Pequenos produtores e pais de estudantes da rede pública estão em alerta com o avanço do Projeto de Lei (PL) 3292/20, que muda as regras do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Na última quinta-feira (6), a Câmara aprovou o fim da prioridade de assentados da reforma agrária, quilombolas, indígenas e ribeirinhos como fornecedores de alimento para merenda escolar. Para entrar em vigor, o texto depende de aprovação no Senado.
O PL não altera a determinação de que 30% dos alimentos da merenda sejam oriundos da agricultura familiar. Porém, esse percentual não garante que as crianças estarão livres de produtos com agrotóxicos e ultraprocessados.
É o que teme Raimunda Rodrigues, de 31 anos, que vive na comunidade Rio Novo, na Reserva Extrativista do Rio Iriri (PA), a 1,3 mil km da capital Belém (PA).
A comunidade tem 150 famílias, que produzem castanha e farinha de babaçu. Destas, 29 possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que permite fornecer alimentos ao Estado.
Raimunda é a gestora da miniusina do Rio Novo, uma das unidades que processa a farinha de babaçu da marca “Vem do Xingu”.
A farinha que sai da reserva, no meio da Floresta Amazônica, abastece a cozinha de escolas nos municípios vizinhos, Vitória do Xingu (PA) e Altamira (PA). Nas mãos das merendeiras, o ingrediente é usado em tortas, bolos, biscoitos, vatapá, macarrão e dezenas de outros pratos ricos em fibras, cálcio, magnésio, fósforo e ferro.
A farinha de babaçu também substitui o amido de milho e ajuda a engrossar caldos e sopas.
“O Pnae, recebendo a nossa produção, a devolve para dentro da escola, então as crianças são alimentadas por esses produtos de qualidade”, explica Raimunda.
“A gente precisa de alimento saudável. A gente não quer receber enlatado, coisa que não vai servir para a nossa família. Os nossos filhos estão acostumados com esse produto que a gente usa na nossa comunidade”, acrescenta.
Além da produção e consumo de alimentos saudáveis, as compras do Pnae garantem a cada uma das 29 famílias da reserva extrativista cerca de R$ 100 mil por ano.
A mudança nas regras impactaria diretamente na renda dessas comunidades, como ressaltou o agricultor paranaense Carlos Finkler, em entrevista recente ao Brasil de Fato.
Assentado desde 1999 na Lapa (PR), a 70 km de Curitiba (PR), ele chamou atenção para o risco de agravamento do êxodo rural. Sem as compras de alimentos via Pnae, milhares de famílias perderiam renda e teriam que migrar para a cidade.
“Nos últimos 170 anos, a prioridade que o Estado deu ao agronegócio quebrou os camponeses. Os resultados estão aí: as favelas cresceram no país afora, a violência não para de crescer na periferia. Mesmo a covid-19, nós podemos ver que mata mais na cidade do que no campo, porque aqui tem mais espaço, é possível manter distanciamento”, disse.
Entre 1963 e 2013, o fluxo de brasileiros do campo para a cidade cresceu 45,3%.
Mesmo antes da crise sanitária e do fechamento das escolas, as comunidades rurais já sentiam no bolso os efeitos do governo Bolsonaro. Com queda de 95% em 8 anos, a aquisição de alimentos pelo Estado caiu de 297 mil toneladas em 2012 para 14 mil em 2019.