O fundador da ONG catalã Proactiva Open Arms, Óscar Camps, dedicou alguns minutos ao jornal Il Manifesto, enquanto o navio da sua organização estava em seu oitavo dia sem um porto de desembarque para os 121 náufragos a bordo.
Camps mantém a serenidade: “Vamos resistir”. A Open Arms nasceu com a crise dos refugiados em Lesbos. A Itália acaba de aprovar uma lei draconiana precisamente contra as ONGs, com multas e penalidades altíssimas.
A reportagem é de Luca Tancredi Barone, publicada por Il Manifesto, 09-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que você acha do decreto de lei Sicurezza Bis?
Por mais que o deseje, um governo não pode mudar o direito do mar e as convenções internacionais como quiser. É claro, ele pode aprovar leis e perseguir tudo o que quiser, mas não pode inventar regras que não são aplicáveis. Tudo isso me lembra quando, em 2017, o então ministro Minniti nos obrigou a assinar o código de comportamento, que segundo ele punha ordem no “caos” do Mediterrâneo, como se as associações pudessem fazer o que quisessem e não obedecessem às decisões da Guarda Costeira, que coordena esse tipo de ação. Era simplesmente uma jogada eleitoreira, e me parece que hoje é a mesma coisa. Salvini deve mostrar que está fazendo alguma coisa. Em alguns anos, ele se envergonhará do procedimento.
Ele se envergonhará ou os 40% de italianos que o apoiam?
Aqueles que o apoiam não admitirão que fizeram isso. É de uma baixeza moral inédita prever multas para as ONGs que salvam vidas humanas quando não está em andamento nenhum tipo de operação, nem militar nem civil, de resgate. Em vez disso, parece-me uma clara estratégia diversionista para não falar da recessão econômica, do crime organizado, dos interesses petrolíferos na Líbia ou dos 65 milhões de dólares russos da Liga. Quatorze mil mortos no mar me parecem um dado bastante vergonhoso para que os políticos o levem a sério. No fundo, somos quatro nerds de Badalona em um barco emprestado. Não é possível colocarmos um país inteiro em xeque, é ridículo.
Vocês pretendem entrar na Itália ilegalmente, como Carola Rackete?
Exatamente como a capitã alemã, nós não premeditamos nenhuma entrada nas águas territoriais italianas. Estamos tentando obter a autorização para atracar utilizando todas as vias legais à disposição. O pedido ao Tribunal dos Menores, mas também o contato com líderes europeus como Merkel, Macron e Sánchez. Infelizmente parece que a União Europeia está de férias.
O governo Sánchez não parece estar tratando vocês melhor do que o governo italiano.
Eles ameaçaram nos dar multas e restringir o nosso direito à navegação. Mas veremos se eles realmente podem fazer isso. O conteúdo do decreto do Ministério dos Transportes espanhol, na nossa opinião, não se aplica a casos de emergência. Por outro lado, é muito contraditório que o Ministério das Relações Exteriores espanhol diga em seu site que desaconselha aos espanhóis a irem à Líbia, e depois o ministro das Relações Exteriores, Borrell, nos diga para levar os migrantes de volta para lá.
Você acredita que se encontrará uma solução para as 121 pessoas a bordo do seu navio?
Desde as eleições do ano passado, na Itália, tivemos mais problemas. Mas não houve um único caso que, no fim, não tenha sido resolvido. Este também será. Só que, se realmente serão necessárias duas semanas para que os 28 líderes da União Europeia tomem uma decisão como essa, eu não ouso imaginar quanto tempo levará para qualquer outro problema.
Vocês são um barco no Mediterrâneo, vocês têm todos os governos contra vocês. Como pensam em vencer a batalha?
Não se trata de vencer, eu não tenho a responsabilidade de salvar o mundo. Devemos apenas resistir. E devemos fazer isso porque somos uma resposta cidadã para mudar as coisas, como a água que começa a ferver a partir de baixo. Nem toda a Itália é Salvini, nem toda a Espanha é Sánchez. Milhões de pessoas nos apoiam, talvez até mais do que os nove milhões de votos de Salvini. Queremos que os políticos se envergonhem dessa situação e assumam a sua responsabilidade. O caso de Carola deu a volta ao mundo. Devemos tornar esse conflito midiático.
Quem apoia vocês?
Existe toda uma rede de cidadãos que se opõem à inação deliberada da classe política sobre os direitos humanos. Há uma aliança de 12 cidades (incluindo Milão, Nápoles, Bolonha, Palermo, mas também Berlim, Barcelona e Valência) que pressionam os governos. Devemos humanizar aquilo que eles estão desumanizando. E colocar a Terceira Guerra Mundial no centro do debate.
A Terceira Guerra Mundial?
É uma guerra contra os direitos humanos e contra os pobres. Porque os imigrantessão apenas os pobres, não os ricos.