“Os servidores do Ministério da Cultura, reunidos em assembleia extraordinária da AsMinC no dia 30 de junho de 2017, na sede do MinC, decidiram, por unanimidade, se somar às vozes roucas das ruas, que clamam por dignidade e direitos culturais no Brasil. Demonstramos o nosso mais veemente repúdio ao processo de desmantelamento e desmanche das políticas culturais brasileiras. Os cortes orçamentários, por exemplo, que foram de 43% nos últimos meses, são imorais e, inclusive, inconstitucionais. O artigo 216-A, que institui o Sistema Nacional de Cultura, determina, em seu parágrafo primeiro, inciso XII, que haja uma “ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura”, e não sua redução. Esse artigo tem sido constantemente ignorado e desrespeitado.
A partir da extinção do órgão, proposta pelo Governo Temer, sem qualquer estudo sobre as políticas de sua competência, ou planejamento prévio, tem se intensificado um processo de desmanche das políticas de cultura, significando um ataque direto às propostas democráticas e plurais que têm caracterizado o MinC nas últimas décadas. Na ocasião, as(os) funcionárias(os) do órgão presenciaram uma situação de forte incerteza, devido à desorganização causada pela falta de clareza quanto ao futuro da estrutura funcional. Diversas políticas foram paralisadas (e continuam sendo), e mesmo atividades cotidianas foram interrompidas por falta de conhecimento acerca de como seria a nova estrutura. Em razão da ação de movimentos sociais e grupos politicamente organizados, que se mobilizaram no país inteiro pelo retorno do Ministério, o MinC foi reconstituído, mas não recobrou plenamente suas faculdades.
Desde então, o Ministério da Cultura tem sido constantemente castigado por um processo político caracterizado pelos constantes cortes orçamentários e pelo fisiologismo na ocupação da pasta, com a intensa troca de ministras(os), que parece ser intencionalmente direcionado a extinguir qualquer política que trate de valorizar as questões que possam refletir sobre a cidadania, a identidade de nosso povo, e a diversidade cultural necessárias à construção de um processo voltado para uma (re) democratização efetiva do país. Em pouco mais de um ano, três pessoas diferentes já estiveram no comando da pasta: Marcelo Calero, Roberto Freire e João Batista de Andrade. Infelizmente, o Ministério da Cultura tem sido vítima do mais sórdido processo de troca-troca partidário, no qual os grupos políticos utilizam o ministério como “moeda” em troca de apoio no Congresso Nacional. Além de desestabilizar qualquer processo técnico, voltado para uma gestão eficiente, esse fato só gera dificuldades na continuidade das políticas de estado, e imobiliza os serviços prestados pelo Ministério, uma vez que muitas das ações dependem de decisões tomadas no âmbito da burocracia de alto-escalão.
O resultado, novamente, é a incerteza e falta de clareza sobre princípios básicos nos quais as políticas públicas se baseiam. Nesse sentido, vale destacar que, durante a gestão de Calero, o Ministério passou por uma reestruturação, em que setores foram reduzidos, servidores foram exonerados e muitos cargos foram extintos. A nova estrutura mal tinha sido colocada em prática quando Calero pediu exoneração. Em mais um episódio da política brasileira, evidenciou-se um caso de corrupção. O resultado do episódio, é que, apesar da nova estrutura, o órgão tem operado na ausência de um regimento interno, o que, além de confrontar o princípio da legalidade, que pauta a atuação da Administração Pública, inviabiliza a própria gestão. Prevalece um ambiente de incerteza quanto à estrutura do Ministério, seus objetivos, o escopo de suas políticas e, principalmente, o papel desempenhado pelo órgão.
O atual quadro é de instabilidade e insegurança, aspectos que afetam as atividades cotidianas dos servidores e a continuidade das políticas. Algumas secretarias estão com cargos vagos desde outubro de 2016, à espera de um decreto que trará legalidade à proposta de estrutura do Ministério. Por outro lado, as gestões mais recentes foram responsáveis por ações sem transparência, ou sem justificativa razoável, tais como: a exoneração de gestores sem aviso prévio, a devolução de servidores qualificados aos órgãos de lotação, e a perseguição política a servidores de carreira cujas visões diferem do atual governo. Prevalece o esdrúxulo fisiologismo no preenchimento dos cargos, desvalorizando qualquer conhecimento técnico e exigindo lealdade política em detrimento da qualificação. Ademais, nada foi feito em relação às representações regionais do Ministério, as quais seguem isoladas e sem a devida atenção por parte dos dirigentes.
Nós, servidores do Ministério da Cultura, manifestamos nossa insatisfação em relação ao desmanche do MinC. Sobretudo, enfatizamos nosso posicionamento acerca da necessidade de defesa das políticas culturais, cruciais para o desenvolvimento econômico, social e a construção democrática de um país plural. Essas políticas jamais serão efetivas enquanto os dirigentes do Ministério forem escolhidos devido à conveniência política em vez do conhecimento e da experiência em relação aos temas da pasta. Assim, propomos que, na escolha da(o) nova(o) dirigente, sejam considerados fatores como idoneidade e notoriedade de conhecimento acerca do campo cultural em detrimento do loteamento político.
Repudiamos qualquer tentativa de nomear políticos investigados por corrupção. Sabe-se que o ex-ministro Roberto Freire foi investigado no inquérito no âmbito da Operação Lava Jato, por ter recebido 200 mil reais de caixa dois da Odebrecht para a campanha eleitoral de 2010. Além disso, o Ministro e os seus quadros não possuíam experiência na área da cultura. Como alternativa para que haja um processo republicano de escolha da nova ministra ou ministro da cultura, os servidores propõem que o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) elabore uma lista tríplice para a indicação do titular da pasta. A AsMinC e as outras associações da área da cultura também devem ser ouvidas.
Denunciamos, por fim, todo loteamento político ocorrido no MinC durante a gestão do ex-ministro Roberto Freire. E devemos lembrar que o processo continua. Sérgio Cabral, por exemplo, mantém sua influência no MinC. Recordista de processos na Lava Jato (denúncia, pelo MPF, de 184 crimes), o ex-governador do Rio de Janeiro manteve a indicação de sua mãe para a chefia do Museu da República e ainda conseguiu emplacar o nome de sua irmã, Cláudia Cabral, para o cargo de diretora do Departamento de Desenvolvimento Institucional do MinC. Cláudia foi nomeada após a ascensão de Temer à Presidência da República, em meados de 2016. O referido departamento tem uma importância estratégica, tendo em vista que reúne áreas relevantes para o planejamento das políticas culturais: Plano Nacional de Cultura (PNC), Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) e Sistema Nacional de Cultura (SNC).
Lembramos também que o MinC passa por um problema crônico de falta de servidores. Os funcionários têm se desmotivado diante do desrespeito institucional, e da desvalorização dos quadros próprios. Isso prejudica a implantação das ações para o setor, e o resultado proposto para as políticas culturais.
O Ministério da Cultura é fundamental para que possamos discutir a construção de um país efetivamente cidadão, voltado para processos mais humanos nas suas relações políticas e sociais. O órgão não pode mais ficar à mercê de artimanhas político-partidárias. A cultura é a alma do povo e, sem cultura, nenhum povo pode se desenvolver.”
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Imagem: Facebook/Reprodução
Fonte: João Brant