Título incidental: Redação.
Por Viegas Fernandes da Costa.
Escrevo-te Naná, porque imagino que já retornaste do teu retiro (embora, claro, desde que partiste, teu destino é para nós, aqui, permanente retiro). Mas te invejo, Naná, sim, te invejo. Quando ainda estávamos no caldo pandêmico de vírus e insanidade, por aí a Covid levou apenas uma pessoa. Eu sei, não deveria dizer apenas, porque a morte de uma pessoa que amamos é sempre a dor da tragédia, daquela, que nos fura os olhos e nos prostra insanos. Mas aqui foram mais de setecentas mil, como bem sabes. E setecentas mil são mais que todas as pessoas habitando Desterro, esta capital de um estado que há muito perdeu a decência e agora vê sua população tombar de dengue. Dengue, Naná! Ao menos mosquitos nós vemos, e agora nos besuntamos de repelente.
A propósito, querida amiga, Desterro segue de mal a pior. Outro dia a Câmara de Vereadores aprovou um novo Código Diretor em nome da especulação imobiliária, e escutei o representante da prefeitura dizer no programa matutino da rádio local que o povo não espere grandes mudanças para já, que os grandes edifícios só surgirão daqui a três ou quatro anos. Três ou quatro anos! Não me espantarei se ainda viver para beber água dessalinizada. Nossa ilha já busca água distante, lá na bacia do rio Tijucas, como será quando pilharem de concreto cada palmo deste chão? A Dubai brasileira, tal qual se pretende também Balneário Camboriú? O prefeito daqui, Naná, atende pela desgraça de Topázio, mas de precioso apenas aquilo que deve levar nas próprias burras. Com este nome, é possível que jamais tivesse sido eleito, mas chegou de carona como vice e agora está aí, contribuindo para armar a capela ardente de uma cidade que hoje só existe nas campanhas de publicidade. Eles chamam Desterro de Floripa, acham simpática esta corruptela de Florianópolis, uma homenagem a ditador. A cidade está morrendo, Naná, perdendo sua identidade, sua graça, suas cores. Seremos apenas o concreto quando muito grafitado, as personagens de outrora pintadas em paredes austeras e uma velha figueira amparada por muletas em meio à praça que homenageia a República, mas de onde sempre buscaram expulsar as gentes pobres e indesejadas.
Entretanto, seguimos, Naná. O país respira ares menos pútridos, mas as coisas ainda andam estranhas. Importamos dos Estados Unidos os assassinatos em escolas, e agora o governador de Santa Catarina, que até no nome é diminutivo, resolveu polvilhar policiais aposentados nos pátios escolares. Policiais aposentados e sensores de metais. Valha-me Deus! Sensores de metais, portas giratórias, vidros blindados. O que mais? “A gente precisa conversar mais”, disse o governador depois que um homem matou quatro crianças em uma creche de Blumenau, a cidade que até pouco tempo atrás achava folclórico ter um professor nazista lecionando história para jovens. “Conversar mais” é colocar o pelotão Fraldas Johnson com revólver no coldre para proteger nossas crianças. “Conversar mais” é usar dinheiro da educação para comprar bala, revólver e pagar salário de milícia. A gente afastou o Ali Babá, Naná, do Palácio do Planalto, mas os “quarenta ladrões” do nosso futuro continuam seu trabalho de rapinagem da nossa alma, muitos destes aboletados na poltrona de governador, inclusive aqueles com nome no diminutivo.
No mais as coisas seguem. O ministro Moraes soltou Nhonhô da cadeia, embora agora ele esteja fazendo cocô de tornozeleira eletrônica. Primo Dedé me contou que ele anda arrependido e firme no propósito de só fazer suas necessidades em privada, jamais novamente em prédio público, como o fez em janeiro. A bunda dele, Naná, continua famosa por aqui. Acho até que a bunda de Nhonhó é a bunda mais famosa de todos os tempos! E olha, para o país de bundas, não é pouca coisa sua vergonha pública.
Beijo no teu coração, e quando puderes, me conta como foi mergulhar em meio aos corais.
Abraço desde este outono à beira da…
Lagoa da Ibiraquera, 29 de abril de 2023.
Viegas Fernandes da Costa é professor e escritor blumenauense. Mora em Florianópolis, SC.