Nos Estados Unidos, os brasileiros estão se educando para se defender das deportações. Entrevista exclusiva

Pessoas pobres, pretas, é que andam pulando os muros e recebem o pior tratamento possível: racista ao máximo

Redação 

Produção: Tali Feld Gleiser

O jornalista e apresentador, Raul Fitipaldi, entrevistou César Rosatto*, cônsul honorário do Brasil no Texas, EUA. Oferecemos aqui a transcrição da entrevista feita através de telefone.

Aumentaram o medo, a depressão e a ansiedade

Raul Fitipaldi: Qual é a reação das famílias brasileiras que moram nos Estados Unidos frente às deportações dos seus parentes?

César Rosatto: Frente as deportações dos seus parentes, obviamente é caótica e dolorida também. O pessoal do Brasil 100 me liga não só aqui, né? E, obviamente, aumentou a depressão, o medo, ansiedade. E é triste ver as pessoas sendo colocadas em situação liminar, né? Que a gente seja marginalizada e sendo empurrada para uma situação que não precisava ser assim, não é? Então, eu estou vendo aqui as pessoas entrando em pânico coletivo. Meus próprios alunos de mestrado e doutorado ficam preocupados porque tenho alunos que não estão em situação legal aqui nos Estados Unidos. A gente nunca teve isso antes, que um governo autorizasse a caça às bruxas dentro de igrejas, hospitais, escolas, né? Lugares sagrados. O que a gente deveria ter um respeito, né? Santuários. Eu acho que o pessoal está se sentindo violado. Os nossos lugares mais seguros já não são mais seguros, então isso vai causar muita apatia, muito medo.

Oficiais da PF do Brasil nos EUA classificaram pessoas que deveriam ser deportadas

Raul Fitipaldi: Como avalia a atitude do governo brasileiro com relação às deportações?

César Rosatto: Nesse momento parece que o Lula ficou sentido de ver o nosso povo chegando algemado, maltratado. Mas eu sou um historiador e gostaria de relembrar que houve uma época em que o governo Lula estabeleceu a prática da reciprocidade. E eu lembro da situação que se criou mesmo. Estive em Brasília duas semanas na CPI do Imigrante, junto com o senador Hélio Costa, Crivella e o deputado João Magno. E ao Itamaraty eu sugeri a lei da reciprocidade. A pedido do Trump o Bolsonaro cancelou essa prática. E o Brasil nunca se restabeleceu depois disso. Eu espero que o governo atual brasileiro coloque atenção, porque essa deportação já começou a passar por cima do consulado brasileiro, eliminando a diplomacia.

É uma violação. A Colômbia não aceitou isso. E então eu espero que o governo atual brasileiro possa ver que a Polícia Federal não deve ser contatada diretamente nas questões de deportação, tem que passar pela diplomacia do Itamaraty, do consulado, dos cônsules. E depois disso, a Polícia Federal é a última a ser notificada. Que vai chegar um voo, etc. Mas eu espero que o governo atual brasileiro faça uma reavaliação de quem trabalha nessas instituições brasileiras que estão colaborando com o maltrato do seu próprio povo. Eu nunca vi nenhum outro país mandar policiais do seu país; aqui vieram dois policiais da Polícia Federal brasileira ajudar na classificação e deportação dos brasileiros. Tem um brasileiro que eu conheci dentro da instituição de imigração que trabalha para o governo estadunidense. Então a é preocupante isso. Eu acho que o governo brasileiro tem que saber melhor como lidar com essa situação.

A resistência

Raul Fitipaldi: Como estão reagindo e que planos têm as organizações de direitos humanos e proteção aos migrantes?

César Rosatto: Eu acho que as pessoas estão resistindo. O governador de Illinois, de Chicago e o governador da Califórnia já falaram que não vão participar nessa caça às bruxas, nessa atitude predatória e a menos que a pessoa tenha um histórico criminal, porque muitos saíram do Brasil, deixaram a tornozeleira eletrônica no Brasil, chegaram aqui e o governo estadunidense está sabendo que muitos criminosos saíram do Brasil e entraram na Argentina, estão detidos lá e que participaram de quebra-quebra ou tem uma atitude grotesca; esse tipo de imigrante as pessoas não querem aqui.

Então os governadores falaram que não tem problema em mandar esses de volta. Mas a as pessoas que estão aqui há anos, que têm as suas famílias, pagam impostos, são pessoas honestas, têm uma boa conduta, índole moral, todos querem lutar contra. Então já tem grupos de advogados lutando. Tem uma importante organização chamada Lulac e outra organização mexicana-estadunidense, organização brasileira, que tem advogados que lutam pela comunidade. Não esqueça que Estados Unidos tem 1.500.000 de brasileiros aqui nos Estados Unidos, a maioria em Boston, Nova Iorque e Flórida. E as grandes cidades, Chicago, Houston, Dallas, San Francisco, San Diego, Los Angeles, etc. E então os abrigos de imigrantes, estão se unificando, estão trabalhando com as organizações religiosas. Uma muito inteligente que eu achei, uma movida brilhante foi o bispo aqui de El Paso que tem um projeto de justiça social, que tem um grupo de advogados que ajuda na defesa dos imigrantes e tem uma também que se chama Las Américas e Annunciation House.

Eles trouxeram umas freiras e tem uma freira brasileira do Rio Grande do Sul, as irmãs scalabrinianas. E então eles criaram o Ministério do Imigrante. Aí modifica a coisa, porque o governador do Texas estava qualificando essas organizações como criminosas. Aí agora a gente tem a lei do lado da gente. Porque o ataque às religiões seria a violação da Constituição dos Estados Unidos, liberdade religiosa. Então é esse tipo de iniciativa. Está já está em andamento. Eu acho brilhante. E então especialistas em Ciências Políticas falam que o segundo ano do Trump ele vai ter dificuldades de governar. Então, a resistência interna e externa, vários países já demonstraram claramente México, China, Colômbia, etc. Até Ghana na África fechou as bases militares lá por causa dessa atitude do Trump de querer dominar o mundo, jogar bomba etc.

“As pessoas estão sendo educadas para se defenderem.” C.R.

Raul Fitipaldi: 4. Quantos brasileiros e brasileiras não legalizados ficam ainda em território estadunidense?

César Rosatto:

Para você fazer uma lei funcionar retroativamente é muito difícil. O Trump tem que passar pelo Congresso estadunidense, já tem juízes bloqueando a ordem executiva do Trump de tirar a legalidade de uma criança que nasceu aqui. Isso claro, é contra a Constituição dos Estados Unidos. Nasceu aqui, é estadunidense, pronto. Inclusive tinha uma brasileira  que eu ajudei que teve uma criança esse fim de semana. E então ele vai tentar negar a cidadania automática, a cidadania estadunidense e, obviamente, cada caso é um caso.

Tem brasileiros que se casaram com estadunidenses, é uma forma de se legalizar mais facilmente; tem alguns que vem a pedido do trabalho. Então tem brasileiros que vem super qualificados do Brasil. Os Estados Unidos têm as melhores universidades do mundo e atraem os grandes cérebros do mundo todo. E gente boa e gente ruim também. Mas esses geralmente são pessoas brancas e de boa posição econômica.

Racismo, patriarcalismo, misoginia 

Pessoas pobres, pretas, é que andam pulando os muros e recebem o pior tratamento possível: racista ao máximo, patriarcal, misógino etc. É violento, é violento. As pessoas já estão aprendendo. Eu mesmo estou educando meus alunos. Se a pessoa é menor de idade, ela não tem que responder a pergunta de ninguém, tem que conversar com adultos, pais da criança, não pode pegar qualquer criança aí na rua e começar a conversar. As pessoas não precisam atender a porta, não abrir a porta. Pode perguntar se agentes de imigração tem uma ordem judicial. Se não tiver ordem judicial eles estão violando a lei dos Estados Unidos. Então as pessoas estão se educando, como se defender. É nessas condições, mas a realmente o pessoal está abalado com essas iniciativas agressivas de violações, nos lugares mais sagrados, lugares que são considerados santuários.

*César Augusto Rossatto, Ph.D. é Professor brasileiro da Universidade do Texas em El Paso. Ele é autor de várias publicações, incluindo: Reinventando a Pedagogia de Paulo Freire de Possibilidade: Do Otimismo Cego ao Otimismo Transformador. Ele é fundador da Paulo Freire SIG na AERA (American Education Research Association). É graduado da UCLA (University of California, Los Angeles) com especializações em pedagogia crítica, multiculturalismo crítico, educação para a justiça social, e sociologia da educação. Rossatto é expert em educação dialética, dialógica, e práxis para a libertação dos grupos desprivilegiados. Rossatto estende teorias temporais críticas, o contexto social da educação, política organizacional, educação internacional e urbana, e tem uma grande familiaridade com os EUA e as questões interculturais da América Latina. Seus principais interesses de pesquisa são Ética; influências da imigração e ideologias religiosas; assuntos fronteiriços dos Estados Unidos e do México no contexto da globalização e o neoliberalismo. Rossatto é especializado no fenômeno do fatalismo e otimismo em contraste com as diferenças de classes sociais, bem como os efeitos do racismo global. Ele é um porta-voz internacional renomado e editor de revistas acadêmicas. Seu último livro intitulado: Manifesto para Novos Movimentos Sociais: Equidade, Acesso e Empoderamento. O Dr. Rossatto também é Cônsul Honorário brasileiro servindo a região de El Paso, TX.

 

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