Por João Baptista Herkenhoff.
O espírito natalino está incendiando a face da Terra.
Vejo com simpatia os gestos de fraternidade inspirados pela comemoração do Natal. Se resultam de um espírito puro, de uma volta para o próximo, de uma germinação de boa vontade, esses gestos fraternos merecem reverência.
São gestos que se situam num curto espaço de tempo?
Sim, mas podem levar as pessoas e grupos que os praticam a uma reflexão mais profunda.
Que significa o presépio de Jesus?
Que pede a todos nós aquela manjedoura?
É compatível com o testamento cristão um mundo de exclusões, uma sociedade dilacerada entre os que têm tudo e os que nada têm?
Esse presépio não convoca quem é cristão a mudar tudo de lugar?
Essa manjedoura não pede a coragem de subverter para ordenar?
A Bandeira do Brasil consagra o lema Ordem e Progresso, enunciado pelo positivista Augusto Comte: O Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso por fim.
Ordem, na perspectiva do presépio, é estarem as coisas onde devem estar: todos os seres humanos convidados para a mesa, o trabalho, o crescimento espiritual, a esperança, a vida.
Como pode ser instituída no mundo a ordem, que a estrela de Belém reclama, sem quebrar as estruturas da desordem que dividem os humanos entre “seres” e “não-seres”?
Podem os cristãos:
não se escandalizarem em face das multidões sem casa, sem saneamento básico, grávidas sem proteção, crianças fora da escola, crianças de rua que a hipocrisia reinante chama de pivetes?
limitar as preocupações aos muros da própria casa e ainda assim declararem-se cristãos?
dar as costas para a política, como se a política tivesse de ser, por destinação, uma coisa feia?
Parece que a reflexão correta conduz a compreender que todos somos “animais políticos” como, já na velha Grécia, dizia Aristóteles.
Natal é denúncia da exclusão. Natal é apelo à inclusão. Natal é imolação de egoísmos. Não importa se construir esse universo de incluídos é tarefa de grande monta e exige muita luta. O importante é saber a direção. A estrela de Belém guia o trajeto.
No Espírito Santo o tempo de Natal relembra o assassinato do Padre Gabriel Maire (23 de dezembro de 1989).
O crime ainda não foi esclarecido. Há duas circunstâncias extremamente relevantes, envolvendo o caso:
1) o Padre Gabriel Maire (pintura) era adepto da Teologia da Libertação. Denunciou a injustiça de terras urbanas sem uso social. Sua pregação mexia com interesses econômicos;
2) o sacerdote morreu portando no braço um relógio francês de grande valor, que podia ser retirado do pulso até por um aprendiz de furto. Este fato elimina a hipótese de ter ocorrido latrocínio.
João Baptista Herkenhoff, Juiz de Direito aposentado, professor, um dos fundadores e primeiro presidente (1976) da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória. Autor, dentre outros livros, de Direitos Humanos – uma ideia, muitas vozes (Editora Santuário, Aparecida, São Paulo).
E-mail: [email protected]
Site: www.palestrantededireito.com.br