Por Camila Piacesi.
Parlamentares pressionam para a retomada do debate da prisão em segunda instância, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir, em novembro de 2019, que a prática é inconstitucional, visto que contraria o inciso nº 57 do art. 5º da Constituição, que garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O assunto é visto como uma das pautas bomba no Congresso Nacional. No Senado Federal, tramita o projeto do senador Lasier Martins (Podemos-RS), que altera o artigo nº 283 do Código de Processo Penal e instaura a prisão em segunda instância “em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado”.
Já na Câmara, o deputado federal Alex Manente (Cidadania/SP) decidiu apresentar requerimento de urgência, que permite a reabertura presencial imediata da comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 199 de 2019. A PEC altera os artigos 102 e 105 da Constituição Federal e garante a prisão em segunda instância somente para julgamentos após a aprovação da proposta e promulgação das duas casas do Congresso.
As atividades presenciais das comissões mistas e temporárias foram suspensas em março pela Câmara dos Deputados. A medida vale enquanto durar a pandemia do coronavírus. Por isso, para a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) o pedido “não faz o menor sentido”.
“Não faz o menor sentido que durante uma pandemia, enquanto as comissões, no geral, estão paradas, essa em específico volte a funcionar. Estamos hoje funcionando só com as comissões que sejam relativas ao coronavírus e comissões que tenham algum trabalho essencial”, afirma.
Os trabalhos na comissão especial da prisão em segunda instância estão adiantados. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, trabalha com a possibilidade de a votação ser realizada em dezembro, logo após as eleições municipais.
Para o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) a pressa na aprovação da PEC tem a ver com o fato de que a “agenda a ultraliberal, o desmonte do Estado nas garantias sociais e a agenda conservadora” são as que interessam ao governo Bolsonaro, que encabeça no Congresso Nacional pautas de privatizações de estatais e reformas, como a administrativa.
“O desmonte das garantias sociais caminham juntas com a agendas que infla o poder policial penal punitivo”, pontua Braga.
Já Bonavides ressalta que um dos motivos para o Congresso querer debater e aprovar a prisão em segunda instância em plena pandemia é por conta do populismo penal, visto que estamos em época de eleições municipais. “Essa forma inclusive eleitoreira com que esses setores fazem uso e jogam mesmo com a liberdade das pessoas para fazer barulho sob uma pauta”, denuncia.
Para tentar acelerar a votação o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS),o relator da PEC 199 de 2019, alterou o texto inicial e propõe que a prisão em segunda instância inicialmente só esteja aprovada na área penal. O objetivo é que a ampliação da proposta para processos trabalhista e cível fiquem para um segundo plano.
“Armadilha”
A membra da coordenação executiva nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Tânia Maria de Oliveira, alerta que a prisão em segunda instância, vista pela sociedade como a chave para combater a criminalidade, é, na verdade, uma “armadilha”.
“A privação de liberdade antes do trânsito em julgado só vai aumentar mais ainda a população carcerária no Brasil. Cerca de 40% dos presos são provisórios, aqueles que estão esperando o julgamento”, explicou.
A população carcerária no Brasil até junho de 2019 era de 773.151 presos, número que triplicou desde 2000, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, perdendo apenas dos Estados Unidos da América, China e Rússia.
Bonavides destaca que se a PEC for aprovada será muito prejudicial para a sociedade no ponto de vista penal e criminal, uma vez que coloca em risco a presunção da inocência e os direitos garantidos na Constituição.
“Hoje a gente tem uma reversão de cerca de um terço das decisões que chegam ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ). E na Defensoria Pública existe uma taxa de quase 50% dos recursos que ela entra como taxa de sucesso, que significa que pessoas inocentes podem ficar presas com a aprovação da PEC”, completou.
De acordo com dados do Monitor da Violência, a capacidade dos presídios é de 415 mil frente aos mais de 700 mil presos em regime fechado. Sendo tal população encarcerada constituída, em sua maioria, por pessoas negras, jovens, pobres e com baixa escolaridade que respondem por crimes contra o patrimônio (roubos e furtos) e pela lei de drogas (porte ou tráfico).