Por Joana Rozowykwiat.
Realizado apenas dois dias após o aniversário de 30 anos da Constituição Cidadã, este pleito não é só uma disputa de projetos. É um duelo entre civilização e barbárie.
De um lado, estão candidaturas que, apesar de muito diferentes entre si, pertencem em maior ou menor medida ao campo democrático. Do outro, há o candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), um militar reformado, caricatura perigosa e estranha. Ultraconservador nos costumes, ultraliberal na economia – uma combinação que, para se viabilizar, caminha junto ao autoritarismo.
Pesquisas de intenção de voto apontam que a eleição deverá se resolver no segundo turno, entre Bolsonaro, que está à frente, e Fernando Haddad, postulante do PT que substituiu o ex-presidente Lula na disputa, depois de ele ser impedido de concorrer.
À medida que este cenário começou a se consolidar, a mídia e os demais candidatos passaram a tentar construir a imagem de que esta é uma eleição polarizada entre extremos. Se a pecha de extremista encontra guarida no discurso pró-ditadura, de exaltação da tortura, da violência, do machismo, da homofobia e do racismo de Bolsonaro, o mesmo não pode se dizer em relação a Haddad.
Não só pelo perfil moderado do professor universitário, mas também pela experiência dos 13 anos de gestões petistas, que desautorizam qualquer tentativa de classificar o partido como extremado. Lula e Dilma fizeram governos de conciliação, que promoveram grandes avanços sociais, sem, contudo, mexer nas estruturas de uma sociedade ainda muito desigual. Haddad se propõe a dar passos adiante, embora tenha consciência da conjuntura adversa.
Mas apresentar ao eleitor a simples realidade tem sido um desafio, numa campanha dominada pelas fake news. Montagens, imagens manipuladas, informações falsas e teorias mirabolantes circulam nas redes sociais e pipocam nos celulares de brasileiros. Muitos irão votar sob o signo do engano, da desinformação e da distorção de fatos em razão do baixo nível de ataques feitos principalmente na internet.
Também a mídia tradicional tem contribuído para desequilibrar a disputa. Para além de editorais, comentários e reportagens que ora insuflam o ódio, ora o medo, os espaços dados às candidaturas também têm sido desiguais. Exemplos são as entrevistas de Bolsonaro na Bandeirantes, na Rede TV e na Record, que lhe conferiram uma exposição sonegada aos demais postulantes.
Diversas pesquisas mostram uma clara contradição entre o que o eleitor pensa sobre o Estado e a democracia e suas intenções de voto. De acordo o Datafolha, 69% dos eleitores brasileiros consideram a democracia a melhor forma de governo. É o maior apoio ao regime democrático registrado pelo instituto desde 1989.
Ainda assim, o primeiro colocado nas pesquisas é o candidato que elogia o golpe militar, que chegou a afirmar que não aceitaria o resultado das eleições caso não vença, questiona a lisura da urna eletrônica e cujo vice não descarta um “autogolpe”, nem mudar a Constituição sem a eleição de uma assembleia constituinte.
Outro levantamento, feito pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e divulgado pelo jornal Valor Econômico, mostra que o brasileiro defende que a economia do país deve ser regulada mais pelo Estado do que pelo mercado, que o Estado deve ser dono das empresas mais importantes do país e ser também o responsável pelo bem-estar da população e pela redução das desigualdades.
Exatamente o oposto daquilo que prega Bolsonaro, que tem uma plataforma antipovo, de desmonte do Estado, de ataque a direitos dos trabalhadores. Seu vice já teceu críticas ao 13º salário, ao adicional de férias e à estabilidade dos servidores. É a agenda que casa com os interesses do mercado, que migrou seu apoio para o PSL, após o naufrágio das candidaturas de Geraldo Alckmin (PSDB) e Henrique Meirelles (MDB).
Outro contrassenso desse momento histórico: o governo do atual presidente Michel Temer é reprovado por 82% da população, mas o primeiro lugar das pesquisas na disputa ao Planalto se propõe justamente a aprofundar o seu projeto neoliberal, com privatizações, mais ajuste fiscal e reformas que eliminam garantias sociais.
Embora se apresente como o candidato novo, contra tudo que está aí, Bolsonaro é velho conhecido das estruturas de poder. Em 26 anos no Congresso, aprovou apenas dois projetos. Seu patrimônio e de seus filhos multiplicaram-se na política e, embora ele diga que se coloca contra privilégios, nunca abriu mão dos seus, a exemplo do auxílio-moradia que recebia, apesar de possuir imóvel próprio.
O Brasil que vai as ruas nesse domingo passa por grave crise política, econômica e social. É o país dos 12,7 milhões de desempregados, do impeachment sem crime de responsabilidade, do “grande acordo nacional, com Supremo, com tudo”.
É o país que vê, às vésperas do pleito, o juiz Sérgio Moro divulgar delações já rejeitadas pelo Ministério Público, como forma de interferir na escolha do eleitor. Que assiste ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, dizer que em 1964 não houve golpe, mas “movimento”. No qual um candidato foi esfaqueado em ato de campanha e outro, que ganharia no primeiro turno a disputa, findou impedido de concorrer por estar preso em um processo sem provas, mas cheio de convicção por parte de seus algozes.
Por outro lado, é também o país criou o movimento #EleNão e levou uma multidão às ruas para rejeitar o candidato da extrema-direita e seu discurso de ódio.
Nesse 7 de outubro, os brasileiros – tão estimulados a desacreditar da política –terão a chance de se reconciliarem com sua história. Caso as pesquisas se confirmem, as forças progressistas e todos aqueles que defendem a civilidade e valores humanistas terão até o dia 28 para se unir e convencer o eleitor de que é preciso sufocar o micróbio do fascismo.
O país não pode naturalizar esse ambiente no qual livros são rasgados, vozes censuradas, as riquezas do país vendidas a preço de banana e mulheres, homossexuais, negros e pobres são tratados como cidadãos de segunda classe. O voto é a arma contra o autoritarismo, e a democracia, o único caminho possível.