Não somente a covid nos assombra. Por Elissandro Santana.

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Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

A pandemia pelo coronavírus é preocupante, mas ela não é a pior de todas, já que outras pandemias estão presentes no país desde a Colônia e matam emocionalmente, socialmente, culturalmente, politicamente, economicamente, eticamente e moralmente há séculos. Estas outras pandemias às quais me refiro estão para além de uma questão sanitária, elas são morais, culturais e políticas.
Acerca da Covid-19, a OMS afirma que a maior parte dos pacientes pode ficar assintomática, mas alguns casos podem exigir internação hospitalar em decorrência de dificuldade respiratória. Ademais, dos contaminados que manifestam a face mais severa da doença, muitos podem precisar de tratamento para a insuficiência respiratória a partir de maquinários, pois sem este suporte o risco de morte aumenta consideravelmente.
Sobre esta enfermidade que é provocada pelo coronavírus, SARS-CoV-2, é importante salientar que quando instalada no hospedeiro, pode provocar um quadro clínico que oscilará de infecções assintomáticas a situações complexas respiratórias e isso é terrível, mas as outras pandemias são ainda mais letais, tendo em vista que matam a nossa alma aos poucos, devagar ou, também, de forma abrupta, dependendo dos contextos e das configurações políticas, principalmente, em países nos quais o culto ao neoliberalismo beira o fundamentalismo.
No tangente à Covid-19, cabe destacar que mesmo que estejamos tateando concernente ao tratamento e busca por cura, não fomos vencidos completamente, portanto, nos resta algum fio de esperança, por isso, se a comparamos com as outras pandemias que nos assolam há anos, às vezes, imperceptivelmente, em outras ocasiões, de forma cruel e brutal, estamos melhores.
Dentre as pandemias que fazem parte do Brasil há séculos, estão o racismo, a destruição ambiental, o fundamentalismo religioso, a ignorância-maldade política, o culto ao neoliberalismo, a desinformação e a ganância das elites.
Concernente à pandemia do racismo, esta é uma doença-crime estrutural-institucional que se alimenta da ignorância e de gotas de maldade. Quem é acometido por este vírus desenvolve um jeito de ser e de pensar pautado na ideia equivocada de que há grupos humanos distintos e que alguns destes são superiores aos demais, tudo isso ancorado na perspectiva de que características físicas determinam caráter, cognição. Os acometidos pelo racismo possuem opiniões pré-concebidas que cantam as diferenças biológicas não como um culto à diversidade, mas ancorados na noção de superioridade de acordo com uma visão matriz racial hierárquico-hereditária bizarra.
A outra pandemia é a destruição ambiental. Esta doença desencadeia desequilíbrios como mudanças climáticas, o tal do aquecimento global, a extinção de espécies vegetais, animais e destruição em massa de ecossistemas e biomas que comprometem a própria existência do destruidor e dos demais seres que habitam a nossa Casa Comum.
Temos também o fundamentalismo religioso e este, na atualidade, é o vírus, talvez, com o maior poder de contaminação. Os contaminados pelo fundamentalismo religioso veem o mundo apenas como caminho de mão única, percurso que deveria ser seguido por todos. Eles, os que sofrem desse mal, se baseiam na crença com alicerce na interpretação literal de livros sagrados, pois é, livros no plural, pois são muitos, sendo assim, o fundamentalismo religioso se manifesta em vários grupos. Eles, os contaminados, pregam que os dogmas de seus livros sagrados devem ser seguidos e obedecidos à risca. Os contaminados, geralmente, desenvolvem uma percepção erradíssima que rejeita, com veemência, e até com violência, todos aqueles que professam uma fé ou ideias diferentes das deles.
Em seguida, vem a pandemia causada pelo vírus da desinformação e este se instala dominando as mentes e preparando-as para o automatismo das fakenews, para o disparo de mensagens que não somente são mentirosas, mas que retroalimentam o projeto de controle por meio do que é falso. Esta pandemia se manifesta, principalmente, no cérebro com comandos para as mãos robóticas, nervosas, e olhos induzidos para os celulares em escritas escrotas intermináveis pelo whatsapp que contaminam na velocidade do click.
Como se não bastassem estas pandemias, temos aquela provocada pela ignorância-maldade política e todos aqueles que se contaminam se tornam zumbis em defesa dos projetos e seres mais medonhos no controle do país. O sintoma mais recorrente dos que sofrem desse mal é um vocalizar repetido como mito, messias, nosso presidente e o aparecimento de um verde-amarelo nos rostos com pinceladas de cores das bandeiras dos dois Estados mais bélicos do mundo, Estados Unidos e Israel. Estes zumbis também costumam repetir ladainhas como “bandido bom é bandido morto” e, pela condição de mentes dominadas, devido à carga viral, não se dão conta de que os maiores bandidos estão entre os que eles apoiam.
A outra pandemia, para mim, uma das piores de todas, é o culto ao neoliberalismo, pois esta se alimenta ou se vale de todas as outras para manter-se viva. Esta está presente em todos os outros seres contaminados pelo vírus da destruição ambiental, pela ignorância-maldade política e pelo fundamentalismo religioso, colonizando, principalmente, a mente e se manifestando a partir de desejos de consumo e sonhos de poder. Por último, temos o vírus central, a ganância das elites, este sim é o pior de todos os males, a pandemia principal, pois controla e gera todas as outras pandemias para a manutenção das estruturas de poder.
Por fim, saibam que, talvez, digo talvez, pois não sou um profissional das ciências biomédicas para me posicionar, a Covid-19 não nos destruirá completamente, apesar de já ter levado milhares de vidas e isso é muito triste, já as outras pandemias sim, pois elas minam nossas esperanças e sangue há muito tempo e aparecem de forma aparentemente suave, tanto que nem todos percebem que elas são o maior problema para o Planeta e para o resto de humanidade que resiste.

Leia mais: Carta dos corinthianos a Jair Bolsonaro

Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato. Doutorando em Projeto, linha de pesquisa em meio ambiente pela Universidade Internacional Iberoamericana – México.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

3 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns! Expressou a indignação da maioria! Há várias doenças que assolam nosso amado país de forma silenciosa e sutil. Belíssimo texto! Excelente colocação!
    ???

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