Por Gabriel Brito e Gabriela Leite, Outra Saúde.
Na última quarta-feira, 10 de maio, aconteceu um movimento importante em Brasília: foi lançada a Frente Parlamentar Mista do Sistema Único de Saúde (SUS), no Congresso Nacional. No evento de lançamento, estavam presentes parlamentares e representantes de entidades da sociedade civil que lutam pela saúde pública. Essa formação política traz em si duas marcas importantes: o início de um governo de base popular com comprometimento com a saúde pública é uma delas. Em segundo lugar, o fim de uma pandemia que teve efeitos devastadores entre os brasileiros, mas que fez crescer a confiança e o reconhecimento popular do SUS.
“Queremos debater os desafios que temos para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, principalmente depois desses anos, em que nós tivemos uma desinstitucionalização e desinvestimento, com vários tipos de sucateamento”, afirmou a deputada Ana Pimentel (PT-MG) ao Outra Saúde. Seu mandato foi o responsável pelo lançamento da Frente.
Trata-se de uma iniciativa que visa debater os desafios e lutar para defender o sistema de saúde no Brasil. Diferente de outras articulações parlamentares voltadas à área da saúde, essa nova Frente é focada exclusivamente no SUS, explica Ana. Ela conta que a Frente Parlamentar do SUS buscará a adesão de um grande número de deputados e senadores, com o objetivo de se consolidar e ganhar força nos próximos meses.
Ana lista, entre os desafios iniciais da chamada “Bancada do SUS”, três principais: a articulação política com movimentos sociais que estão há décadas participando da construção e nas reflexões do SUS; a articulação para agir nos projetos de lei que estão em andamento no Congresso; e a relação com o poder executivo e com o ministério da Saúde. “Sabemos que esse é um momento de reconstrução do país, o ministério da Saúde tem à frente a primeira ministra mulher da história, comprometida com a agenda que nós entendemos ser central no atual momento da saúde no país”, defende ela.
Para a deputada, uma pauta incontornável é a do financiamento do sistema público de saúde. “Precisamos fazer uma ampla discussão sobre o modelo de financiamento do SUS, pois o atual é insuficiente”, reflete ela, que acredita que é preciso encontrar saídas para garantir mais acesso e qualidade, além de assegurar que o uso do recurso público seja ético.
Ainda no tema econômico, Ana afirma que uma das posições da Bancada do SUS é a defesa de que a Saúde fique fora do “arcabouço fiscal” proposto pelo ministério da Fazenda de Fernando Haddad. Essa posição dá-se “em favor de uma política econômica que de fato coloque centralidade no investimento na saúde”.
Ao que se aproxima a 17ª Conferência Nacional de Saúde, também é possível pensar em articulações dos parlamentares com a sociedade civil para a reconstrução do SUS. A deputada acredita que será um momento de grande importância: “É um momento histórico para o SUS, histórico para a nossa população e a nossa expectativa é que a Conferência seja o encontro com a nossa história, para que a gente desenvolva, articule estratégias de reconstrução de um sistema de saúde tão importante para o momento do país”.
Fique com a entrevista completa.
O que você comenta do lançamento da Frente Parlamentar Mista do Sistema Único de Saúde, promovido nesta quarta, 10 de maio? Quais as novidades que ela apresenta em relação a outras articulações políticas e parlamentares voltadas à área da saúde?
As frentes relacionadas ao setor eram frentes gerais, “Frente da Saúde”, como já existia na Câmara. Essa nova frente tem a especificidade de ser uma Frente do SUS. Portanto, queremos debater os desafios que temos para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, principalmente depois desses anos, em que nós tivemos uma desinstitucionalização e desinvestimento, com vários tipos de sucateamento. Assim, a principal motivação da Frente é se debruçar de fato sobre os desafios do SUS.
A frente representa um novo momento de compreensão do significado do SUS pela população? Dentro do parlamento, qual seria seu alcance neste momento inicial?
É uma iniciativa conectada com movimentos e associações, e que a partir de agora começa a busca de fortalecimento dentro da Câmara e do Senado. Temos a expectativa de incorporar muitos deputados e senadores, pois temos encontrado uma boa adesão às propostas. Vamos fazer um esforço grande para que a Frente consiga envergadura nesses primeiros meses de existência, ainda neste semestre.
De fato, temos uma avaliação de que depois da pandemia a discussão em torno do SUS ficou muito mais forte, com tudo que significou a campanha de vacinação e também a capacidade do SUS em responder à pandemia mesmo tendo um Governo Federal que o atacava. O SUS mostrou sua importância e os deputados e senadores estão sensibilizados. Por isso acreditamos ter muito potencial de construir essa bancada do SUS de maneira muito forte.
E quais seriam os desafios iniciais desta “Bancada do SUS”?
Sabemos que existem dentro da bancada da saúde muitas motivações e interesses, que de modo geral disputam a agenda pública da Saúde dentro do Congresso. No nosso entendimento, o principal desafio da nossa Frente é organizar lutas pela Saúde dentro e fora do âmbito do Congresso. Até porque, apesar do caráter parlamentar, ela se articula com as entidades, associações e movimentos sociais que também atuam para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Nossa bancada se articula junto com a sociedade civil, notadamente com movimentos, associações, entidades, como vimos no lançamento. Ontem mostramos essa força que está presente na Saúde. Uma das falas do evento destacou a centralidade de recuperar a nossa articulação coletiva para a sustentação e fortalecimento do SUS.
A primeira questão importante é a dimensão da articulação da Frente com atores que estão na luta pela saúde pública desde antes da Constituinte, através do movimento sanitarista. Nosso primeiro objetivo é a articulação política, manter essa congregação com tais atores, como o Conselho Nacional de Saúde.
A segunda dimensão é a articulação para interferir nos projetos de lei que hoje estão tramitando tanto no Senado como na Câmara. Um exemplo é o projeto de lei de regulamentação da profissão de sanitarista, que nós viemos acompanhando nesse último período – alguns profissionais correm risco de perder concurso por falta de regulamentação. Outra pauta importante do momento é a da proposta de liberação da comercialização de sangue e plasma. São duas pautas que já exemplificam o sentido da frente, que é acompanhar os projetos de lei relacionados à saúde pública de uma maneira geral e do Sistema Único de Saúde em específico.
Uma outra dimensão também muito importante é a articulação com o poder executivo, com o Governo Federal e o ministério da Saúde. Sabemos que esse é um momento de reconstrução do país, o ministério da Saúde tem à frente a primeira ministra mulher da história, comprometida com a agenda que nós entendemos ser central no atual momento da saúde no país.
Em relação ao ministério, o primeiro tópico é o orçamento do SUS. Nós temos uma luta histórica para torná-lo mais adequado. Esse é um tema presente, forte, que nós vamos tocar. O segundo tema é a reconstrução do Programa Nacional de Imunizações, que faz cinquenta anos em 2023, uma agenda que o ministério abriu e nós queremos também dar bastante destaque.
Outro debate importante é a reorganização hospitalar no país, pois o governo colocou a redução das filas de cirurgias como meta. Dentro desta questão da redução das filas, entendemos ser importante ampliar a prioridade da atenção primária à saúde, que é uma política preventiva de filas e pauta histórica do movimento sanitarista brasileiro.
Outro ponto de atuação da Frente é a sensibilização da sociedade, ou seja, a disputa política do projeto originário do Sistema Único de Saúde, que é o nosso projeto civilizatório, a colocar saúde acessível a todos e como dever do Estado, sustentado nos princípios e diretrizes do SUS, ou seja, fazer essa discussão com a sociedade, nos meios de comunicação, nas escolas, em todos os espaços onde pudermos defender o projeto do SUS. E nós sabemos que existem disputas dentro da sociedade sobre a concepção. Fazer essa discussão com a sociedade é muito fundamental.
Dentro deste jogo parlamentar, muitos defensores da ampliação do SUS criticam o mecanismo das emendas parlamentares, que ficou conhecido como “orçamento secreto”, muitas delas usadas justamente na Saúde. Tais críticos apontavam que as emendas perdiam sua função original, davam poderes excessivos a parlamentares e, por tabela, produziam descoordenação de políticas que fundamentalmente devem ser organizadas pelo ministério. O que a Frente pela Saúde Pública pensa disso?
O nosso desafio é fazer com que as emendas sejam geridas dentro das linhas estratégicas do governo, de fortalecimento do SUS, ou seja, que as emendas estejam vinculadas à concepção do ministério da Saúde, às políticas e programas que o ministério coloca como prioridade. Nesse caso as emendas contribuiriam para o fortalecimento de um projeto coordenado, estruturado e interfederativo, a articular municípios, estados e governo federal.
O nosso entendimento é de que tem de ser nesse sentido o direcionamento das emendas. Qualquer modificação prejudica mais do que beneficia o SUS. Elas precisam caminhar no mesmo sentido do orçamento do sistema público.
Assim, entramos em outro tema, que é o próprio financiamento, que se baseia muito na tabela do SUS. Queremos fazer outra discussão, que coloque o financiamento dentro de uma lógica de cuidado, não de procedimentos realizados. De alguma maneira isso também se articula com o tema das emendas. Precisamos fazer uma ampla discussão sobre o modelo de financiamento do SUS, pois o atual é insuficiente, de maneira que precisamos encontrar saídas para garantir mais acesso e qualidade para a população e que o uso do recurso público também seja ético, republicano, evite as situações que nós acompanhamos, denunciadas no último período.
Em julho teremos a 17ª Conferência Nacional de Saúde em Brasília. Além disso, conferências livres em municípios e estados se espalham pelo Brasil, até que tudo culmine no encontro marcado para a capital federal, quando inúmeras elaborações e sugestões de políticas públicas serão entregues ao governo. Como a Frente se conecta a este momento e enxerga a Conferência deste ano?
A Conferência deste ano é um encontro com a nossa própria história. No meu entendimento esse evento é tão importante quanto a 8ª Conferência (1986), que foi um marco de encontro das diferentes concepções e projetos que existiam em torno da construção do SUS, e que foi tão importante para articular e de fato viabilizar o sistema.
Depois desses últimos anos, de muitos ataques à Saúde, de todos os retrocessos que nós tivemos, eu entendo que essa Conferência é a da reconstrução do SUS. Ela é muito importante. Nós vamos trabalhar muito, já temos programação em nossas bases em Belo Horizonte, onde podemos ter uma inserção mais territorial e promover a Frente parlamentar pelo SUS nas conferências locais. Elas podem ser espaços de articulação, por exemplo, contra os projetos de mineração do governo Zema, dentre outras atividades transversais que poderão fortalecer o SUS.
É um momento histórico para o SUS, histórico para a nossa população e a nossa expectativa é que a Conferência seja o encontro com a nossa história, para que a gente desenvolva, articule estratégias de reconstrução de um sistema de saúde tão importante para o momento do país.
Neste sentido das articulações com outras pautas sociais, qual o potencial de transversalidade das iniciativas desta nova frente parlamentar?
A proposta é exatamente trabalhar com a concepção de saúde pública de modo a entendê-la como resultado dos modos de produção que marcam a nossa sociedade. Portanto, sim, nós vamos transversalizar a saúde com temas como meio ambiente, agrotóxicos, produção de alimentos. Todos esses temas estão muito relacionados com a discussão da saúde e a nossa perspectiva é abordá-los de maneira muito articulada. Queremos conectar saúde com a agenda do Bem Viver, do meio ambiente, da alimentação saudável, fazer debates estruturantes, de segurança alimentar, combate à fome.Na economia também vamos colocar nossas posições, o que na minha visão significa tirar a saúde do arcabouço fiscal, por exemplo, e garantir um orçamento mínimo. São vários os motivos para considerar fundamental a retirada da saúde das novas regras fiscais e este é outro tema transversal, em favor de uma política econômica que de fato coloque centralidade no investimento na saúde.
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