Por Rosangela Bion de Assis, para Desacato.info.
Nas escadarias, bem perto da porta principal, um Cristo imundo, com um braço estendido, pedia.
Bienvenido no banner,
Ou, Atenção visitantes, bem menos cordial.
‘Adocica meu amor’ é cantada para ninguém,
com um microfone desligado.
Eu não iria citá-la, mas a pomba ficou tão paciente ao meu lado,
suas penas mescladas, pinceladas, quase me distraíram do olhar firme.
‘Adocica’ pegou sua caixa de papelão, fez uns gestos com a mão e foi,
a pomba também.
Eu fiz a primeira comunhão, mas foi na São Judas Tadeu
e minha vó alertou: os piores estão na Igreja.
Talvez por isso não tenham me acompanhado no esperado dia de usar o vestido branco, com véuzinho.
Do alto da escadaria, me senti protegida,
lembrei na novembrada e dos degraus preenchidos por desejos.
A Catedral sempre ao fundo.
E por falar em manifestação, surgem os trabalhadores do Deinfra,
ouço falar de prioridade, direito, insegurança, agonizando
e nas barraquinhas azuis nada chama atenção.
A faixa divulga a procissão dos passos,
dia 18 de março,
quem sabe,
culpa da Elaine, essa vontade.
Jesus levanta, caminha diante da porta sem entrar na Catedral,
olhar perdido,
a nota de dois reais amassada nos dedos.
Ali na Praça encontrei você,
foi no século passado,
enquanto meu irmão entornava o suco de laranja,
eu e você nos avaliávamos,
eu feliz, por estar usando o vestido que minha vó tinha feito,
você feliz por poder pagar o suco.
Era verão, e a Catedral ao fundo
30°, 16horas e 27minutos, todas as pombas desapareceram,
prenúncio da chuva que veio em seguida.
Calcei os chinelos, recolhi minhas anotações no papel,
como antigamente.
Sigo a passeata pela Tenente,
como ultimamente.
—
[avatar user=”Rosangela Bion de Assis” size=”medium” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]Rosangela Bion de Assis é jornalista, poetisa e presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul.
