Circula pela rede a triste foto de um homem e uma menina (pai e filha), segundo consta salvadorenhos, mortos, na beira do Rio Bravo, o rio que separa os Estados Unidos do México. Os dois são um número a mais na trágica contabilidade da migração. Todos os dias um corpo boia naquele rio. Mas, essa cena, em particular, é dolorosa porque envolve o corpinho de uma criança de dois ou três anos. Toda a tragicidade de um povo que sai de suas casas, suas cidades, seus países, porque não suporta mais a miséria, a fome, a violência e caminha em direção ao anunciado “eldorado” que são os Estados Unidos.
Mas, lá, ninguém os quer. É um paradoxo. Porque nos seus países de origem essa gente também é vista como lixo, um atrapalho ao desenvolvimento. Como se sua pobreza não fosse consequência da exploração e da riqueza de uns poucos.
A foto do pai e filha afogados inundou a rede. Todo mundo compartilha alucinadamente. Mas, ao que parece, fica tudo no reino da sensação. Um espetáculo que logo será substituído por outro espetáculo. A morte como espaço de “likes”. E enquanto isso, as mesmas pessoas que por um dia ou dois ficarão chocadas com a cena são as mesmas que apoiam políticos que odeiam migrantes. É um carrossel de horrores.
Exatamente agora milhões de pessoas se movem no mundo, fugindo da dor e da fome. E em cada canto desse planeta haverá uma criança morta, uma mulher violada, um homem despedaçado. São os fugitivos do capitalismo, as vítimas do capital. Pessoas que se transformam em números, estatísticas. Pessoas que alimentam a grande roda do sistema que come gente. Porque para que um viva bem, outro tem de morrer.
Essas pessoas em eterna caminhada não são “sensações”. Elas carregam dentro delas um mundo, têm sonhos, histórias, esperanças. Não são números, são criaturas singulares, únicas, que significam algo par alguém.
Suas mortes na montanha, no rio, no cárcere, não podem servir para alimentar o reino das sensações ou as curtidas no livro das caras. Elas devem servir como espelho para que enxerguemos nossa própria tragédia como humanidade, ainda incapaz de constituir um tempo de riquezas repartidas e de bem viver para todos. Um tempo que precisa chegar, antes que seja tarde para todos nós.
Andar pelo mundo deveria ser uma escolha e não a única alternativa para seguir vivo.
Que se acabem as fronteiras. Nenhum ser humano é ilegal!
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Elaine Tavares é Jornalista em Florianópolis.
Mais um artigo primoroso da brilhante jornalista e escritora Elaine Tavares.