Nesta entrevista a Tiempo Argentino, Chomsky reflete sobre o problema da concentração de mídia na América Latina, sobre os movimentos (Occupy e outros) que vêm dando sinais de potencial mudança na sociedade dos EUA, sobre a importância relativa das “redes sociais”.
Até que ponto terá o desenvolvimento dos países da América Latina a ver com os Estados Unidos terem estado concentrados noutros temas?
– Quanto menor atenção prestem os EUA ao continente, melhor para este último. Mas não deve dar-se por assente que seja isso que tem ocorrido. De fato, creio que têm estado a prestar bastante atenção. Quando alguma coisa sucede na América Latina, os EUA estão lá. Nos anos ‘80 estiveram muito ativos na América Central. Nos primeiros anos das ditaduras sul-americanas, os EUA apoiavam todas. Na Argentina, por exemplo. Nos anos ‘90, a América Latina estava bastante sob controlo com a estrutura dos programas de ajustamento, pelo que os EUA não tiveram que se empenhar muito. Mas na última década os EUA têm sido afastados e têm tratado com muito afinco de reconstruir a sua posição. Creio, definitivamente, que tratam de aplicar mais ou menos a mesma política que antes, mas têm menos capacidade para a implementar.
Vários dos governos de América Latina que têm assumido uma posição mais dura na sua relação com os Estados Unidos também se têm defrontado com as corporações midiáticas e têm promovido novas medidas para regular o poder da mídia. Como analisa isso?
– A situação dos mídia na América Latina é praticamente um escândalo. Estão enormemente centralizados, sob controlo privado, são muito reacionários e muito danosos para os países. Dão uma imagem muito distorcida do mundo. Entretanto, não creio que a resposta correta seja que os governos os constranjam, mas sim que ajudem o surgimento de alternativas comunitárias. Em certo ponto isso começou a fazer-se na Venezuela. Por outro lado, quando ocorreu ali o caso do canal RCTV, que não foi encerrado mas sim remetido para a difusão por cabo, escrevi que estava de acordo com os protestos ocidentais e também com o facto de que algo semelhante não podia suceder nos EUA. Mas acrescentei algo que tornou impublicável aqui a minha opinião. Não poderia suceder neste país por uma boa razão: se algo semelhante acontecesse cá, se a CBS, por exemplo, apoiasse um golpe de Estado contra o governo e passados alguns dias esse golpe tivesse sido derrotado, não haveria nenhum julgamento dos diretores e a cadeia não continuaria a transmitir. Simplesmente, os donos e os diretores dessa estação seriam assassinados sem julgamento prévio por um esquadrão especial.
Crê que o confronto aberto entre os governos e a mídia concentrados ajuda a consciencializar as pessoas acerca dos interesses que estão por detrás da mídia?
– Na maior parte dos países, os governos apoiam os mídia concentrados. E nos casos em que não é assim, creio que a melhor forma de responder não é pressionando mas desenvolvendo alternativas, que é algo que o governo pode fazer. Alguma coisa de semelhante está querendo desenvolver-se aqui, em pequena escala. Por exemplo, quando o sistema de cabo apareceu nos EUA no início dos anos ‘70, o Congresso aprovou uma lei que impedia as companhias de cabo de deter monopólios em algumas áreas particulares. Por exemplo na zona onde estamos, Cambridge. Qualquer rede de cabo que quisesse operar aqui devia incluir um sinal comunitário. É uma grande falha da esquerda nos EUA que esta oportunidade não seja aproveitada. Há aqui uma estação da comunidade e se lá fores terás a surpresa de verificar que o equipamento é bastante bom. Não é a CBS, mas é melhor que outros que são propriedade de movimentos políticos. E muitas vezes são dirigidos por lunáticos porque a esquerda não os usa. Chegam a muita gente e poderiam ser usados como uma base alternativa de media.
O que é que falta aos grupos de esquerda para tirar partido dessa possibilidade?
– Isso é o que eu venho discutindo há 40 anos. Têm muitas críticas sobre os media que são justificadas, mas há muito pouco trabalho em tratar de criar alternativas. E pode ser feito, como sucedeu com Democracy Now, que funciona. Mas se os grupos de esquerda utilizassem estas possibilidades que estão ao seu alcance poderiam fazer mais. Há muito para fazer.
E não seria importante apenas o conteúdo, mas também a forma como se concretiza…
– Estive uma vez no Brasil, antes de Lula ser eleito presidente, e uma tarde ele levou-me aos subúrbios do Rio, onde vi algo muito interessante dos media populares que não sei se ainda funciona. O que acontecia era que um grupo de profissionais dos media do Rio ia a uma praça no meio de uma cidade às nove da noite, prime-time, e punha um camião com um ecrã. Aí passavam programas que eram apenas para as pessoas que estavam sentadas na praça ou nos bares em redor. Os conteúdos tinham sido escritos por pessoas da zona, apresentados por eles e eram interessantes. Não podia entender tudo o que diziam, mas dei-me conta de que alguns eram comedia, outros eram mais sérios e falavam sobre a crise da dívida ou sobre o VIH, por exemplo. Depois dos programas, uma das atrizes ia com o microfone e uma câmara pedir um comentário às pessoas que tinham assistido. Essas opiniões eram passadas no ecrã gigante e outras pessoas vinham juntar-se. Gerava interação comunitária e essas pessoas não viam a televisão prime-time, e em vez disso preferiam estes programas. Tudo era feito pela comunidade salvo o equipamento, que vinha da cidade. Coisas como essas podem ser feitas.
Processos políticos como a Primavera Árabe, o movimento Occupy ou o dos indignados comoveram sociedades com as suas posições. Crê que estes grupos têm potencial revolucionário?
– Creio que são importantes, mas há muitas outras coisas também revolucionarias que estão a suceder. Por exemplo, os desenvolvimentos comunitários e o trabalho em empresas. Alguma coisa dessa iniciativa, de fato, veio da Argentina post colapso. Gar Alperovitz trabalha sobre isso e informa sobre lugares como Cleveland, onde há uma rede de empresas cujos proprietários são os seus próprios trabalhadores. Cooperativas que começam a estabelecer ligações a nível internacional com outras empresas em Espanha. Hoje isso existe em vários lugares do país e é revolucionário. Não sei se alcançará uma escala capaz de mudar a sociedade, mas é uma das coisas mais importantes que estão a acontecer.
Uma jovem espanhola que participou no movimento de indignados em Espanha dizia que admirava a experiência de Occupy Wall Street porque no seu país reclamavam direitos que tinham perdido e nos EUA por direitos que nunca tiveram…
– É que aqui luta-se pelos direitos de outras pessoas. Nenhum dos que está no movimento Occupy e passa o tempo no parque Zuccotti é pobre. Todos têm, pelo menos, um prato de comida na mesa e não vêm dos bairros mais desprovidos. Essa gente não tem tempo para estas coisas. No entanto, creio que estão a conseguir chamar a atenção dos media em muitos aspectos. Os elementos que Occupy trouxe colocaram-se no centro da agenda nacional. Antes falava-se muito pouco da desigualdade, da fraude bancária, da compra das eleições. Estas coisas agora estão a ser discutidas. De facto, o slogan de “somos os 99% vs. o 1%” pode ler-se na imprensa de negócios e todos falam dele. Para além disso, estão a fazer coisas. Por exemplo, com o furacão Sandy de há um par de semanas, os primeiros a sair para ajudar foram os jovens de Occupy. Também estão a ajudar as pessoas que estão a ser desalojadas das suas casas pelos bancos: apoiam-nos para resistir ao desalojamento ou vão ao tribunal protestar. Por isso, pode transformar-se em algo muito construtivo. De facto, creio que o más importante que fizeram, que a maioria da imprensa não reconhece e de que ninguém fala, é que romperam a atomização da sociedade. Esta é uma sociedade em que as pessoas estão sós. É quase sociopático. As pessoas não se juntam para falar, ficam presos na televisão, no consumo de bens. Mas Occupy reuniu pessoas, pô-las a fazer algo de forma cooperativa. Abriu um espaço de discussão, interação. As pessoas estão a aprender a fazer coisas juntos e isso é muito importante, em especial numa sociedade como esta. Se durar, pode ser importante para inspirar mais grupos.
Pensa que deste movimento pode decorrer uma mudança mais profunda na sociedade?
– É um elemento entre outros. Há muitas coisas a acontecer no país. Este foi uma espécie de faísca e isso é visível. Foi visível no facto de que no dia seguinte a Zuccoti havia movimentos Occupy em todo o país e, na realidade, em outras partes do mundo. E passou apenas um ano, não pode dizer-se mais, mas foi muito bem sucedido. E se puderem associar-se a outros movimentos, como o das empresas recuperadas, pode ser muito interessante.
Um olhar sobre as redes sociais
O gabinete de trabalho de Noam Chomsky está repleto de livros. Entre duas estantes em forma da letra L que ocupam dois dos lados do compartimento, há apenas um espaço livre para alguns porta-retratos familiares. Não surpreende que Chomsky admita não ver muita televisão e que se informa a partir de “toneladas de leitura”. “Leio a imprensa nacional, a imprensa de negócios, a internacional. Um sem-fim de periódicos com um amplo espectro de perspectivas, inclusivamente conservadoras”, descreve. O cronista confessa então que antes deste encontro reviu os seus dados biográficos na Wikipedia.
“Eu uso a Wikipedia para algumas coisas. Se queres saber sobre matemática ou história medieval, está bem. Mas se se trata de algum tema contemporâneo e controverso, então há que ser muito cauteloso.”
E as redes sociais?
– Não tenho uma opinião porque estou fora de moda. Dizem-me que tenho uma conta de Facebook, mas não fui eu que a abri.
Atribuem-lhes um papel importante na Primavera Árabe.
– Aqui também têm um papel importante. Qualquer grupo ativista anuncia o que faz nas redes sociais para atrair pessoas para as suas atividades. Acho bem, não tenho nenhuma objecção contra isso. Mas o máximo que faço é ler ocasionalmente blogues. Creio que é uma grande coisa que qualquer possa dizer o que quiser na Internet, mas significa que 99% são coisas sem importância.
Costuma fazer-se a crítica de que afeta o jornalismo acelerando os processos e contribuindo para a perda de análises e de verificação de dados…
Por isso leio os diários e não as redes sociais. Mas na Primavera Árabe sucedeu algo de interessante. Em dada altura (o presidente do Egipto Hosni) Mubarak encerrou a Internet. A interacção cresceu porque em vez de twittear as pessoas falavam entre si e a organização avançou mais rapidamente. Quer dizer, acelera as coisas mas não tanto.
Fonte: Centro do Socialismo