Nota Pública da Rede Não Cala de Professoras e Pesquisadoras da USP pelo fim da violência sexual e de gênero

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Pelo menos desde 2014 a Universidade de São Paulo tem ciência de casos relevantes de violência, tendo sido emblemático o caso do aluno da Medicina que foi acusado de dopar e estuprar três colegas e denunciado pelo Ministério Público pelo crime de violência sexual. Esse caso corre na justiça comum e o julgamento pode demorar muitos anos.

Em 2016, o aluno está prestes a se formar. Entendemos que a apuração realizada pela Faculdade de Medicina optou por aplicar uma suspensão e aguardar o resultado do processo jurídico. Entretanto, tendo em vista a experiência de algumas de nós na realização de pesquisas na área, bem como nossa própria condição feminina, sabemos que as palavras das mulheres têm valor e precisam ser muito mais consideradas.

Temos plena convicção de que a USP não pode correr o risco de diplomar alguém que pode ser um agressor, ainda mais para o exercício de uma profissão destinada ao cuidado, como é o caso da Medicina.

A omissão da Universidade tem sido justificada pelo receio de se cometer injustiça com os possíveis agressores. Questionamos por que a universidade não teme cometer injustiça com as possíveis vítimas. Do ponto de vista institucional, precisamos também indagar o que compromete mais o nome da Faculdade: revelar tais casos ou proteger quem cometeu uma agressão? Além deste caso, muitos outros tramitam na Universidade ou acontecem e não são denunciados, por diversas razões – por medo, descrença na efetividade da ação institucional, predomínio da impunidade em casos de violência no país.

Nesse cenário, foi com espanto e indignação que soubemos que a coordenadora do NEADH (Núcleo de Estudos e Ações em Direitos Humanos) da FMUSP, Dra. Maria Ivete Castro Boulos, foi destituída de seu cargo, por e-mail, em 14 de outubro de 2016, sem maiores justificativas ou razões, o que configura um afastamento arbitrário.

O Núcleo, quando coordenado pela Dra. Ivete Boulos, realizou atividades importantes para enfrentamento da violência sexual e de gênero na Universidade de São Paulo, uma instituição que não raras vezes age como se as mulheres valessem menos, as vítimas fossem culpadas por situações de assédio e estupro e não merecessem respeito e nem justiça. Dra. Ivete Boulos estuda e trabalha com situações de violência sexual há vários anos e conquistou a confiança de alunas, funcionárias e professoras para que as situações de violência sexual e de gênero vividas por elas fossem levadas ao NEADH.

Diante do exposto solicitamos:
• Que o referido estudante de Medicina seja devidamente punido pela universidade;
• Que seja revista a instituição da nova composição do NEADH, restituindo a coordenação à Dra. Ivete Boulos, por sua competência, expertise e legitimidade incontestes no desempenho dessa função;
• Que o Conselho Universitário debata mecanismos institucionais que permitam a resolução de casos similares ao ocorrido na Faculdade de Medicina;
• Que o Conselho Universitário debata a constituição das Comissões/Núcleos de Direitos Humanos garantindo que os seus membros tenham familiaridade e competência na temática e autonomia de funcionamento para o acompanhamento efetivo dos casos de violência sexual e de gênero em nossa Universidade.

São Paulo, 24 de outubro de 2016

Rede Não Cala! de Professoras e Pesquisadoras pelo fim da violência sexual e de gênero na USP

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