Por João Gabriel Almeida, para Desacato.info.
Estava evitando escrever sobre as manifestações do dia 13 e 15, mas depois da leitura do texto corajoso de um grande companheiro e amigo, Tito Pereira, e de uma crítica rasa e esdrúxula de Valter Pomar ao texto de Eliane Brum percebi que sou parte de uma voz dissonante na interpretação dos fatos recentes e como tal preciso me posicionar.
Durante 2 anos me dediquei a uma leitura atenta dos testemunhos de Primo Lévi, sobrevivente de Auschwitz, e de relatos carcerários para tentar entender elementos do discurso dos poderosos. Já havia publicado algo sobre no início do ano passado. Eu endosso uma tese que considero de fácil compreensão: O capitalismo tem problemas que são parte de sua essência, disparidades, contradições que sempre estarão aí enquanto ele existir e afetam grande parte da população. O problema central é que romper com o sistema não é gostoso, é sofrido e estamos dispostos a acreditar em qualquer coisa antes de efetivamente arcar com o preço que custa gerar uma grande mudança social. Há um medo da mudança, pois ela implica mudar as bases pelas quais as pessoas constroem o entendimento do seu lugar no mundo. Durante todos os momentos do capitalismo, as classes dominantes criam um discurso: a culpa não é do sistema, há algum agente intruso “corroendo” a boa ordem das coisas. Basta eliminá-lo que tudo vai dar certo. No Brasil esse agente é historicamente a “pobreza”: índios, os loucos religiosos de Canudos e Contestado, os Quilombos, os Cortiços que contaminavam as cidades, as Favelas que promovem o tráfico, etc. etc. Nos momentos de maior crise isso se exarceba e vimos no Brasil é um acarretamento semântico:
Pobre é o problema . O PT é o partido dos pobres. O PT é o problema.
Junto a esse acarretamento semântico inerente das elites houve uma “overdose” simbólica. Ou seja, se apostou em concentrar todos os problemas sociais no PT. E deu certo. Vimos durante a eleição o PT desbaratinado e uma direita que cada vez mais conseguia coesão nessa aposta discursiva que estava ressoando, concentrando-se cada vez menos na pobreza e cada vez mais no PT. A continuidade do PT em uma linha conservadora e liberal aumentou ainda mais a indignação dos setores sociais, enchendo de felicidade as elites que cada vez mais despontam como a única alternativa a tudo isso. Enquanto isso, o PT oferece como único caminho aos movimentos sociais e a esquerda como um todo afundar heroicamente com o navio. Dizem para defender a Petrobrás que eles mesmos não fizeram durante 8 anos. Chamam-nos de Pátria Educadora reduzindo o investimento da educação. Tentam mexer na memória popular e social ao resgatar bandeiras do velho trabalhismo nacionalista quando eles foram um dos principais artífices de sua destruição. Estão desesperados, querem fazer piada do discurso que está tomando as ruas e estamos comprando seu jogo.
Nos meus dois vídeos, um explicando porque votaria na Dilma e outro fazendo um balanço das eleições, defendi que haviam 3 setores se conformando no Brasil: um setor popular que ainda apostaria na Dilma e que seria traído por ela, um setor mais elitista que estava com o Aécio e uma massa amorfa que coloquei tanto nos votos nulos quanto como parte do eleitorado do Aécio. O que estamos vendo é que as consequentes traições do governo Dilma, para fazer eco ao meu último texto, está gerando um curto-circuito na cabeça do setor que a apoiou. Parte foi à rua no dia 13, parte está perdida, mas a descrença é o elemento mais generalizado, perigando em resvalar num imobilismo ou em uma histeria frustrada. A “casa grande” que foi com o Aécio está ganhando o jogo, já que conseguiu colocar a seu lado um setor muito mais amplo que si próprio, pero no mucho. Muitos estão se manifestando junto a idéia do impeachment por ser a única alternativa aparente ao que está dado, ouso dizer que muitos não estão muito convencidos do que tem que ser feito. Por isso que a leitura de Eliane Brum, que o grande ator social que precisamos atentar é a maioria silenciosa que não foi nem dia 13 e nem dia 15, é essencial. Os petistas podem chamar de nem, nem, mas eu proponho outra noção. É o setor que já percebe sensivelmente, mas ainda não consegue elaborar, que estamos imersos no petucanismo. Não há uma escolha real, apenas duas faces da mesma moeda. Estão cansados do tabuleiro, mas ainda não há um elemento que jogue-os para além da indignação. O povo voltou a sentir necessidade da política. Falta alternativa que agite o tesão das maiorias, que possam olhar e pensar, porra, ali tem algo diferente, eu investiria nisso aí. Algo que a Marina prometeu ser e nunca foi e mesmo assim teve a votação expressiva que teve. Algo que dialogue com a nossa memória, com as experiências e os sonhos que já tivemos de um País melhor, algo que rompa o silêncio. Ou inventamos isso ou erramos.