NeTrans: UFSC tem primeiro grupo de pesquisa do Brasil criado por estudantes trans

    Foto: Divulgação.

    Por Erick Souza.

    Três anos após concluir sua graduação, Juno Nedel retornou a universidade para ingressar na pós-graduação e se tornar, assim, o primeiro estudante trans no mestrado em História da UFSC. A recepção da academia à sua nova identidade foi o principal motivo que o manteve longe dos estudos por tanto tempo. “Os professores não sabiam lidar com a minha transição, que foi bem no meio da graduação”, comenta Juno que ainda não sabia como se apresentar, apenas não se identificava com a identidade cis gênero heterossexual. Cis gênero diz respeito às pessoas que se identificam com o mesmo gênero com o que lhes foi designado no registro social logo após o nascimento; e heterossexual refere-se à identidade sexual cuja atração sexual é direcionada ao sexo oposto.

    Hoje, Juno se reconhece como não-binário — termo utilizado para identidades de gênero que não são exclusivamente femininas ou masculinas — transmasculino e apesar de ter sido o primeiro aluno trans do mestrado na História, não foi o único da UFSC a chegar na pós-graduação. Com o crescimento do número de pesquisadores surgiu a possibilidade de construir um grupo de resistência trans no espaço acadêmico.

    Criado pela doutoranda Gabriela da Silva e pela mestranda Maria Zanella em maio de 2018, o Núcleo de Pesquisas e Estudos de Travestilidades – Transexualidades – Transgeneridades (NeTrans) da UFSC é o primeiro grupo de pesquisa universitária do Brasil criado por pessoas que se reconhecem como transgênero. Desde então, tem reunido pesquisadores com o intuito de produzir estudos sobre gênero e transgeneridade. A união desta comunidade na Universidade funciona também como uma estratégia para reconhecimento no espaço acadêmico. “A partir do momento que existimos aos olhos da academia, geramos uma demanda”, observa Gabriela que foi, também, a primeira pessoa trans do doutorado em Educação.

    Gabriela é professora da rede pública de ensino há 30 anos, mas só teve sua identidade oficialmente reconhecida onde trabalha a partir de 2018. Até então, a professora dependia apenas do uso do nome social no cotidiano. O nome social foi instituído em 2016, como reconhecimento da identidade de gênero e permite aos cidadãos o reconhecimento da utilização de um nome diferente ao que foi registrado no nascimento. Essa medida foi criada para reparar a falta de legislação para reconhecimento da identidade de gênero de pessoas trans. Desde 2016, a inclusão do nome social e o reconhecimento de gênero pode ser requerida para documentos oficiais e registros dos sistemas de informações da administração pública federal.

    “Já ouvi diversos comentários preconceituosos na escola, não dos alunos, mas dos meus próprios colegas de trabalho”, relata Gabriela que trabalha com a educação de jovens e adultos, o EJA. A discriminação e violência cotidiana é responsável também pela alta taxa de evasão escolar de pessoas trans, onde cerca de 82% não concluem seus estudos, segundo pesquisa do defensor público João Paulo Carvalho Dias, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil e membro conselheiro do Conselho Municipal de LGBT.

    O número de pesquisadores e pesquisadoras transgêneros é menor que o de pesquisadores cis, mas essa taxa aumenta quando se procura por pessoas trans negras. Feibriss é doutoranda em Tradução na UFSC e se autodenomina como “bixa preta transviada”, ressaltando a identificação da raça enquanto afirma sua identidade. Dentro de sua pesquisa de tradução, Feibriss busca dar visibilidade à bibliografia de pesquisadoras trans e negras e levantar a discussão de etnia dentro desses trabalhos: “Participar do NeTrans e produzir pesquisa é também uma forma de reivindicar esse espaço para pessoas trans e negras.”

    Em seu segundo ano de atividade, o Núcleo possui projetos envolvendo toda a comunidade acadêmica. Desde a produção de revista e cartilhas sobre a população trans, como também um seminário para exposição das pesquisas que vêm sendo realizadas sob o nome do grupo e a criação de edital para a publicação de um livro, além de reunir mais alunos ao Núcleo. Até então, a professora Olga Zigelli Garcia, mulher cis, do curso de Enfermagem da UFSCtem sido a líder do Núcleo, enquanto a professora Gabriela conclui o doutorado.

    Dia da Visibilidade Trans

    Dia 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans em homenagem à primeira campanha nacional idealizada e organizada por pessoas trans para promover respeito e cidadania, que aconteceu em 2004. O dia tem sido lembrado desde então como uma data especial para levantar as pautas da comunidade trans e discutir suas demandas dentro do Brasil, país que está em primeiro lugar no número de mortes de pessoas transgêneras, segundo pesquisa da ONG Transgender Europe.

    Coordenadoria de Diversidade Sexual e Enfrentamento da Violência de Gênero (Cdgen)

    Na luta contra a discriminação e o preconceito contra LGBTs, a UFSC conta com a Coordenadoria de Diversidade Sexual e Enfrentamento da Violência de Gênero (Cdgen) da Secretaria de Ações Afirmativas (SAAD). A Coordenadoria promove eventos e abre discussões sobre as demandas da comunidade, além de campanhas junto à SAAD em defesa da diversidade de gênero e raça.

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