Um dos impactos negativos da Minustah no Haiti é a introdução do cólera no país. Foto: Reprodução.
Por Marcela Belchior.
Enquanto o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) renova mais uma vez o mandato de sua missão, que ocupa o Haiti desde o ano de 2004, movimentos sociais, organizações e redes populares da América Latina reforçam sua articulação para manifestarem rejeição à continuidade, em uma campanha continental. Centenas de sindicatos, entidades da sociedade civil organizada, grupos políticos e de defesa dos direitos humanos, além de dirigentes populares e acadêmicos, engrossam a lista de adesão à carta-pronunciamento “Não em nosso nome. Que retirem as tropas e cessem a ocupação do Haiti já!” (No en nuestro nombre ¡Que retiren las tropas y cesen la ocupación de Haití ya!, em espanhol).
Com o objetivo de chegar aos governos e instituições internacionais que fazem parte da ocupação do Haiti, o pronunciamento assinado pela resistência foi entregue em chancelarias, embaixadas e sedes da ONU [Organização das Nações Unidas] no México, Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Peru, Argentina, Brasil e Uruguai. “Rechaçamos que, em nosso nome, sejam violados a dignidade e os direitos do povo haitiano”, afirma o texto, que, além da retirada das tropas, reivindica que a ONU e os países interventores reconheçam sua responsabilidade pela situação de calamidade em que vivem os haitianos, hoje.
A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), criada e chamada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas de “missão de paz” instalou-se no Haiti, em 2004, com a justificativa de “restaurar a ordem” no país. A ocupação se deu após um período de insurgência e a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, reforçada pelo terremoto que abalou o território haitiano, em 2010.
Segundo as organizações sociais, porém, entre vários impactos negativos, com a ocupação, foi introduzido e reproduzido entre a população haitiana pelo vibrião do cólera. Assim, o pronunciamento dos movimentos exige também o fim do que seria uma “auto-impunidade” aos responsáveis pelos níveis da epidemia, e que sejam concretizadas reparações às pessoas e comunidades afetadas. Além disso, denunciam que houve manipulação indevida das eleições de 2010, entre outras violações e crimes no país.
Entre os signatários da petição, lançada pelo Comitê Argentino de Solidariedade ao Povo do Haiti pela Retirada das Tropas, estão: a Rede Jubileu Sul e a Coordenadoria Uruguaia pela Retirada das Tropas. Figuram também entre os que aderem à causa Adolfo Pérez Esquivel (Prêmio Nobel da Paz, em 1980); Nora Cortiñas, Elia Espen e Mirta Baravalle (integrantes das Mães da Praça de Maio); além do o escritor e religioso brasileiro Frei Betto, para citar alguns exemplos. Em comunicado, a Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul afirma que a intenção é que se escute a voz das comunidades e das organizações haitianas. “Que reivindicam respeito por sua dignidade e seus direitos”, assinala.
Em entrevista à Adital, Rosilene Wanseto, secretária da Rede Jubileu Sul Brasil, afirma que a decisão da ONU não surpreende, já que todo o processo, nos últimos anos, já sinalizava a renovação do mandato de ocupação do país caribenho. “Na nossa compreensão, a permanência das tropas atenta contra a soberania e a autodeterminação do país”, enfatiza.
Segundo ela, a campanha continental chama a atenção, justamente, para esse controle indevido do país caribenho, tentando reverter o atual modelo de construção do Haiti. “Devemos reforçar e ampliar toda a mobilização pela retirada das tropas”, afirma. Rosilene observa que a ONU não tem realizado nenhuma abertura para o diálogo com as organizações ou qualquer outro setor em relação à questão. “É uma decisão unilateral dos governos com a ONU, sem a participação da sociedade civil e dos movimentos, que, constantemente, se mostram contrários à renovação”, diz.
Com relação, especificamente, às tropas brasileiras que permanecem em território haitiano, Rosilene aponta que a proposição defendida pelas organizações é que todos os recursos despendidos pelo governo do Brasil para o serviço militar no Haiti sejam revertidos em investimento social. Ou seja, que possam contribuir para a construção escolas, moradias e demais necessidades diretas do povo haitiano.
Martha Flores, membro da Rede Jubileu Sul/Américas, comentou à Adital que, em mais de 11 anos de Missão, a situação dos haitianos não melhorou, não reestruturando serviços básicos, como a rede de saúde e moradia da população. “Ainda tem gente que permanece vivendo em acampamentos, após o terremoto”, enfatiza. “A Minustah funciona como exército de repressão, (…) garante o controle do poder corporativo, (…) é parte de um projeto de controle do país, além de violar direitos humanos”, explica.
Campanha continental exige retirada das tropas de vários países do território haitiano. Foto: Divulgação.
Leia carta completa da campanha.
Fonte: Adital.