Por Catiana de Medeiros.
O Movimento dos Trabalhadores Desempregados ampliou seu conceito e passou a se chamar Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores por Direito (MTD). A iniciativa, decidida no último mês de abril, não envolve apenas uma mudança na nomenclatura do movimento, mas, principalmente, a ampliação e o fortalecimento da luta por direitos da classe trabalhadora.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Eliane de Moura Martins, da coordenação nacional do MTD, afirma que essa discussão se dá em torno dos novos desafios que surgem com as mudanças pelas quais passa todo o país, e os próximos dois anos serão de construção do debate estratégico para a organização do movimento em nível nacional.
Brasil de Fato – Qual o propósito de ampliar a luta do MTD e mudar o nome para Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores por Direito?
Eliane de Moura Martins – Mudar o nome é consequência de um propósito mais amplo. A caminhada do Movimento dos Trabalhadores Desempregados, que iniciou no Rio Grande do Sul, depois avançou para a Bahia, Distrito Federal, São Paulo e Minas Gerais, em meio a iniciativas em outros estados, como Rio de Janeiro, Pará e Santa Catarina, que acabaram não fluindo, foi uma busca por um método de organização de um movimento de massas urbano com desempregados. Isso há 15 anos, com altos índices de desemprego no país e muitas famílias nas periferias vivendo os dilemas da fome. Portanto, o MTD precisa ser situado sempre em um contexto, em uma análise da conjuntura.
Naquele período, nós apostamos em um método de organização semelhante ao do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e constituímos acampamentos de desempregados em quatro municípios gaúchos. Porém, em cerca de três anos deixamos esse método porque um acampamento urbano é muito mais complexo e pesado de se trabalhar, todas as dimensões da periferia vêm junto com as pessoas. Com essa experiência ficou claro que os acampamentos engoliam a militância que passava o tempo administrando conflitos, tentando organizar frentes de trabalho, alimentos, e o problema gigantesco de segurança, com ameaças vindas do mundo do tráfico de drogas e seus negócios.
Dessa jornada, o passo seguinte foi organizar o trabalho de base nas periferias, nos bairros, nos locais de moradia, organizando núcleos de base, com acompanhamento de formação e articulação, feito com militantes orgânicos. Mas todo esse processo se deu em meio a mudanças importantes e positivas nas políticas sociais e econômicas, em especial do segundo mandato de Lula e do primeiro mandato de Dilma. Com isso, o volume de desempregados efetivamente diminuiu, as políticas sociais amenizaram as condições de reprodução social e foi perceptível um acesso maior a essas políticas, embora a prática demonstrasse que, nas camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora, o ponto de chegada dos programas sociais era, e é, insuficiente, e em grande medida inadequada à realidade das pessoas.
Essa condição de mudança da conjuntura, em conjunto com o acúmulo de práticas com os trabalhadores da base da pirâmide social, foi dizendo vários elementos que levou o MTD a exercitar um processo de reflexão mais sistemática, o qual está em curso. A fase desse processo, que chamamos de reelaboração da estratégia do MTD, envolve um conjunto de tarefas em que o nome é uma parte.
Como essa mudança afeta a organização política e as reivindicações do movimento?
EMM – Essa proposta afeta, em especial, o debate sobre o sujeito do MTD. Esse sujeito é a trabalhadora e o trabalhador, inseridos em cadeias produtivas, na circulação de mercadorias, nos serviços, independente de seu vinculo de trabalho ser formal ou informal, que estejam em luta ou com disposição de lutar. Isso ainda está genérico e essa reflexão ainda não está sistematizada, mas a ideia principal é compreender que o sistema capitalista tem duas formas de exploração da classe trabalhadora. Uma delas, a mais clara e clássica, é aquela que se dá na exploração do trabalho, na venda do tempo, da força de trabalho em troca de um salário. Porém, o sistema organizou uma segunda forma de exploração, que é no local da “vida”, no espaço da reprodução social, que é o espaço doméstico, está inserida em um grande centro urbano, nas grandes cidades, que consomem tempo e dinheiro. Muito tempo em uma circulação de casa para o trabalho, para a escola, para resolver burocracias; exploração do solo urbano, o qual é uma grande fonte de especulação e de realização de grandes taxas de lucros; a exploração das tarifas “públicas”, como água, energia, telefonia, internet, TV a cabo; exploração e dominação dos serviços e da logística ligados ao fornecimento e ao abastecimento de alimentos. Desses ângulos, as lutas giram em torno da moradia, dos alimentos, da energia, como forma de pautar a renda do trabalho, uma renda cujo ponto de choque é o Estado.
Nesse contexto de ampliação da luta, qual é a mensagem interna, para militantes, e externa, para a sociedade?
EMM – A mensagem interna passa por três palavras: organização – rever o método de trabalho de base -, lutas – ações e formação -, e conquistas – com alvo no Estado. A mensagem externa, ao dizermos Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores por Direitos, está relacionada ao direito de trabalhar, trabalhar com direitos. Diz também da necessidade de ampliarmos a relação com o setor já organizado da classe trabalhadora, em especial o movimento sindical, o qual deve e já está sendo provocado a reagir para além da lógica de apoiar, mas também de participar.
O MTD se apresenta como um movimento com interesse em fortalecer diversas pautas internas e sociais, como o enfrentamento ao machismo e à violência doméstica, além da participação da juventude e das mulheres. Como o movimento irá se preparar para encarar os novos desafios que virão com a ampliação da luta?
EMM – Esses desafios estão pautando mais do que elaborações teóricas, elas exigem postura e ações concretas. Não se trata de dizer que as mulheres no mundo do trabalho precário são preponderantes e vivem duas ou mais jornadas de trabalho, isso necessita se transformar em uma agenda de trabalho e, sobretudo, em uma pauta de lutas. A pauta também deverá ser construída com as próprias mulheres e jovens, e isso demanda revisitar o método de trabalho de base. Qual é o método de trabalho de base adequado a esta realidade, à vida sobrecarregada das pessoas? Esse tema está sendo um dos mais caros e mais difíceis de serem ressignificados mediante a sua complexidade.
De que forma essa ampliação da luta por direito irá colaborar no enfrentamento da atual conjuntura política do país?
EMM – Vai se colocar de modo direto, pois se trata de uma questão de fundo da sociedade capitalista. Os níveis atuais de exploração e de controle das grandes massas por parte do sistema exigem uma cidade como a que conhecemos, porém, nessa cidade, nesse modelo de sociedade, não há grandes espaços para avanços em direitos sem que se toque nos grandes privilégios e em grande medida nas máfias, como as do transporte público, das empreiteiras de programas como Minha Casa, Minha Vida. Não há como enfrentar essas questões sem choques, sem conflitos. São conflitos de interesses opostos, interesses de classes opostas.
Pretende-se organizar alguma atividade junto a outros movimentos e apoiadores do MTD para discutir sobre essa ampliação da luta?
EMM – Sim, isso está sendo construído. Estamos reunindo, visitando os maiores sindicatos, centrais sindicais, movimentos sociais amigos para socializar o debate da estratégia. Devemos realizar neste segundo semestre um encontro mais amplo, não só de reapresentação do MTD, mas também no sentido de compartilhar alguns desafios, inclusive com o MST, pois as periferias estão lotadas de sem-terra, e acreditamos que devemos compartilhar um trabalho de base mais sistemático.
Quais são as principais dificuldades enfrentadas hoje pelo movimento?
EMM – Há muitas dificuldades, mas uma delas é a questão da militância. Esse novo formato de movimento social, enraizado em um território, requer militantes bem preparados para agir, interagir, atuar em um campo minado. Os territórios estão tomados de forças políticas as mais diversas, isso é um grande desafio. Também há dificuldades teóricas, o espaço urbano e suas dinâmicas exigem que nos apropriemos do acúmulo teórico já sistematizado, sobretudo no campo crítico. O desafio é retirar esse conhecimento de alguns parcos setores acadêmicos e situá-los em agentes sociais concretos.
Como está sendo encarado esse processo de ampliação da luta aqui no Rio Grande do Sul?
EMM – Vem se dando muito bem. O Rio Grande do Sul necessitava muito desse passo, que tem sido nacional. Essa é uma questão chave da estratégia que estamos discutindo: ser um movimento social de massas, nacional. Portanto, isso é uma grande esperança para o nosso estado.
Quais as principais conquistas que a organização do MDT trouxe até agora para os trabalhadores gaúchos ligados ao movimento?
EMM – No Rio Grande do Sul, objetivamente, conquistamos três assentamentos “rururbanos”, dois “pontos populares de trabalho”, conquistas de “frentes de trabalho”. Politicamente, as relações objetivas, junto a outros movimentos sociais e sindicais, também ofereceram um caráter de reconhecimento social.
Foto: Reprodução/Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato