seu entorno desde os primeiros dias de agosto, este município do sudoeste do Pará vive dias que parecem noites. A grossa camada de materiais particulados e gases tóxicos torna o ar irrespirável. Ao conversar com a reportagem da Amazônia Real, Maria Margareth não escondia o drama que vivia e mal podia falar: tossia repetidamente.
“Vou passar uns dias na casa de uns parentes em Uruará para fugir da fumaça”, disse. A dona de casa decidiu se deslocar para a cidade vizinha para fugir da atmosfera infernal porque, ao contrário da maioria dos moradores de Novo Progresso, não consegue conviver com o forte cheiro de queimado que empesteia o ar. Depois de tantos anos, a população já naturalizou o que não deveria ser natural em lugar algum do planeta.
Novo Progresso é um dos municípios líderes em focos de incêndios, de desmatamento e de apoio ao presidente da República – que incita seus apoiadores a avançarem ainda mais sobre os recursos naturais da floresta da Amazônia já fortemente desvatados.
“E as crianças? Tudo com falta de ar, a mãe botando no aerossol. Os olhos da gente fica ardendo todo tempo. Tem gente que se acostuma, eu não aguento”, prossegue Maria Margareth. É desesperador ver a rodoviária imersa na fumaça e na fuligem resultante da queima da mata que cerca a cidade. Ao menos para a aposentada, aquela cena ficaria para trás assim que embarcasse no ônibus. Ela não sabe em quantos dias retornará a Novo Progresso. Só as chuvas dirão. “Chega nessa época do ano é desse jeito. A gente não consegue nem ver o céu. O Sol é só aquela tocha vermelha… A gente respira com o ar apertado. Enquanto não vier a chuva vai ser assim”, diz ela, referindo-se à expectativa do início da estação chuvosa, conhecida regionalmente como “inverno amazônico”, que normalmente inicia em novembro.
Novo Progresso é o quadro definitivo do Brasil pintado por Bolsonaro para a Amazônia: um rastro infernal de destruição, árvores esturricadas, animais incinerados e rios apodrecidos em nome da agropecuária, do garimpo ilegal e do modelo econômico neocolonial de desenvolvimento, retomado pelo presidente e herança dos militares na ditadura.
Na cidade, não se vêem bandeiras de presidenciáveis flamulando que não sejam as de apoio a Bolsonaro – quase sempre acompanhada da bandeira brasileira. O pavilhão nacional, usurpado pelo ultranacionalismo evocado pelo presidente, também é facilmente avistado, entre a fumaça, à frente das propriedades rurais que margeiam a BR-163 e suas vicinais.
O município de Novo Progresso é, atualmente, o décimo que mais emite gases de efeito estufa no Brasil. São cerca de 580 toneladas de CO2 por habitante ao ano, segundo dados da rede Observatório do Clima. Isso representa mais de 80 vezes acima da média da população mundial, que gira em torno de 7 toneladas ao ano por habitante. “É como se cada morador de Novo Progresso tivesse mais de 500 carros rodando 20 quilômetros por dia com gasolina”, comparam os pesquisadores do Observatório.
Fumaça da Amazônia
Segundo os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de janeiro até 18 de setembro deste ano foram registrados ?24.034 focos de queimadas no estado do Pará, superando as marcas de 2020, com 23.507 focos, e de 2019, com 15.776 focos.
Tomada pelas chamas nesta época do ano, Novo Progresso é uma das cidades responsáveis por exportar a fumaça tóxica das queimadas da Amazônia para as regiões Sudeste e Sul do País, já poluídas por serem as mais industrializadas. Os moradores costumam dizer que na cidade há duas estações no ano: a da chuva e a do fogo.
A cidade ficou mundialmente conhecida por conta do “dia do fogo”, um movimento incendiário e criminoso, orquestrado via Whatsapp, em 10 de agosto de 2019. Os autores (fazendeiros e grileiros, na maioria) queriam chamar a atenção do hoje candidato à reeleição presidencial Jair Bolsonaro para pedir o fim das fiscalizações do Ibama na cidade e nas Unidades de Conservação que estão inscritas sobre o seu território. Naquele dia e no dia seguinte (11), eles atearam fogo em uma vasta área de floresta no entorno da BR-163, estendendo-se por municípios vizinhos. Naquele curto período, o Inpe registrou 1.457 focos de queimadas no Pará. Este ano, já se fala em um novo “dia do fogo” no Pará, ocorrido no dia 22 de agosto, quando os focos de queimada explodiram e chegaram a 2.238, segundo o Inpe.
Mas a verdade é que 2022, último ano de Bolsonaro na presidência da República – caso não seja reeleito –, estará marcado na história por seus recordes históricos de desmatamento e queimadas, apontando para o que os cientistas ouvidos pela Amazônia Real definiram como “pressa” e “desespero”.
Somente entre o primeiro dia de agosto até o dia de hoje (20), os satélites do Inpe registraram 1752 focos de queimadas em Novo Progresso, perdendo apenas para Altamira que superou 2300 focos no mesmo período. O Pará encabeça a fila dos estados onde o fogo imperou este ano. Entre o início de janeiro até hoje, o estado registrou cerca de 12.975 focos de queimadas, destes 10.380 ocorreram apenas entre primeiro de agosto até hoje.
“Dez de agosto passou a ser o dia do fogo em Novo Progresso. É quando todo mundo começa a queimar, e assim vai até começar a vir a chuva. Se não chover, é só fogo. Um espera o outro. Basta só um começar a queimar, que vem outro e outro, e quando tu vai ver tá igual o inferno isso aqui”, afirma uma das fontes ouvidas na cidade pela Amazônia Real, entre os dias 1º e 4 de setembro deste ano.
Moradora há 40 anos, essa fonte, que terá seu nome preservado a pedido, viu Novo Progresso crescer e chegar a um dos maiores entrepostos comerciais localizados ao longo da BR-163, que liga Santarém (PA) e Cuiabá, capital de Mato Grosso. Atualmente, sob concessão de uma empresa privada, circulam diariamente na rodovia cerca de 2.500 carretas carregadas com toneladas de soja, milho, boi e outras commodities.
Percorrer a rodovia nesta época do ano é, antes de tudo, vencer a densa barreira de fumaça, ser intoxicado por ela; ver ipês amarelos, castanheiras e samaumeiras esturricadas ou resistindo ao fogo que vem de todos os lados. É também vivenciar o mau presságio de que aquilo tudo que de verde ainda resiste será uma hora ou outra consumido por chamas.
“O cara sabe que está lidando com uma força da natureza. Ele prefere contar com a sorte e tocar fogo em tudo, correndo o risco até de incendiar a sede da fazenda deles, como já aconteceu aqui”, conta outra fonte ouvida sob sigilo pela reportagem.
Enquanto esteve na cidade, a reportagem flagrou o avanço do fogo sobre os limites da TI do povo Kayapó, nas proximidades da aldeia Kamau. “Todo ano a gente reúne os guerreiros para empatar do fogo entrar (combater) no nosso território. É difícil, a gente tenta conversar com os fazendeiros, mas eles não escutam. Olha aí como ficou”, conta Bepdjyre Kayapó, liderança da aldeia Kamau, apontando para a área queimada que invadiu a fronteira do território indígena. No local, nem a placa da Fundação Nacional do Índio (Funai) que assinala o início da TI escapou do fogo.
“A questão é que eles não têm estrutura para controlar até onde o fogo vai queimar. Aí acaba entrando na TI, obrigando os indígenas a ficarem de prontidão nesta época do ano, esperando sempre pelo pior”, diz outra fonte ouvida pela reportagem. Há vários anos, a TI Baú, a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim e o Parque Nacional (Parna) do Rio Novo, todos com áreas que se sobrepõem ao território do município, sofrem com o avanço sistemático de grileiros, madeireiros e garimpeiros.
Sobre os 38 mil quilômetros de área do município, a imensa nuvem de fumaça toma conta das ruas, das casas, das escolas, dos hospitais e não há um lugar onde se possa estar a salvo. Mesmo em ambientes fechados, o ar condicionado sopra fumaça condensada. As pessoas evitam vestir branco para não correr o risco de aparar os restos de mata carbonizada que caem suavemente e tingem como carvão. E essa mesma fuligem atormenta as famílias que, diariamente, precisam limpar suas casas e vigiar as roupas no varal.
O ar quente e irrespirável, tomado de gás carbônico (CO2), resultante das queimadas, atinge imediatamente a garganta, a traquéia e os pulmões. A tosse e o cansaço respiratório já começam a ser sentidos nas primeiras horas de estadia na cidade. É difícil não pensar nos recém-nascidos, nas crianças e nos idosos, que têm de conviver com essa atmosfera, ano após ano.
“Clima de desespero”
De janeiro até 18 de setembro desde ano, o município de Novo Progresso, que é cercado de terras indígenas e unidades de conservação, registrou um total de 3.083 focos de queimadas, segundo o Inpe. “Parece que todo mundo resolveu queimar no final de agosto, início de setembro. Eu acho que as pessoas estão com medo e indo com tudo pra cima da floresta sem levar em consideração o dia de amanhã, ou com medo do dia de amanhã”, afirma a pesquisadora Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e uma das maiores especialistas quando o assunto é o fogo e seu poder de destruição das florestas. ”Isso pode ser um reflexo do processo eleitoral que a gente está vivendo”, diz, referindo-se ao clima desfavorável para Bolsonaro nas eleições deste ano.
De acordo com a última pesquisa realizada pelo Datafolha, Bolsonaro aparece em segundo lugar com 32% das intenções de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 45%. A possibilidade de uma vitória do petista pode ter gerado “um certo desespero”, nas palavras do professor e pesquisador Alfredo Wagner Berno de Almeida, coordenador do grupo de pesquisa Nova Cartografia Social da Amazônia, vinculado à Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Antropólogo com mais de 50 anos de pesquisas na região amazônica, com foco em comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas, Wagner explica que as motivações que desencadearam o “dia do fogo” de 2019 se alteraram neste ano.
“O triunfalismo do agronegócio, entusiasmado com o Bolsonaro de 2019, foi substituído pelo desespero de fazer tudo rápido e no máximo de extensão possível, face às perspectivas de derrota dele nas urnas”, explica o antropólogo. Mas outro fator, por ele apontado, ajuda a compreender por que Novo Progresso defende tanto a permanência do atual presidente no cargo.
Novo Progresso está localizada numa posição estratégica do mapa. É uma cidade polo para o fluxo de transporte de cargas que circulam na BR-163 – um dos maiores corredores logísticos do país – diariamente e de forma ininterrupta, vindos de Santarém e do porto de Miritituba, na cidade de Itaituba. Ela está incluída no traçado do gigantesco projeto de transportes do país, a Ferrogrão. A ferrovia de 933 quilômetros, que ainda não saiu do papel, é vendida como uma solução para potencializar o escoamento da produção do agronegócio, ligando a cidade de Sinop, no Mato Grosso, ao epicentro da produção de soja e milho, em Itaituba, no Pará, às margens do Rio Tapajós.
“O cenário também mudou e tende a uma sofisticação industrial para atender o corredor logístico do Tapajós, que igualmente demanda a expansão de áreas, sem esquecer do garimpo”, afirma Alfredo Wagner Berno de Almeida.
Curral eleitoral
(Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Candidato à reeleição pelo Partido Liberal (PL), Bolsonaro obteve quase 80% dos votos válidos no segundo turno em 2018 contra seu adversário Fernando Haddad (PT). E tudo indica que deve repetir a vantagem sobre seus adversários em Novo Progresso. No inferno de Bolsonaro, ele é onipresente. É possível ouvir sua voz nas esquinas, oficinas e feiras, em vídeos recebidos pelo WhatsApp e descarregados em sinais de Wi-Fi de estabelecimentos privados – já que é precário o serviço de telefonia na região. A senha do Wi-Fi? Em mais de um dos casos, “Bolsonaro 2022”.
Por causa das queimadas dos últimos 40 dias, postes e cabeamentos de fibra óptica responsáveis por transmitir o sinal de internet ao município de quase 26 mil habitantes foram atingidos. Novo Progresso vivia o drama de um isolamento comunicacional forçado, enquanto a reportagem esteve por lá.
A falta de conexão com a internet projetava a imagem de uma espécie de mundo invertido para Novo Progresso, como se não tivesse ocorrido no Brasil pandemia, crise econômica ou ataques ao processo eleitoral. O rosto de Bolsonaro está estampado em todos os cantos.
Em alguns casos, a imagem do presidente foi fundida à logomarca dos comércios locais, autopeças, postos de combustíveis, bares e restaurantes. Seu rosto também está nos veículos 4×4 e SUVs que circulam em alta velocidade nas ruas levantando poeira e deixando o ar ainda mais irrespirável.
O delírio bolsonarista
(Foto: Thais Borges/The Intercept Brasil)
Mesmo com dezenas de cientistas, satélites e consequências visíveis atestando que Novo Progresso é um dos maiores símbolos da devastação da Amazônia, impera na cidade a ideia de que os dados não passam de “narrativas”. Foi esse o termo utilizado por Agamenon Meneses, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, e um dos investigados pela Polícia Federal como um dos responsáveis por organizar o “dia do fogo” em 2019 – conforme narrou ele próprio à reportagem por telefone.
“Isso aí é uma farsa muito grande, muita conversa fiada, muita invenção, muita narrativa, entendeu? […] todo ano tem uma estatística de desmatamento e se você considerar essa quantidade, já tinha acabado a mata amazônica; já tinha acabado tudo”, rebate Agamenon.
Negando que tenha havido o episódio conhecido como “dia do fogo”, ele declara: “Desmatamento há, uns pequenos pedaços de área que a pessoa quer implementar pasto, dentro do limite constitucional de 20%. Aí, quando queima essa área, cria uma fumaceira danada, porque é abafado, não corre vento”.
Já para um antigo morador de Novo Progresso, uma das fontes da reportagem, existe uma “fé em Bolsonaro” que faz com que os agropecuaristas locais liderados por Agamenon acreditem que o presidente irá mudar as leis ambientais brasileiras e que qualquer multa aplicada pelos órgãos de fiscalização será, em algum momento, anistiada “pelo capitão”.
Uma dessas crenças se estende à possível legitimação da posse de mais de 480 propriedades rurais sobrepostas à Flona Jamanxim, cujas fronteiras seguem sendo invadidas constantemente.
Bolsonaro, de fato, tem emitido sinais aos seus eleitores de que tem real interesse em reduzir áreas indígenas e áreas de reservas ambientais no país. No dia 9 deste mês, o presidente sancionou – às vésperas das eleições – um Projeto de Lei que prevê a redução em 40% da Floresta Nacional de Brasília. “Eu conheço uma pessoa aqui [em Novo Progresso] que vendeu por besteira uma área toda documentada para comprar uma área de não sei quantos quilômetros de frente por outros tantos de fundo lá na Flona Jamanxim. Ele tem certeza que vai conseguir registrar a área lá”, conta a fonte da Amazônia Real. “É por isso que eles querem mais quatro anos de governo.”
Apoio total
(Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Pelo menos em Novo Progresso, tudo indica que Bolsonaro deve repetir a vantagem sobre seus adversários nas urnas este ano. O próprio prefeito Gelson Luis Dill (MDB) já manifestou apoio ao presidente, apesar de pertencer ao partido de Simone Tebet (MDB). Tributário das promessas do presidente, o prefeito faz questão de estampar seus candidatos na foto de perfil da sua conta no Whatsapp: uma foto montada dele ao lado de Bolsonaro, do governador do Pará e também candidato à reeleição, Helder Barbalho (MDB), e seu candidato ao Senado, Flexa Ribeiro (Progressistas), que há anos defende a diminuição das Unidades de Conservação (UC’s) no município.
Segundo levantamento feito pelo site “De Olho nos Ruralistas”, em 2020, o prefeito de Novo Progresso é uma das pessoas que acumulam um dos maiores montantes de multas por causar prejuízos à Floresta Nacional do Jamanxim. De acordo com a apuração, Gilson foi autuado pelo Ibama em mais de 6 milhões de reais por destruir áreas de floresta nativa na Flona. Procurado pela reportagem para explicar o caso, o prefeito se limitou a dizer que as acusações são falsas e que irá provar isso na Justiça. Ele também negou possuir propriedade nos limites da Flona.
A reportagem procurou o secretário municipal de Meio Ambiente, João Maria dos Santos, mais conhecido como “João Veículos”, que fez questão de frisar que não costuma dar entrevistas. “A nossa situação todo mundo conhece, é fogo, queimada, desmatamento, e normalmente é muita ONG… que quer reportagem só pra acabar de uma vez com a moral do nosso município”, explica. Ele afirma que a gestão municipal trabalha em ações educativas contra derrubadas e queimadas, e que no ano passado foram realizadas cerca de 30 destas ações .
Segundo o secretário, ouvido por telefone, não há desmatamento e queimadas fora do normal neste ano. Ele defende mudanças na legislação ambiental do País e a redução das áreas de reservas ambientais e indígenas no município. “Como é que desenvolve uma região da forma que está hoje? Se não mudar a legislação, simplesmente todo trabalho que é feito na região é um crime ambiental, não tem como ser diferente”, defende. “Pela nossa legislação é 20%, ninguém consegue ter 100 alqueires e trabalhar só 20. É impossível a pessoa trabalhar dentro da legalidade”, reforça João Maria dos Santos, mencionando a quota prevista constitucionalmente.
Ainda sobre as áreas de reserva da cidade às quais ele se refere, a TI Baú e a Flona Jamanxim, o secretário explica os anseios da gestão municipal e de parte da população de Novo Progresso. “Se criou muita reserva dentro do município, além do permitido. É uma luta da população, do prefeito, dos vereadores, dos deputados, para que se afaste mais a reserva, diminua um pouco a área de conservação para se poder trabalhar”, afirma.
A Amazônia Real também questionou o governo do Pará sobre as queimadas em Novo Progresso e as políticas ambientais do governo, uma vez que o governador Helder Barbalho é o representante dos governadores da Amazônia Legal em assuntos climáticos – ainda que o Pará tenha figurado na dianteira do desmatamento e das queimadas ao longo de todo o período de seu governo –, mas também não houve resposta.
A reportagem também tentou contato com o Ibama e aguarda manifestação do órgão.
Ciclos de impunidades
(Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Foi durante o governo Bolsonaro que Novo Progresso alcançou níveis históricos de destruição. Entre 2019 e 2021, o município registrou cerca de 972 quilômetros quadrados de desmatamento, o equivalente a 97,2 mil campos de futebol, de acordo com dados do Inpe, por meio da plataforma Terra Brasilis (Prodes).
A pesquisadora Ane Alencar, do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam), explica que desmatamento e queimadas são práticas indissociáveis e subsequentes: uma antecede a outra. Ou seja, o desmatamento resulta nas queimadas e, consequentemente, nos incêndios que ganham proporções maiores entre agosto e setembro todos os anos na região. Incêndios e queimadas são coisas diferentes, como explicam pesquisadores do tema.
Incêndios são os focos de queimadas que, fora de controle, acabam tomando grandes proporções. Há também os incêndios criminosos, provocados por materiais inflamáveis, como combustíveis, lubrificantes e óleo de motor. “Os caras fazem um preparado de tudo que é troço inflamável, gasolina, diesel, querosene; colocam numa garrafa, acendem a ponta e já era. Onde pegar, só apaga depois que torrar tudo; é coquetel Molotov”, explica uma das fontes ouvidas pela reportagem.
“Onde tem muito desmatamento, vai ter muito fogo, vai ter muita queimada. E as queimadas podem virar incêndios dependendo do clima. Novo Progresso é um dos epicentros de desmatamento e queimadas na região, um território onde aparentemente o crime compensa”, analisa Ane Alencar, referindo-se ao descumprimento do Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012).
O cenário, porém, não está limitado a Novo Progresso, que, no dia 18 de setembro, ocupou a 5ª posição em focos de queimadas entre os 10 municípios da Amazônia Legal com mais fogo.
A Amazônia registrou suas piores médias de queimadas em 2022, desde que o Inpe iniciou o monitoramento dos focos de calor na Amazônia, em 2012. Em situação semelhante ou pior que Novo Progresso estão as cidades paraenses de Altamira e São Félix do Xingu, Lábrea, no Amazonas, e Porto Velho, em Rondônia.
“É como se as pessoas tivessem naturalizado esse fogaréu todo ano; como se fosse normal conviver com esse tanto de fumaça, respirar esses gases tóxicos”, afirma uma das fontes ouvidas pela reportagem, que pediu anonimato temendo por sua vida. No passado, ela chegou a denunciar crimes socioambientais cometidos em Novo Progresso, tanto na Terra Indígena Baú, do povo Kayapó, quanto na Flona do Jamanxim – ambas inscritas sobre os limites geográficos do município.