Não realização do Censo 2021 colocará Brasil em voo cego, diz cientista político

Cientista político vê cancelamento como ilustração do obscurantismo e ignorância dentro do contexto de arrogância e desorganização que impera no governo Bolsonaro

Foto: Simone Mello/Agência IBGE Notícias

A sabotagem do Censo 2021 pelo governo Bolsonaro vai colocar toda a adminstração pública brasileira em um voo às cegas. É o que aponta Luiz Felipe de Alencastro, cientista político e membro da Comissão Arns, em entrevista ao programa Revista Brasil TVT que foi ao ar no sábado (2). Ele ainda exemplificou, por meio da história, o mal que faz a falta de dados sobre o país, cobrou reação dos atores políticos, especialmente do Congresso Nacional, e considerou a não realização como uma situação de “obscurantismo e ignorância”, parte do “contexto de arrogância e desorganização que impera no atual governo”.

“Sem os dados do censo não dá para mapear o analfabetismo, não dá para saber sobre escolaridade, não dá para saber onde se precisam criar escolas”, exemplificou. “Há uma série de questões que decorrem do censo até a administração pública. É o censo que serve de base para os repasses do Fundo de Participação dos Municípios, que é uma transferência constitucional da União para os estados e o Distrito Federal. Ou seja, os municípios e os estados não vão saber como eles vão poder organizar a administração pública.”

O cientista político acrescenta que uma base fundamental e estruturada de dados viabiliza parcerias com organizações internacionais. “Alguns órgãos que têm colaboração com o Brasil – Banco Mundial, ONU, Organização Mundial de Saúde – têm de ter dados para poder analisar e efetuar convênios.”

Luiz Felipe de Alencastro lembrou ainda do manifesto público assinado por ex-presidentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo levantamento, em defesa do Censo 2021. Nele, afirmam que “nosso último censo ocorreu em 2010, e, sem ele, o Brasil se junta ao Haiti, Afeganistão, Congo, Líbia e outros estados falidos ou em guerra que estão há mais de 11 anos sem informação estatística adequada para apoiar suas políticas econômicas e sociais.” Assinam o documento Edmar Bacha, Eduardo Nunes, Eduardo Augusto Guimarães, Edson Nunes, Eurico Borba, Sérgio Besserman, Simon Schwartzman e Silvio Minciotti.

Congresso omisso

O anúncio pela gestão Bolsonaro-Guedes do cancelamento do Censo 2021 foi no dia 23 de abril, sob o argumento da falta de recursos. O Orçamento de 2021, sancionado pelo presidente da República, não prevê verbas para a realização do estudo. “Ora, isso é igual dizer que não tem dinheiro para o exército, para energia elétrica, para a saúde pública”, afirma Alencastro.

“Falta competência. Isso devia estar previsto há três anos, todo mundo sabe que o censo é realizado a cada dez anos. Isso já devia estar preparado, inclusive com o apoio do Congresso, que está se omitindo. É inacreditável que tenha sido uma reação de um ministro do Supremo para que as coisas se pusessem em marcha”. O especialista incluiu na cobrança por reação “prefeitos e toda a administração estadual”.

Informação fundamental

Para ilustrar a importância do censo Alencastro contou um pouco de como sua realização, ou não, impactou na sociedade brasileira. “O primeiro censo foi realizado em 1872, depois da Guerra do Paraguai. O governo não sabia quantos habitantes o país tinha e nem onde eles moravam, a faixa de idade.”

Foi durante o Estado Novo, entre as décadas de 1930 e 1940, que a pesquisa ganhou corpo. O entrevistado explicou que foi Giorgio Mortara, exilado italiano no Brasil, quem colocou o censo dentro das regras internacionais ao preparar o previsto para 1940. Afirma que foi com esse censo de 1940 “que deu para perceber o que era o Brasil. Eu vi várias vezes o Celso Furtado dizer ‘a minha geração, eu próprio, fomos conhecer o Brasil através da leitura do censo de 1940?”, conta, citando o economista brasileiro e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX. “Além de organizar o censo, o Mortara e os acessores dele recapitularam os dados de 1872, 1900 e 1920 e puderam fazer uma série de dados históricos sobre a população, sobre a cor, gênero e a evolução da população nos estados.”

Em 1970, conta ele, a ditadura impediu o critério cor. Então, como houve problemas também na edição de 1960 por conta das tensões políticas pré-golpe militar, o país ficou mais de 25 anos sem dados sobre a população negra. Só em 1976, com as primeiras pesquisas nacionais por amostra de domicílios (Pnads), “que é um mini-censo”, não se sabia qual era a situação desse grupo social. “Quando apareceu isso pela primeira vez nessas Pnads é que se tomou conciência de que a ideia de democracia racial no Brasil era uma falácia, uma falsidade, que a renda per capita tinha aumentado nos últimos 30 anos, mas a população negra continuava numa situação muito desfavorável, ela não aumentava na mesma proporção que os outros contingentes”.

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