Por Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes, Aos Fatos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu nesta quinta-feira (2) à RedeTV! sua primeira entrevista à TV aberta no novo mandato, e Aos Fatos detectou informações falsas em trechos das declarações dele. Não é verdade, por exemplo, que cabe à Câmara indicar o presidente do BC (Banco Central): a escolha é feita pelo presidente e deve ser referendada no Senado. Também não se ampara em fatos a percepção de que o mercado financeiro silenciou sobre o rombo contábil da Americanas. Além da queda das ações, bancos recomendaram venda dos papéis, houve ofensiva jurídica de acionistas e avaliações de crédito da varejista foram rebaixadas por agências de risco.
A seguir, veja essas e outras afirmações que checamos.
Esse cidadão [presidente] do Banco Central foi eleito por quem? Foi eleito pela Câmara.
É falso que o presidente do BC (Banco Central) seja eleito pela Câmara dos Deputados, como afirmou Lula na entrevista. Desde 1974, a escolha da diretoria da instituição cabe ao presidente da República. Antes disso, as indicações eram feitas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), órgão federal que formula políticas de moeda e crédito do Brasil.
Como prevê a Constituição, os indicados pelo presidente ao BC precisam passar por aprovação do Senado por meio de sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos e de votação secreta em plenário.
Esse rito não foi alterado pela Lei de Autonomia do Banco Central, de fevereiro de 2021. O que ocorre agora é que o presidente e os diretores da instituição passaram a ter mandatos de quatro anos, que não coincidem com a eleição do presidente da República.
Atual presidente do Banco Central, o economista Roberto Campos Neto, foi indicado por Jair Bolsonaro (PL) em 2019. O mandato dele terminará em 2024, já que a nova lei determina que o início de um novo mandato no banco deve coincidir sempre com o primeiro dia útil do terceiro ano de governo do presidente da República em exercício. O nome a ser escolhido por Lula para assumir o cargo em 2024, caso seja chancelado pelo Senado e a lei não, seja alterada, terá mandato até 2028.
E agora um deles joga fora 40 bilhões de dólares de uma empresa [Americanas], que parecia ser a empresa mais saudável do planeta, e esse mercado não fala nada. Ele fica em silêncio.
O argumento do presidente foi classificado como FALSO por ignorar reações do mercado financeiro à descoberta do rombo contábil de cerca de R$ 40 bilhões na Americanas, como queda das ações da empresa na Bolsa, recomendação de bancos de investimento para venda dos papéis e rebaixamento da varejista para alto risco de calote nas principais agências de classificação de risco. A fala de Lula também desconsidera a ofensiva jurídica de acionistas e as várias declarações de analistas e reportagens na imprensa sobre os impactos da crise da Americanas na economia.
Ao citar na entrevista esta percepção sobre o caso, o presidente fazia um paralelo com as recentes reações dos agentes do mercado financeiro a declarações suas e de integrantes do governo a favor das correções da tabela do Imposto de Renda e do salário mínimo. A seguir, listamos alguns fatos ocorridos desde o início da crise da Americanas que demonstram porque a fala de Lula está incorreta:
- Na noite de 11 de janeiro, após o encerramento das negociações na B3, a Bolsa de Valores do Brasil, a Americanas comunicou que encontrou cerca de R$ 20 bilhões em inconsistências contábeis e que seu presidente-executivo, Sérgio Rial, deixou a empresa. Até aquele momento, as ações (AMER3) tinham a maior alta acumulada em 2023 no Ibovespa, o principal índice da B3, e haviam crescido 24,35% desde o início do ano. No dia seguinte, os papéis caíram 77,3%, e a empresa perdeu mais de US$ 8 bilhões em valor de mercado. Do começo do ano até esta quinta-feira (2), as ações da Americanas acumulavam queda de 81,4%;
- Em 12 de janeiro, diversos bancos de investimento colocaram as recomendações das ações da Americanas sob revisão. A Genial Investimentos, por exemplo, tinha recomendação de compra para a ação da varejista, mas, após a revelação do rombo bilionário, passou a indicar a venda do papel. Goldman Sachs e Banco do Brasil mantiveram a indicação de venda;
- Em 13 de janeiro, as três principais agências de classificação de risco de crédito, Fitch, S&P e Moody ‘s, rebaixaram a nota da empresa para alto risco de calote;
- Os bancos BTG, Santander e Safra entraram com ações para pedir a suspensão da recuperação judicial solicitada pela empresa, e acionistas minoritários pediram indenizações, por exemplo. Um grupo de instituições lideradas pelo Bradesco, Safra e Santander também ajuizaram ações para pedir provas e obrigar três acionistas de referência – os bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles – a ressarcir os prejuízos. Em uma das petições da ação, o BTG classificou o caso de “maior fraude corporativa na história do país”;
- Analistas econômicos também falaram, e ainda continuam discorrendo, sobre o assunto na imprensa especializada. Um dia depois da notícia, o Valor Econômico listou cinco perguntas dos investidores para analisar o impacto da situação e apontar responsáveis. A cobertura se estendeu ainda por veículos que cobrem o mercado financeiro, como a Bloomberg, a coluna Radar Econômico, da Veja, e o Money Times, que publicaram posicionamentos de analistas, advogados e especialistas na área sobre o desdobramento do caso. O consenso era a de que a crise poderia impactar a confiabilidade de todo o mercado;
- Em artigo mais recente, a Infomoney noticiou que as empresas ligadas ao consumo estavam preocupadas porque o abalo de confiança causado pelo caso da Americanas deveria aumentar o custo de capital;
- A XP Investimentos divulgou relatório alertando para impacto significativo de curto prazo para bancos credores da Americanas, como BTG, Santander e Bradesco, além de recomendar a venda de participações em fundos imobiliários que têm a rede de lojas como inquilina.
[Quando o PT deixou a Presidência,] a ONU tinha reconhecido o fim da fome nesse país.
Ao citar dados sobre insegurança alimentar, o presidente frequentemente trata a saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU (Organização das Nações Unidas), em 2014, como um reconhecimento da entidade de que não haveria mais pessoas sem ter o que comer no país. Isso, no entanto, é FALSO. Em nenhum momento da série histórica da pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre segurança alimentar, iniciada em 2004, no primeiro mandato de Lula, o Brasil deixou de registrar milhões de pessoas com fome.
O menor índice de indivíduos na categoria insegurança alimentar grave — situação em que uma pessoa não tem o que comer — foi registrado em 2013, no governo Dilma Rousseff (PT): eram 7,2 milhões de pessoas, ou 3,6% da população total. Naquele ano, 22,6% da população vivia em algum grau de insegurança alimentar, o que inclui quem reduziu o número de refeições, quem optou por produtos mais baratos e menos nutritivos e quem não tinha acesso a alimentos.
A queda nos índices de insegurança alimentar ao longo da década e uma mudança de metodologia, que passou a considerar outras variáveis, fizeram com que o Brasil deixasse o Mapa da Fome em 2014. Esse levantamento considera os países em que 2,5% ou mais da população enfrenta falta crônica de alimentos. O Brasil voltou a ser citado em 2022, quando relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) apontou que 61 milhões enfrentaram dificuldades para se alimentar entre 2019 e 2021, e 15 milhões passaram fome.
Um país que é o terceiro produtor de proteína animal do mundo.
A declaração de Lula é VERDADEIRA. De acordo com relatório publicado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) em 2021, a partir de dados de 2020 – os últimos disponíveis —, o Brasil é o terceiro país que mais produz proteína animal no planeta, atrás da China e dos Estados Unidos.
Os chineses foram responsáveis pela produção de 79,3 milhões de toneladas de carne de frango, de porco e de boi, entre outros tipos, no período analisado. Já os Estados Unidos produziram 48,7 milhões de toneladas. O Brasil, por fim, foi responsável por 29,1 milhões de toneladas.
A lista da FAO também inclui a produção da União Europeia, bloco de 27 nações responsável por 44,9 milhões de toneladas de carne em 2020. Mas, como o presidente Lula se referiu a países, a soma da produção da região europeia não foi considerada na classificação desta checagem.
Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República) nesta sexta-feira (3) para comentar o resultado das checagens, mas não obteve retorno dentro do prazo sugerido no email. Eventuais respostas da assessoria de Lula podem ser acrescentadas posteriormente nesta reportagem.
Referências:
1. Planalto (1, 2 e 3)
2. Banco Central (1, 2 e 3)
3. Senado (1, 2 e 3)
4. DOU
5. Poder360
6. Valor Econômico (1 e 2)
7. BR Investing
8. CNN Brasil (1 e 2)
9. Infomoney (1 e 2)
10. Trademap
11. Estadão (1, 2, 3 e 4)
12. UOL (1 e 2)
13. Folha de S.Paulo (1 e 2)
14. Bloomberg
15. Revista Veja
16. Money Times
17. Seu Dinheiro (1 e 2)
18. Ministério do Desenvolvimento Social
19. Olheparaafome
20. Aos Fatos
21. Estado de Minas
22. G1
23. FAO