“Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão!” (Lc, 19-40)
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem a público repudiar a conclusão da Polícia Federal no inquérito cuja finalidade foi investigar a execução do indígena Paulo Paulino Guajajara e o ataque ao indígena Laércio Sousa Silva, baleado no braço, conforme divulgada pela imprensa. O fato ocorreu no dia 1º de novembro de 2019, no interior da Terra Indígena (TI) Araribóia, nas proximidades da aldeia Lagoa Comprida, a 86 km do município de Amarante do Maranhão.
Conforme o relato feito pelo sobrevivente Laércio, os indígenas foram vítimas de uma emboscada enquanto caçavam dentro do seu território. Segundo ele, quando pararam para tomar água, ouviram barulho no mato e logo em seguida os tiros. Paulo Paulino tombou no local após receber um tiro no ouvido, não havendo tempo para se defenderem. Laércio se protegeu atrás de uma árvore, sendo alvejado nas costas e no braço direito, conseguindo escapar com o quadriciclo que estavam usando na caçada a porcos do mato. Laércio assegurou que não avistou nenhum corpo de não indígena caído no local.
É de conhecimento geral que os Guajajara da TI Arariboia, bem como outros povos indígenas, atuam como Guardiões da Floresta nas TIs Alto Turiaçu, Caru, Governador, Krikati e Pindaré, realizam ações de proteção do seu território e são reconhecidos pela Funai e pelo Ibama para realizar essas ações, uma vez que o Estado, que deveria proteger e fiscalizar seus territórios, não o faz. É sabido também que, por conta da atuação dos Guardiões, os indígenas têm recebido ameaças, e em 2016, quatro indígenas Guajajara foram assassinados dentro da Terra Indígena Arariboia. Dois deles eram Guardiões e nenhum desses casos foi investigado pela Polícia Federal.
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Foi também neste contexto que, em 2007, Tomé Guajajara, liderança de 60 anos, foi assassinado por madeireiros na aldeia Lagoa Comprida, no interior da TI Arariboia e, em 2008, Maria dos Anjos Guajajara, de apenas sete anos de idade, foi assassinada enquanto assistia televisão em sua casa, na aldeia Anajá, localizada no mesmo território. Em ambos os casos, as aldeias foram invadidas por madeireiros em represália às ações de fiscalização e denúncia dos indígenas.
Nos últimos vinte anos, o Cimi registrou o assassinato de pelo menos 47 indígenas do povo Guajajara no Maranhão. Destes, 18 eram da TI Arariboia.
Embora a situação nas terras do povo Guajajara tenha se agravado recentemente, o ambiente de violência e insegurança também afeta os demais povos indígenas do estado do Maranhão, sejam aqueles que vivem em terras demarcadas, como a TI Alto Turiaçu, que viu Euzébio Ka’apor ser assassinado em 2015 após ações autônomas de fiscalização e denúncia contra madeireiros, sejam os que ainda lutam pela regularização de seus territórios tradicionais, como o povo Akroá Gamella, vítima de um atentado que deixou mais de vinte feridos em abril de 2017.
Questionamos se esse contexto foi levado em consideração pela Polícia Federal ao concluir que “foi possível afastar as hipóteses relacionadas a conflitos étnicos ou mesmo por emboscada de madeireiros a indígenas, tudo convergindo para a conclusão de que o lamentável episódio se originou da troca de tiros motivada pela posse de uma das motocicletas utilizadas pelos não indígenas”, segundo passagem de uma nota da PF divulgada pelo site do jornal O Globo.
O que faziam os madeireiros no território indígena, fortemente armados, numa área regularizada e de usufruto exclusivo dos povos indígenas?
Historicamente há conflito étnico por conta da retirada ilegal de recursos naturais de dentro do território, e as vítimas são sempre os indígenas. Se não foi emboscada, tampouco foi confronto. O que faziam os madeireiros no território indígena, fortemente armados, numa área regularizada e de usufruto exclusivo dos povos indígenas?
A Polícia Federal, ao reduzir o assassinato de Paulino Guajajara a um lamentável episódio de troca de tiros, desconsidera uma história de mais de 40 anos de conflitos com madeireiros nesse território, ao longo dos quais os indígenas vêm sendo assassinados e tendo seus territórios destruídos sem que nenhum assassino seja punido.
Ao desprezar o contexto de violência e de violações aos direitos e territórios indígenas, mesmo quando se trata de terras indígenas já demarcadas, a Polícia Federal demonstra sua opção política pela criminalização dos povos e de seus processos de luta por direito e por território, naturaliza o racismo institucionalizado pelo Estado e acaba por reforçar, com esta posição, as políticas de extermínio dos povos originários.
Exigimos uma investigação que considere as identidades, os direitos, os indícios e as vozes dos próprios povos, e que acabe com a impunidade dos que matam e mandam matar os povos indígenas e suas lideranças. Repudiamos ainda a atuação de parte da mídia que, ao reproduzir os argumentos falaciosos, reforça a criminalização e a posição desse governo e desse Estado etnocida.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
8 de janeiro de 2020
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