Por Luís Eduardo Gomes.
Claudinei Bueno Bocha morava em Novo Hamburgo. Sem conseguir emprego próximo à casa, trabalhava em uma obra no extremo sul de Porto Alegre, no bairro Belém Novo. Acordava às 5h da manhã para pegar o primeiro ônibus que o levava para a estação do Trensurb localizada em um shopping da cidade. Ao descer do trem na Capital, ainda precisava pegar mais outros dois coletivos. Duas horas e meia só de ida. Levando em conta o tempo de espera, conseguia chegar apenas por volta das 9h. “Voltava para casa 21h30, 22h, todos os dias”.
Há cerca de dois anos, mudou-se para a Ocupação Progresso, localizada no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre, onde moram atualmente 93 famílias, ao menos 40 delas de imigrantes. Em disputa com os proprietários e com a Prefeitura pela posse do terreno, na manhã desta sexta-feira (15), um grupo de moradores da comunidade permanecia na sede do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) para tentar forçar o governo municipal a negociar uma solução definitiva para essas famílias. “A gente está ocupando o Demhab para ver se a gente consegue uma negociação para o aluguel social ou pela moradia própria. Do jeito que as coisas estão lá, a gente não tem saneamento, não tem esgoto, não tem nada”, complementa Claudinei, que também é coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na Capital.
Morador de outra ocupação, a Campo Grande, no bairro Mário Quintana, na zona norte, Marlo Leal também estava no Demhab nesta manhã para garantir que os moradores de sua comunidade também sejam ouvidos. “Nós somos aquele povo que está longe de qualquer ação do governo e qualquer ação do município. Nós estamos à parte da sociedade”, diz Leal, que também é membro do Conselho Regional por Moradia Popular.
Segundo ele, a área da Campo Grande foi ocupada em junho de 2014 por cerca de 250 famílias. Antes, estaria abandonado há décadas. “Foi ocupada uma área que já estava há 30 anos abandonada, era depósito de lixo, depósito de cachorro morto, tudo que é lixo ia pra lá”, afirma. Depois da ocupação, os donos do terreno, que seria de uma construtora, apareceram e exigiram a reintegração de posse.
Um acordo foi tentado no Centro Judicial de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), mesa de negociação montada pelo Estado para tratar de disputas ligadas à moradia popular, mas os proprietários se recusaram a negociar a área. Uma ação de reintegração de posse está prevista para o próximo dia 19.
No entanto, Leal afirma que, nas negociações do Cejusc, o Demhab tinha se comprometido a visitar o local e buscar uma solução para as famílias, seja através do aluguel social ou de residências de emergência para quem encontrasse um local adequado para a construção. Mas isto nunca teria ido adiante. “Não fizeram a parte deles e querem que a gente saia. O problema é que as pessoas não têm para onde ir”, diz Leal.
Por outro lado, os proprietários do terreno onde está localizada a Ocupação Progresso estariam abertos para negociar com os moradores. Em negociação mediada pelo Cejusc, representantes da MTST, que organizou a ocupação, e dos proprietários entraram em um acordo para que as famílias comprassem a área com financiamento pelo programa Minha Casa Minha Vida.
No entanto, após Ministério Público divulgar um lado que a terra estava contaminada por metais pesados – abrigava uma indústria metalúrgica e uma olaria anteriormente -, as negociações foram suspensas até que seja contratado um estudo geológico que determine se a área está ou não contaminada.
Leal diz que os moradores da Campo Grande também teriam interesse em negociar a área. “Claro que, dentro do limite das possibilidades das pessoas, nós temos interesse em comprar aquela área. Agora, se não podem ou se não querem, que nos forneçam uma área. A gente compra. O que queremos é uma solução, mas a Prefeitura não diz nada e nem aquilo que acordam eles cumprem”.
No Demhab, também estão moradores da Vila Dique e da Ocupação Lanceiros Negros. Conjuntamente, os movimentos sociais participam da ação exigem a volta do pagamento do aluguel social e moradia definitiva para as famílias em situação de rua, alternativas para a Lanceiros Negros, o cumprimento de acordos com o MTST – como a desapropriação de um terreno no Morro Santana que permitiria a construção de moradias populares -, a continuidade do programa Minha Casa Minha Vida e a garantia de “despejo zero”. Eles dizem que permanecerão no Demhab até que a Prefeitura avance nas negociações.
Nesta manhã, dezenas de pessoas, incluindo famílias inteiras com crianças e idosos, permaneciam no local. Eles reclamam que agentes da Guarda Municipal, que faziam a proteção nos dois portões de acesso ao prédio, tinha-os “trancado” no prédio e impedido que o portão principal fosse aberto até para receber comida. No momento em que a reportagem esteve no local, os guardas mantiveram distância dos moradores e estes receberam a entrega de doações de alimentos por parte de representantes do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) por cima do portão.
Segundo os participantes da ocupação, funcionários do Demhab estiveram no local, bateram o ponto e foi embora. Já os diretores do departamento sequer teriam aparecido.
A Prefeitura divulgou nota na manhã desta sexta-feira em que afirma que mantém a disposição em tratar o tema e se compromete a realizar uma reunião com os ocupantes desde que eles deixem o local. Confira a íntegra da nota a seguir.
Nota sobre a invasão da sede do Demhab
Sobre a invasão da sede do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) por integrantes de diversos movimentos sociais, a Prefeitura de Porto Alegre esclarece que:
– A tarde dessa quinta-feira, 14, marcava um momento de diálogo entre o Município e entidades ligadas à moradia popular. Na reunião em questão, que demonstrava mais uma vez a disposição do Executivo em tratar do tema, participavam diversos órgãos municipais e o vice-prefeito, Sebastião Melo;
– Para surpresa de todos, o prédio do Demhab, onde ocorria o encontro, foi invadido e ocupado intempestivamente por movimentos ligados à habitação, que apresentam demandas ligadas, prioritariamente, a outras esferas de governo. É o caso dos Lanceiros Negros, que ocupam prédio do Governo do Estado no Centro Histórico, e de moradores da Vila Dique, área afetada por obra da Infraero, do Governo Federal;
– Mesmo com interface prioritária com outras instâncias, as reivindicações desses movimentos vêm sendo acompanhadas e tratadas seriamente no Município, tanto é assim que foi formado Grupo de Trabalho específico para os Lanceiros Negros, isso sem falar na construção de habitações mais dignas para a Dique;
– Infelizmente, a invasão e o bloqueio do prédio do Demhab trazem diversos prejuízos à população mais carente, que fica impedida, por exemplo, de tratar questões ligadas ao pagamento de aluguel social, bônus moradia ou de realizar cadastro no órgão, o que atrasa o atendimento de demandas e pode gerar grandes problemas às comunidades. Para garantir a retomada dos serviços, o Município está ajuizando ação que solicita reintegração de posse do prédio;
– Até que a Justiça se posicione, o prédio será mantido fechado para garantir a integridade física de todos: servidores, população e manifestantes;
– Mesmo diante dos fatos expostos, a Prefeitura mantém sua disposição ao diálogo com os movimentos em questão. Para isso se propõe a nova reunião, desta vez na Câmara de Vereadores, desde que haja a desocupação do prédio e que seja apresentada pauta específica de reivindicação, o que até o momento não ocorreu.
Foto: Reprodução/SUL 21
Fonte: SUL 21