Por Ana Lia Esteves em Sputnik Brasil.
No dia 11 de maio, o governo brasileiro concedeu agrément [consentimento] ao novo embaixador da Ucrânia em Brasília, Andrei Melnik. O anúncio foi feito durante a visita do assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, à capital ucraniana Kiev.
Melnik é um diplomata conhecido mundialmente e ocupa o cargo de vice-chanceler da Ucrânia. O gesto foi interpretado como uma tentativa de Kiev de se aproximar do Brasil, após manter o cargo de embaixador em Brasília vago por dois anos.
“Nos últimos anos, não houve grande interesse por parte de Kiev em melhorar os laços com o Brasil”, disse o jornalista, Lucas Leiroz, à Sputnik Brasil. “Com a chegada de Lula ao poder isso muda significativamente.”
De acordo com o jornalista, a disposição brasileira em negociar a paz no conflito ucraniano coloca o país em posição de “balança diplomática global”, transformando-o em “objeto de disputa internacional”.
“Kiev está tomando sua iniciativa, nomeando um diplomata com expertise e fanaticamente apoiador do regime, para fazer do Brasil um país a mais no bloco de apoio ucraniano”, acredita Leiroz. “Com a nomeação, Kiev pode alegar que tem respeito diplomático pelo Brasil […] e exigir algo em troca de Brasília.”
Apesar das credenciais, o novo embaixador da Ucrânia no Brasil coleciona polêmicas graves ao longo de sua carreira. Quando embaixador na Alemanha, Melnik se indispôs publicamente com o chanceler do país, Olaf Scholz, chamando-o de “salsicha de fígado ofendida”. O caso ocorreu após Kiev recusar a visita do presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, por considerá-lo próximo de Moscou.
O diplomata ucraniano também não hesitou em xingar publicamente o bilionário Elon Musk, que durante meses bancou o acesso do país à Internet através do serviço de satélite Starkink. Quando Musk se aventurou a realizar uma proposta de paz, Melnik retrucou “f*** off é minha resposta muito diplomática para você”.
Elon Musk discursa em conferência. Washington, EUA, 9 de março de 2020
© AP Photo / Susan Walsh
O caso mais grave, no entanto, foi quando Melnik defendeu colaborador nazista ucraniano Stepan Bandera, em junho de 2022. Segundo o novo embaixador de Kiev no Brasil, “não há provas de que Bandera tenha matado centenas de milhares de judeus”, ou que ele tenha sido um “assassino em massa de judeus e poloneses”.
O caso gerou protesto do governo polonês e resposta da Embaixada de Israel em Berlim, que acusou Melnik de “distorcer os fatos históricos relativos ao Holocausto”, reportou o portal UOL.
Com tochas, nacionalistas ucranianos de extrema-direita marcham em celebração do 113º aniversário de Stepan Bandera, colaborador de Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial, em Kiev, em 1º de janeiro de 2022
© Sputnik
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“Essas polêmicas com figuras de renome acontecem justamente por [Melnik] defender o seu regime de forma enfática. No Brasil, ele deverá agir da mesma forma”, acredita Leiroz.
Para o analista, o novo embaixador ucraniano contará com o apoio das embaixadas de países como EUA e demais europeus para tentar angariar o apoio de setores econômicos brasileiros e da opinião pública a Kiev. No entanto, Melnik deverá “encontrar bastante resistência [ao seu projeto] no Brasil”.
“De fato, existem setores brasileiros que têm interesse em se aproximar do Ocidente e, logo, da Ucrânia, e contam com apoio da grande mídia nacional”, considerou Leiroz. “Porém há outros setores muito fortes que são contrários ao comprometimento internacional do Brasil, como o agronegócio […], que tem fortes relações com China e Rússia e quer um Brasil pragmaticamente estável para negociar com ambos os lados.”
No tocante à opinião pública, Leiroz nota que tradicionalmente os assuntos da agenda internacional não são o foco da preocupação do povo brasileiro, principalmente em momentos de insegurança alimentar e econômica.
Os Ministros das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e da Russia, Sergei Lavrov, durante conferência de imprensa no Palácio do Itamaraty, Brasília, 17 de abril de 2023
© Foto / Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Por fim, a decisão de Kiev de enviar seu até então vice-chanceler para ocupar cargo permanente em Brasília confirma sua indisposição em negociar a paz, acredita o jornalista.
“Kiev não tem autonomia e soberania para ignorar a OTAN e começar negociações com Moscou. E a OTAN não tem interesse em negociar a paz […]. Já que não tem paz, que se busque o apoio desse grande player diplomático que é o Brasil”, concluiu Leiroz.
No dia 11 de maio, o Brasil acatou a nomeação do novo embaixador de Kiev no Brasil, após dois anos de vacância no cargo. De acordo com a revista Exame, a nomeação já havia sido acordada entre os governos de Kiev e Brasília há algumas semanas, mas seu anúncio foi retardado para coincidir com a visita do assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, a Kiev.