No dia de proteção às florestas, a Amazônia pede socorro

Retirada de madeira ilegal na Terra Indígena Karipuna, registrada em 2019. Foto: Chico Bata/Todos os Olhos na Amazônia.

Por Catarina Barbosa.

Nesta sexta-feira (17) é celebrado o Dia de Proteção às Florestas, com os povos indígenas, comunidades tradicionais e ribeirinhas do Brasil vivendo em constante luta para defender a floresta e seus modos de vida da implantação de grandes empreendimentos e do avanço do agronegócio. Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato são unânimes ao pontuar que as violações de direitos humanos se intensificaram desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. 

Para Anderson Santos, advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no Mato Grosso do Sul, o desmonte de políticas públicas voltadas para a proteção das florestas foi pontuado pelo presidente da república como algo secundário. E isso vem gerando uma maior mobilização sobre o assunto.

“O atual governo sinalizou desde o tempo de campanha que iria afrouxar regras com relação ao meio ambiente. Ao assumir, tornou muito permissível diversas práticas ilícitas de desmatamento, queimada, exploração de garimpo em terras indígenas, exploração de madeira, derrubada das matas.”

“Tudo isso se tornou permissível com esse governo e estamos em um patamar muito grave com a Amazônia brasileira e o Pantanal aqui em Mato Grosso do Sul também”, diz ele. Para Santos, a devastação tem ligação direta com os interesses econômicos em áreas de florestas seja para o agronegócio ou outros empreendimentos.

Decreto sem fiscalização?

Na última quinta-feira (16), o governo federal publicou um decreto proibindo queimadas em todo o país por um período de 120 dias com o objetivo de reduzir o número de incêndios no período de seca, que vai de agosto até outubro.Esse ano, o governo federal antecipou a publicação do decreto proibindo as queimadas. Em 2019, o documento foi publicado no final de agosto e teve duração de 60 dias. Esse ano, a medida valerá por 120 dias, ou seja, dobro do tempo de 2019.

Mas apesar de considerar o decreto pertinente, Santos afirma que, na verdade, ele pode ser entendido muito mais como uma “cortina de fumaça” para esconder o real problema da devastação da Amazônia: o desmonte de políticas públicas na área do meio ambiente.

O problema está na fiscalização, na autonomia dos institutos, dos órgãos governamentais para poder fiscalizar e tomar medidas de combate a isso. Não é somente publicar um decreto proibindo as queimadas”, explica. Para ele, sem fiscalização, as queimadas vão continuar.

Santos reforça ainda que se a Fundação Nacional do Índio (Funai) pudesse realmente realizar operações de combate ao desmatamento ilegal de madeira, ao garimpo em terras indígenas, a realidade, sem dúvida, seria outra. Logo, ele considera o decreto insuficiente e

Tarde demais 

Já para André Cutrim Carvalho, economista e professor do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA), a medida veio com grande atraso e é apenas, uma resposta diante da pressão nacional e de investidores estrangeiros, mas que não reflete nenhuma política verdadeiramente compromissada com o meio ambiente da Amazônia.

Ele lembra que a ausência de políticas públicas voltadas ao meio ambiente é prejuízo para todos, porque a biodiversidade perdida não volta mais.

“Você tem toda uma diversidade que não se recupera. Com isso, você contribui para alterações climáticas e o aquecimento global. Só que, diante de um contexto de pandemia, nós temos a questão econômica e social. Ou seja, como o governo depois de ter descredenciado as instituições que faziam o controle do desmatamento e das queimadas, vai lidar com esse problema?”, pergunta Cutrim.

Ele detalha que há uma grande ligação entre desmatamento, queimadas e atividades ilegais envolvendo a floresta, tanto que as queimadas são uma consequência direta do desmatamento. Logo, para uma solução efetiva é preciso coibir o desmatamento por meio de fiscalização e de investimento em ações humanas que sejam feitas de forma integrada.

O especialista é incisivo: as ações precisam ser coordenadas e com a expertise de quem conhece a região. “Uma boa gestão ambiental precisa ser acima de tudo participativa. Você precisa integrar os agentes envolvidos, ouvir quem sabe dessa realidade.”

“No momento em que o governo coloca pessoas consideradas do alto escalão para tratar de problemas regionais e que muitas vezes  desconhecem a realidade, reproduzimos algo que já foi feito no passado da Amazônia: trazer modelos de fora para cá. Historicamente isso nunca deu certo.”

Exército não funciona

Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) – que não é ligado ao governo – o desmatamento da Amazônia em abril foi o maior dos últimos dez anos, com 529 km² da floresta derrubada. Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta uma grande quantidade de focos de queimadas no primeiro semestre de 2020 não só na Amazônia, mas também em outros biomas, como o Pantanal.

Para a indígena tupinambá Nice Gonçalves, de 30 anos, é inconcebível o discurso do presidente Jair Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão quanto a atuação do exército no combate ao desmatamento. Ela afirma que se houvesse mobilização os índices não estariam aumentando.

“Em abril nós batemos um índice alto de desmatamento nunca visto em 10 anos . O que está ameaçada não é só a vida dos povos indígenas, o verde, a floresta, a fauna, mas é a vida no planeta”, diz ela.

Edição: Rodrigo Durão Coelho.

Fonte: Brasil de Fato.

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