Por João Paulo Charleaux.
Pensavam estar sobre uma ilhota no meio do oceano. Mas, ao pouco andar, o montico de terra tremia e urrava, se revelando o dorso de um gigantesco animal marinho submerso. Assim é o PMDB: na maior parte do tempo, deixa à mostra na superfície a quinta parte de seu porte, como uma ilha tediosa em paisagem inerte. Mas basta o governo cravar nele a haste de um guarda-sol para que a criatura contraia a musculatura, arqueando o corpanzil pré-diluviano. Conversei sobre essa besta pedregosa com Pedro Simon, nas eleições presidenciais de 2014. O então senador era um dos poucos endócrinos a ter penetrado nas entranhas do bicho. De lanterna na testa, viu o que todo mundo suspeita: ninguém governa sem o PMDB no Brasil.
O partido de Simon – e de Cunhas, Calheiros e Temers – tem algo de Rasputin. Troca protagonismo por influência. Vive das gotinhas de sangue vertidas por pavões seduzidos pelos flashes momentâneos do poder. Com 2,4 milhões de filiados, o bichão nunca elegeu por voto direto sequer um presidente próprio, mas esteve em todos os governos desde a redemocratização: dos recentes Dilma Rousseff (2011 e 2014), Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998) e Luiz Inácio Lula da Silva (2002 e 2006), passando por Fernando Collor (1989) e Itamar Franco (1992), além de ter ocupado o Planalto com o maranhense José Sarney (1986), que assumiu sem ter sido eleito, após a morte de Tancredo Neves.
“Havendo governo, o PMDB adere”, me disse o cientista político Cláudio Couto, da FGV (Fundação Getúlio Vargas) nas eleições de 2014. “Ele não é o único partido desse tipo no Brasil – tem o PTB, o PR, o PSD -, mas sem dúvida é o maior deles”.
“O PMDB sempre ganha, sempre aposta em mais de uma campanha, põe os ovos em várias cestas e muda de lado para seguir fazendo parte do governo de turno. Não é exatamente isso que o partido está fazendo hoje quando apoia Dilma, na figura de Temer, e apoia ao mesmo tempo Marina, com o senhor, senador?”, perguntei a Pedro Simon, responsável por apresentar Marina Silva a Eduardo Campos, do PSB, nas últimas presidenciais enquanto Temer, seu colega de sigla, figurava de vice na chapa de Dilma. “Olha, eu podia até me ofender com a tua pergunta, mas infelizmente as circunstâncias do que está acontecendo fazem com que seja assim”, respondeu. “A única divergência contigo é a seguinte: não pense que a gente reúne o partido, uns e os outros, para decidir ‘tu vais pra lá e eu vou pra cá’. Se eu ganhar tu estás aqui; se eu ganhar tu estás lá. Não é isso, não. O grupo do PMDB que está no governo está lá, firme, dando cobertura ao governo: esteve com o Fernando Henrique e, quando ele perdeu, aderiu ao governo Lula. É sempre o mesmo grupo que ganha.”
Simon conta que essa história começou ainda no fim da ditadura: “Eu era contra Sarney assumir (depois da morte de Tancredo). Quem deveria assumir era Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara dos Deputados. A nossa Constituição diz que em caso de impedimento, morte, doença, viagem, férias do presidente, quem assume é o vice, mas Tancredo ainda não tinha assumido como presidente. Faltavam 24 horas para ele assumir quando teve a doença e não pode assumir. Se Tancredo melhorasse de saúde, voltaria. Se morresse, como morreu, seria convocada uma nova eleição. Foi a partir deste momento que tiveram início as divergências: de um lado o PMDB que ficou com Sarney e gostou do governo, se acomodou no governo; de outro o PMDB de Ulysses, que continuava na mesma linha. A partir daí, o caminho do PMDB ficou difícil.”
Por essa lógica, nada mudou na recente sanha de Cunha por derrubar a presidente. Esse seria, assim, só mais um bote do velho animal de hábitos noturnos, que salta velozmente de uma relação comensal para algo puramente predatório. Suga a seiva enquanto lhe convém, para, em seguida, se revelar um aproveitador letal, cuja existência já não tolera a presença do organismo antes parasitado.
A julgar pela recente nota da direção nacional do partido, entretanto, o bichão ainda vê vantagem em seguir sendo governo. Depois do chilique de Cunha, que chamou a imprensa para avisar que havia rompido com Dilma, a sigla veio com essa: “A manifestação de hoje do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é a expressão de uma posição pessoal, que se respeita pela tradição democrática do PMDB. Entretanto, a Presidência do PMDB esclarece que toda e qualquer decisão partidária só pode ser tomada após consulta às instâncias decisórias do partido: comissão executiva nacional, conselho político e diretório nacional.”
Três anos de governo não é pouco. O tempo que resta até a eleição de 2018 deve ser usado pelo PMDB para continuar fazendo simultaneamente os papéis de situação e oposição, serpenteando entre as oportunidades com a única intenção de seguir no poder.
Fonte: http://jpcharleaux.com/2015/07/18/ninguem-governa-sem-o-pmdb/#more-497