Por José Álvaro de Lima Cardoso.
No debate sobre globalização muitas vezes se confunde a transnacionalização produtiva (que vem se processando há mais de cem anos, encabeçada pelas multinacionais norte-americanas), com as mudanças mais recentes, provocadas pela globalização financeira. Foi esta última que reforçou a assimetria de crescimento e de poder em favor dos EUA, na medida em que provocou uma reversão dos capitais internacionais e induziu os demais países a praticar políticas neoliberais. Políticas estas que, em nome do controle da inflação, sacrificaram o crescimento econômico e social, e o emprego. Esta assimetria do crescimento mundial em favor de um país não foi de forma alguma o resultado “natural” da globalização ou da ação dos mercados, mas decorrência de um projeto de hegemonia internacional, pensado e articulado pelo governo dos EUA.
A disseminação das políticas neoliberais no mundo favoreceu enormemente a economia estadunidense e as de alguns países asiáticos, especialmente a China. Os países asiáticos mantêm Estados fortes, com grande poder de intervenção na economia e moedas desvalorizadas em relação ao dólar. A China representa um capítulo à parte neste processo de reestruturação capitalista e de redefinição da periferia, pois realiza um projeto nacional de desenvolvimento, operando uma complexa estratégia de desenvolvimento, conduzida por seu Estado nacional, submetendo, nesse projeto, os próprios capitais internacionais.
Ao longo da história o desenvolvimento econômico e social dos países, sempre se deu de forma desigual e assimétrica, o que dividiu o mundo em nações dominantes e dominadas. A partir dos anos de 1990 a estratégia primordial das corporações globalizadas foi explorar oportunidades de investimentos de lucros altos e imediatos, com o menor custo de produção possível, montando e desmontando quantas plantas industriais fossem necessárias. Um dos elementos-chave da nova ordem econômica global é a atração das corporações transnacionais pela via da redução dos custos do trabalho nos países periféricos. Os programas de reformas macroeconômicas, realizadas nos países periféricos por orientação das agências multilaterais, como o FMI e o BIRD, política que agora está sendo retomada com força pelo governo golpista, têm como objetivo rebaixar ainda mais os custos do trabalho. O que é feito através de uma série de medidas: contratos de trabalhos temporários, contratos com encargos sociais reduzidos, flexibilização da jornada de trabalho, terceirização, e outras formas de precarização do trabalho. A chamada “agenda oculta” dos programas de ajuste macroeconômico, na década de 1990, consistiu exatamente em comprimir salários nos países periféricos e no Leste Europeu para viabilizar transferências de atividades industriais dos países centrais para a periferia.
As transnacionais não têm compromisso com as políticas sociais ou com o bem-estar do povo dos países em que atuam, privilegiando sempre suas estratégias globais, o que pode significar uma enorme mobilidade dos capitais. Isso enfraquece a capacidade de os Estados fazerem valer políticas macroeconômicas, que tenham o sentido de proteger os interesses dos países onde estão inseridas. As transnacionais, ao contrário das multinacionais típicas até início da década de 1980, não possuem estruturas verticalizadas de produção, mas sim uma fragmentação do processo produtivo, em vários países, através de filiais, fornecedores e empresas subcontratadas. Cada etapa da produção de um determinado produto pode ser realizada em um país, aproveitando-se assim o máximo das vantagens comparativas de cada um deles, como tecnologia, mão-de-obra e matérias-primas.
Essas empresas, além de fracionarem o seu processo produtivo pelo mundo, o fazem com contratos de trabalhos variados, próprios de cada país. Assim, ao invés de reproduzir as condições de trabalho dos seus países de origem, tais empresas, conforme a conveniência, usam mão-de-obra familiar e pagam por peça; se for o caso, trabalham com estabilidade e benefícios; ou com trabalho em tempo parcial; ou mesmo com contratos precários e terceirizados. Enfim, desde que signifique redução de custo, as transnacionais se adaptam às condições políticas, institucionais e sociais de cada país.
A década de 1990 aprofundou o processo de deslocamento da indústria para os países periféricos – ocorrido a partir dos anos 80 –, só que deslocando partes menos complexas do processo, o que levou à constituição de capacidade produtiva de bens que são quase commodities, no sentido de que são produzidos em alta escala, com baixo preço unitário, com simplificação tecnológica e rotinização das tarefas desempenhadas pelos trabalhadores. Exemplo disso são as “maquilas”, comuns na América Central e no Caribe, empresas com baixa qualificação tecnológica, que muitas vezes se limitam a montar peças de vestuário, ou equipamentos eletrônicos, ou algo do gênero. Estas empresas que, via de regra, costumam ser contempladas com isenções fiscais, costumam desrespeitar impunemente a legislação trabalhista e ambiental. Seus trabalhadores são principalmente mulheres que ganham menos de US$ 1 por hora de trabalho em jornada de seis dias por semana, que podem chegar a 14 horas diárias.
A nova divisão internacional do trabalho coloca, de um lado, uma parte dos países semiperiféricos produzindo manufaturas de baixo coeficiente tecnológico, com mão-de-obra barata e flexível, e intensivas em matéria-prima e energia, em atividades muitas vezes insalubres e poluidoras, socialmente rejeitadas nas nações capitalistas centrais; e, de outro lado, nos países que formam o centro do capitalismo mundial, a produção de bens industriais de alto valor agregado, geralmente da área de informação e de comunicação, e de serviços de apoio à produção, de valor intangível. São os trabalhadores dos países periféricos, portanto, os que mais sofrem os efeitos da globalização, em função da liberalização comercial e da desregulamentação do mercado de trabalho. A nova divisão internacional do trabalho aumentou as desigualdades, tanto entre os países centrais e periféricos, quanto no interior dos vários grupos de países.
A globalização, feita nos moldes atuais, pressupõe a intervenção dos países imperialistas, nos países periféricos. Vide o golpe em curso no Brasil, que compõe um projeto de recolonização continental dos Estados Unidos. Este depende dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político da região. Os recentes golpes de Estado ocorridos em Honduras e Paraguai, seguiram metodologias bastante semelhantes à aplicada no Brasil. São golpes desferidos sem participação das forças armadas, utilizando os meios de comunicação, parcela do judiciário e políticos da oposição para sacramentar o processo.
O Brasil, e parte da América Latina, tomaram iniciativas nos últimos anos, que desagradaram ao império: aproximação com os vizinhos sulamericanos, fortalecimento do Mercosul, ingresso nos Brics, votação da Lei de Partilha, projeto de fabricação de submarino nuclear em parceria com a França, etc. Tudo indica, que o pré-sal é a motivação principal da cobiça imperialista: possíveis 300 bilhões de barris de petróleo (70 bilhões já comprovados) que mudaram a inserção internacional do Brasil na produção de energia.
Mas o interesse dos EUA no golpe não é só pelo petróleo, que costuma tomar por bem ou por mal. Está relacionado também com as reservas de água existentes na região, os minerais, e toda a biodiversidade da Amazônia. O governo dos Estados Unidos negocia neste momento com o governo Macri a instalação de bases militares na Argentina, uma em Ushuaia (na Terra do Fogo) e a outra localizada na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai). Tudo indica que o grande interesse da instalação destas bases é o Aquífero Guarani, maior reserva subterrânea de água doce do mundo.
Fonte da foto de capa: Público. es.